O luto e
o sentimento de culpa
A perda de entes
queridos cria sulcos
profundos no nosso
psiquismo. O vazio
deixado pelas perdas é
deveras doloroso ao ser
abordado no espaço
terapêutico. Revirar as
emoções que ficaram
gravadas e escondidas na
memória atual é reviver
os fatos como se fossem
no presente, aqui e
agora. Como esquecer ou
sublimar um amor que
marcou intensamente
nossas vidas, cujas
lembranças acendem uma
chama que queima nossas
entranhas, causando
significativos danos
emocionais, psíquicos e
por conseguinte físicos?
Não dá para fazer de
conta que isso não
existiu.
Nos últimos dois anos,
em face da pandemia que
assolou toda a população
do nosso planeta, onde
milhões de vidas foram
ceifadas,
confrontamo-nos
sobremaneira com essa
fatalidade, perdendo
amigos e familiares
próximos e nenhuma
família passou em
branco. A experiência da
morte chegou em todos os
recantos, deixando sua
marca e sinais de dor e
sofrimento nos corações
dos que ainda por aqui
transitam. Independente
do credo religioso, da
fé aprendida e
praticada, a dor dói, e
cada um tem o seu jeito
particular para lidar
com ela assim como no
luto.
A conduta indicada para
conviver com a dor é a
paciência. É fato que
ninguém se encontra
preparado para perder a
quem ama, a menos que
ame sabendo que um dia
irá perder. O luto pode
trazer no seu bojo um
sentimento de culpa por
sentirmos alívio, quando
a perda está ligada ao
sofrimento de alguém que
se foi, pessoa ou animal
de estimação.
Vejo como legítimo fazer
visitas ao local de
sepultamento, guardar
pertences pessoais etc.
que pode expressar gesto
de carinho e saudades do
objeto da perda; fazer
um pouco as tarefas que
a pessoa fazia pode
matar a saudade e poderá
ter efeito positivo.
Porém, querer assumir a
vida de quem foi não
garante que a falta não
será sentida. Que o
vazio será preenchido.
Falar sobre a perda sem
atribuir valores e
julgamentos pode ajudar
a quebrar a culpa e o
luto. Sobre essas
ilações, os teóricos
desenvolveram estudos na
tentativa de trazer
alívio e/ou solucionar a
questão das reações
humanas diante das
perdas.
Freud, no artigo
intitulado Luto e
Melancolia (1) assim
descreve: ”O luto de
modo geral é a reação à
perda de um ente
querido, à perda de
alguma abstração que
ocupou o lugar de um
ente querido, como o
país, a liberdade ou o
ideal de alguém, e assim
por diante”... ”também
vale notar que, embora o
luto envolva graves
afastamentos daquilo que
constitui a atitude
normal para com a vida,
jamais ocorre
considerá-lo como sendo
uma condição patológica
e submetê-lo a
tratamento médico.
Confiamos que seja
superado após um lapso
de tempo, e julgamos
inútil ou mesmo
prejudicial qualquer
interferência em relação
a ele”.
No meu entender, nenhuma
teoria é capaz de
explicar o luto, por ser
uma experiência viva,
intransferível, única e
pessoal. Explicar a dor
do luto é como explicar
a alegria e o prazer do
amor. Posso afirmar que
o luto tem caráter
personalizado e precisa
ser vivido passo a passo
e não se trata de uma
doença e não tem prazo
para terminar. Cada um
tem o seu tempo e
poderão ocorrer ciclos
de intensidade de maior
e menor teor, enquanto o
sofrimento prolongado
poderá acarretar
somatizações, provocando
baixa da imunidade e
sujeitando a pessoa a
várias patologias. O
estado de luto nos
obriga a rever valores,
buscar outro sentido
para a vida com novos
ingredientes, como num
estágio a vida de
relação nos premia com a
oportunidade de
aprendermos a lidar com
as recomposições
psicológicas e
emocionais, amadurecendo
os nossos sentimentos.
Nesse capítulo, somos
impelidos a buscar
respostas a questões
atávicas no que diz
respeito ao ser
espiritual que somos. As
perguntas que a ciência
acadêmica não pode
responder de forma
satisfatória
encontram-se em
abundância nas
religiões, nos mais
variados formatos e
ideologias teológicas.
Destaque para a Doutrina
Espírita no que concerne
à continuidade da vida,
enquanto espíritos
imortais em trânsito
pelos muitos mundos
habitados.
No primeiro livro da
série psicológica “O
Homem Integral” pelo
espírito Joanna de
Ângelis, a mentora assim
se expressa:
“Definitivamente, as
experiências psíquicas
parapsicológicas, e
mediúnicas, provocadas
ou naturais, têm trazido
importante contribuição
para equacionar o
problema da morte, dando
sentido à existência.
Conscientizando-se, o
homem, da continuidade
do ser pensante após as
transformações do corpo
através da morte da
forma, alteram-se-lhe,
totalmente, os conceitos
sobre a vida e a sua
conduta no transcurso da
experiência orgânica. De
qualquer forma, reservar
espaço para o desapego
das coisas, das pessoas
e das posições,
analisando a
inevitabilidade da
morte, que obriga o
indivíduo a tudo deixar,
é uma terapia saudável e
necessária para um
trânsito feliz pelo
mundo objetivo”. (2)
Certamente, nenhum de
nós deseja acelerar o
carimbo do passaporte de
volta à espiritualidade.
No entanto, por sabermos
ser inevitável esse
retorno, rogamos ao Pai
que seja feito a sua
vontade. Mas que
possamos ainda ter tempo
suficiente para dar
curso aos ajustes que se
fizerem necessários,
para uma vida repleta de
atividades no caminho do
amor ao próximo e saúde
espiritual.
Bibliografia:
(1) Freud,
Sigmund, Obras
Completas, Imago,
1969, volume XIV,
páginas 275/6.
(2) Ângelis,
Joanna, Franco Divaldo, O
Homem Integral,
LEAL, 1ª edição 1990,
página 140.
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