Especial

por Sandro Drumond Brandão

O que fazemos do casamento?

Pela diretriz da sublime fraternidade, recomenda a Palavra Divina: "Assim também vós, cada um em particular; ame sua própria mulher, como a si mesmo, e a mulher reverencie o seu marido." (Paulo, epístola aos Efésios, 5:33.)

Da literatura espírita depreende-se ser a união dos sexos o aspecto divino do casamento. Desdobramento da lei de amor, mencionada união deverá transcender os laços da carne, para convergir na feição das almas. Quis Deus que assim se desse para que a afinidade “(...) mútua dos esposos se lhes transmitisse aos filhos e que fossem dois, e não um somente, a amá-los, a cuidar deles e a fazê-los progredir.”[1]

No entanto, na morada em que habitamos[2], que fazemos do casamento? Uma parceria regulada pela lei dos homens? A condição inelutável para a constituição de uma família? Uma meta de vida? Um status social? Um registro da nossa prosperidade no mundo?

Em O Evangelho segundo o Espiritismo, Kardec parece responder a tais arguições: 


O de que se cogita não é da satisfação do coração, e sim da do orgulho, da vaidade, da cupidez, numa palavra: de todos os interesses materiais. Quando tudo vai pelo melhor consoante esses interesses, diz-se que o casamento é de conveniência e, quando as bolsas estão bem aquinhoadas, diz-se que os esposos igualmente o são e muito felizes hão de ser.

 

O que fazemos do casamento, e a forma como o compreendemos, está diretamente relacionado ao nosso grau de adiantamento. Na convivência dos espíritos imperfeitos a satisfação do coração é na maioria das vezes preterida pelo interesse pessoal[3], definido antes mesmo do encontro dos sexos.

Em nossa existência terrena dialogamos sobre o casamento, testemunhamos a sua realização e nos casamos. Através destas experiências construímos o nosso ponto de vista a respeito de tal união. No entanto, devemos nos perguntar por qual razão um instituto tão vivamente presente em nossas vidas nos é tão incitador, e por que temos o sentimento inato de sermos constantemente postos em sua direção?

A resposta está no caráter dessa união, constituída de diferentes matizes divinas.

Como criaturas do Criador carregamos conosco a centelha divina que a todo momento nos põe nos caminhos rumo ao Pai[4]. Um desses caminhos é o casamento, fruto da livre escolha e da solidariedade fraterna do ser, que realiza sublime e progressista ambição: amar e ser amado.

Através dessa espécie de amor ao próximo, os cônjuges se colocam em comunhão com Deus, renunciando-se pela felicidade do outro em doces exortações de fraternidade.

Joanna de Ângelis nos ensina[5]:

 

O amor é uma conquista do espírito maduro, psicologicamente equilibrado; usina de forças para manter os equipamentos emocionais em funcionamento harmônico. É uma forma de negação de si mesmo em autodoação plenificadora. Não se escora em suspeitas, nem exigências infantis; elimina o ciúme e a ambição de posse, proporcionando inefável bem-estar ao ser amado que, descomprometido com o dever de retribuição, também ama. Quando, por acaso, não correspondido, não se magoa nem se irrita, compreendendo que o seu é o objetivo de doar-se, e não de exigir. Permite a liberdade ao outro, que a si mesmo se faculta, sem carga de ansiedade ou de compulsão.

 
Quando nos casamos, consolidamos a escolha de nos amarmos despretensiosamente e de nos despirmos do orgulho que persegue da crítica que destrói e do ciúme que adoece.

Emmanuel, lembrando as tragédias da vida conjugal e da necessidade de adstrição dos cônjuges aos ensinos do Cristo, assevera:

 

Muitos homens e mulheres exigem, por tempo vasto, flores celestes sobre espinhos terrenos, reclamando dos outros atitudes e diretrizes que eles são, por enquanto, incapazes de adotar, e o matrimônio se lhes converte em instituição detestável.

(...)

Tua esposa mantém-se em nível inferior à tua expectativa? Lembra-te de que ela é mãe de teus filhinhos e serva de tuas necessidades. Teu esposo é ignorante e cruel? Não olvides que ele é o companheiro que Deus te concedeu... 


Iremos tropeçar. Em muitas batalhas travadas em nossos corações entre o egoísmo e o amor, o primeiro sairá vencedor. Furtaremos muitas vezes a felicidade e a paz do nosso companheiro. Mas não devemos recear. O Pai nos conhece. Suas expectações, justas e piedosas, não são a de que apaguemos o incêndio que porventura venha a ocorrer na vida conjugal, mas de que tenhamos sempre conosco um copo de água nas mãos.

Ricardo Di Bernardi[6] tratando dos casamentos provacionais lembra que:


Casamentos provacionais, com o esforço dos parceiros, poderão tornar-se casamentos afins, se não nesta vida, em uma próxima encarnação se o convívio atual criar estímulos novos e produtivos. Não se reencarna com a finalidade de sofrer, mas para crescer, mudar, evoluir e amar. Por outro lado, não se está fazendo apologia da aceitação de convívios agressivos ou francamente nocivos e improdutivos nos quais a separação seria o caminho inexorável.

Temos notícia que, em determinados casos, a superação dos problemas determinará no final da vida presente um convívio fraterno e respeitoso. A superação das dificuldades mútuas ocasionará a liberação de ambos que, ao se sentirem livres na espiritualidade, poderão renascer em outro contexto, isto é, junto de suas almas afins.


Pelo casamento experimentamos nova forma de afeição, que assim como o amor entre irmãos, entre pais e filhos e amigos, é via de ensino e lapidação do Espírito ao excelso amor fraternal da família universal de Deus. 

 

Referências bibliográficas:

AGOSTINHO, Aurélio (Santo Agostinho). Confissões. Tradução J. Oliveira Santos, S.J. e A, Ambrósio de Pina, S. J. São Paulo: Editora Nova Cultural (Coleção Os Pensadores), 2004.

DE ÂNGELIS, Joanna (Espírito). O homem integral. Psicografado por Divaldo Pereira Franco. Salvador: Leal, 1996.

DI BERNARDI, Ricardo. Energia sexual, amor e espiritualidade. Matão-SP: O Clarim, 2021.

EMMANUEL (Espírito). Vinha de luz. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Brasília: FEB, 2019.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. de Salvador Gentile; rev. Elias Barbosa. Araras: IDE, 2009. 182 ed.

KARDEC Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2018.

 

[1] KARDEC Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2018. P. 277-278

[2] A Terra, conseguintemente, oferece um dos tipos de mundos expiatórios, cuja variedade é infinita, mas revelando todos, como caráter comum, o servirem de lugar de exílio para Espíritos rebeldes à Lei de Deus. Esses Espíritos têm aí de lutar, ao mesmo tempo, com a perversidade dos homens e com a inclemência da Natureza, duplo e árduo trabalho que simultaneamente desenvolve as qualidades do coração e as da inteligência. É assim que Deus, em sua bondade, faz que o próprio castigo redunde em proveito do progresso do Espírito. – Santo Agostinho. (Paris, 1862.)

[3] 895. Postos de lado os defeitos e os vícios acerca dos quais ninguém se pode equivocar, qual o sinal mais característico da imperfeição?

“O interesse pessoal. Frequentemente, as qualidades morais são como, num objeto de cobre, a douradura que não resiste à pedra de toque. Pode um homem possuir qualidades reais, que levem o mundo a considerá-lo homem de bem. Mas, essas qualidades, conquanto assinalem um progresso, nem sempre suportam certas provas e às vezes basta que se fira a corda do interesse pessoal para que o fundo fique a descoberto. O verdadeiro desinteresse é coisa ainda tão rara na Terra que, quando se patenteia, todos o admiram como se fora um fenômeno.”

[4] “(...) o homem quer te louvar, este fragmento qualquer de tua criação. Tu o incitas, para que goste de te louvar, porque o fizeste rumo a ti e nosso coração é inquieto, até repousar em ti.” (Agostinho, Santo, Bispo de Hipona, 354-430. Confissões - tradução do latim e prefácio de Lorenzo Mammì - 1ª ed. – São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2017.

[5] DE ÂNGELIS, Joanna (Espírito). O homem integral. Psicografado por Divaldo Pereira Franco. Salvador: Leal, 1996. p. 114.

[6]DI BERNARDI, Ricardo. Energia sexual, amor e espiritualidade. Matão-SP: O Clarim, 2021. p. 20.


     

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita