A religião na berlinda
O ser humano, por instinto, de forma natural,
sabe que a vida é finita e que a morte é a única
certeza que temos na existência. Um dia
fecharemos os olhos para não mais abrir nessa
vida.
A doutrina espírita nos ajuda a compreender
melhor o que ocorre com o ser humano após a sua
morte. Porém, nem toda religião é transparente
em relação à continuidade da vida. Este, talvez,
seja um dos dogmas que se possa considerar
importante, afinal, as religiões para não
esclarecer seus adeptos da melhor maneira,
lançam ideias que são aceitas sem questionar,
ainda que haja inquietação interior por parte de
alguns adeptos.
A falta de esclarecimento por parte das
religiões é intencional. A religião tradicional,
materialista, entende que seu profitente busca a
“salvação” e, conforme sua crença, a salvação se
dá por meio de uma série de atividades, práticas
e rituais que, seguidos rigorosamente,
transportam o “morto” para o céu. Aqueles que
não conseguem seguir os rituais impostos pelas
religiões, eximidas de quaisquer
responsabilidades caso seu adepto não alcance o
céu, vão amargar em um entreposto denominado
purgatório até chegar ao destino final, eterno,
que é o inferno.
Nessas linhas simplistas é possível perceber que
se trata de um processo de salvação. É
para isso que as religiões tradicionais ainda
constroem templos suntuosos, faraônicos, que
visam demonstrar sua importância, poder diante
de uma sociedade enferma que, logo baterá a
porta em busca de salvação.
No ano de 2022, no período que antecedeu as
eleições em primeiro e segundo turnos, bem como
durante as eleições e após, observou-se um
movimento constrangedor tomando forma na
sociedade enferma. Brigas, disputas, pregações
inflamadas, profetizações para um candidato,
para outro, o ápice do movimento obsessivo
chegou, quando um destes ditos representantes de
Deus na Terra profetizou a morte de um
candidato. Já estava ruim, mas a partir do
momento que alguém profetiza a morte de outro,
talvez seja o momento para uma reflexão menos
apaixonada, desgovernada e mais racional,
lembrando que são pastores que possuem rebanhos.
Freud, apesar de materialista e ter optado por
ignorar o mundo espiritual, mesmo com todas as
evidências que o cercaram durante suas
pesquisas, descreveu o presente momento em que
as pessoas se descontrolam de forma coletiva da
seguinte forma: “a massa é impulsiva, volúvel
e excitável. É guiada quase exclusivamente pelo
inconsciente (podemos entender, do ponto de
vista espírita, pelo inconsciente e os
espíritos). (...) A massa é
extraordinariamente influenciável e crédula, é
acrítica, o improvável não existe para ela.
Pensa em imagens que evocam umas às outras
associativamente, como no indivíduo em estado de
livre devaneio, e que não tem sua
coincidência com a realidade medida por uma
instância razoável”.
Independente da classificação – que é uma
maneira de organizar as informações para melhor
utilizá-las –, “massa de manobra”, “obsessão
coletiva”, etc., para quem não está envolvido
nesse cipoal, é possível perceber com bastante
clareza que o propósito da religião se perdeu
nas dificuldades humanas. Poderíamos discutir as
dificuldades humanas em diversas frentes, como
dificuldades morais, intelectuais e espirituais.
Esta, é a que mais nos chama a atenção, pela
fragilidade.
Nas anotações do evangelista Mateus, cap. 6,
versículos 19-21, Jesus disse para que “não
ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a
ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões não
minam, nem roubam. Porque onde estiver o vosso
tesouro, aí estará também o vosso coração.”
Será que os ensinamentos de Jesus perderam o
sentido espiritual para as religiões
tradicionais? Será que Jesus é apenas
instrumento de poder transitório para as
religiões cada vez mais materialistas? Será que
Jesus morreu para as religiões?
O Evangelho não mudou. Os
ensinamentos de Jesus continuam os mesmos.
Entretanto, percebe-se com muita nitidez que os
ensinamentos do Cristo estão sendo cada vez mais
submetidos aos mandos e desmandos dos desejos
materialistas, transitórios, em que a traça e a
ferrugem tudo consomem!
A violência se alastrou na velocidade da
tecnologia. As redes sociais diminuíram a
distância entre a decência e a descrença
absoluta, a ponto de as religiões tradicionais
não conseguirem mais influenciar seus adeptos e
nem muito menos os jovens.
Há rumores de que, pela primeira vez, o número
de ateus nos próximos anos será maior no
Brasil do que os religiosos tradicionais. E, em
se confirmando, uma interpretação possível é o
completo e absoluto falimento do sistema
religioso tradicional. A religião precisa
resgatar a religiosidade nas pessoas, a
espiritualização.
As pessoas encontram-se divididas e a religião
tradicional insufla esse processo de divisão,
com uma pseudopostura de respeito às diferenças.
Isso não procede. O papel da religião é
apresentar o seu pensamento mais elevado para
que seu adepto tenha uma diretriz para seguir
diante das tempestades que surgem em seu
caminho.
Pastores e Padres se perderam no materialismo
gritante e avassalador. Se deixaram influenciar
pelas mazelas da sociedade desigual, racista,
misógina e ortodoxa, quando se esperava deles a
demonstração de caminhos que eles representam –
não se espera dessas autoridades religiosas a
infalibilidade que lhe são atribuídas e sim, que
a direção seja apontada, mesmo que eles não
estejam em sintonia com a direção!
O filósofo Luc Ferry nos lembra que a salvação é
o grande mote das religiões. Se compulsarmos a
história, desde que o homem se desviou do
caminho que as religiões pregam, a salvação
passou a ser uma questão de honra e por
isso, seus representantes “vendem a alma” para
encontrar um lugarzinho para seus adeptos no
céu.
O momento requer prudência e sabedoria, mas
também ousadia em romper com esse ciclo vicioso
e retornar à pureza do Cristianismo Primitivo,
quando se interpretavam os ensinamentos de Jesus
independentemente de seus interesses pessoais! É
o momento de aplicar os ensinamentos de Jesus,
quando diz que não veio trazer a paz e sim a espada,
para que esses fios que nos prendem ao passado
de culpa, mandos e desmandos religiosos, sejam
desfeitos e tenhamos oportunidade de começar uma
nova vida, ainda em vida!
Falamos das religiões tradicionais, mas e no
Espiritismo estaríamos agindo da mesma forma?
Busquemos na simplicidade dos ensinamentos do
Cristo o resgate aos Seus valores mais profundos
e transformadores. Não sejamos motivo de
escândalo. Que o desejo de amar seja mais forte
do que o de expressar seu descontentamento
inócuo, fazendo coro a uma massa disforme,
limitada e temerária. Sejamos luz!