O lírio e o charco
Podemos ler na Revista Espírita de abril de 1859 um
excelente artigo de Allan Kardec intitulado “Quadro da
vida espírita”. O mestre demonstra ali alta capacidade
como escritor, e a sua visão abrangente sobre os
assuntos causa a impressão de que nada lhe escapa à
análise justa e perspicaz.
É certo reconhecer em Allan Kardec um espírito evoluído,
preparado para a exposição das melhores ideias. Claro
que os espíritas sabem disso, mas nunca é demais realçar
suas qualidades, como estímulo para que se leia cada vez
mais sua obra, seus ótimos trabalhos, inclusive os
publicados na Revista Espírita, de 1858 a meados de
1869.
Nesse artigo, Kardec trata da situação dos espíritos na
erraticidade e das várias formas de compreensão moral a
que estão submetidos, segundo o nível de adiantamento em
que se encontram. É um escrito bem esclarecedor.
Ele explicita a situação dos espíritos mais elevados,
descendo na hierarquia aos menos elevados, passando
pelos espíritos vulgares, nem bons nem maus, até chegar
ao “que se pode chamar de a escória do mundo espírita,
constituída de todos os Espíritos impuros, cuja
preocupação única é o mal”. A estes últimos, descreve-os
como sofredores que desejam que todos sofram; são
invejosos de toda superioridade; investem contra os
homens, excitando-lhes as paixões ruins; instigam a
discórdia, separam os amigos, provocam rixas, espalham o
erro e a mentira, em suma, o que os domina é o desejo de
desviar do bem.
O desfecho de “Quadro da vida espírita” é interessante e
exatamente o que se poderia esperar de um homem
totalmente compromissado com a verdade e com o
esclarecimento dos seus semelhantes, como foi Allan
Kardec.
A desigualdade de níveis evolutivos entre os habitantes
da erraticidade, descrita no artigo, e as
características abomináveis da “escória do mundo”
espiritual poderiam indignar a maioria: “Mas por que
permite Deus que assim seja?” E Allan Kardec surpreende,
finalizando o texto: “Deus não tem que nos prestar
contas. Dizem-nos os Espíritos superiores que os maus
são provações para os bons e que não há virtude onde não
há vitória a conquistar. Aliás, se esses Espíritos
malfazejos se acham na Terra, é que aqui encontram eco e
simpatia. Console-nos o pensamento de que, acima deste
lodo que nos cerca, existem seres puros e benevolentes
que nos amam, nos sustentam, nos encorajam e nos
estendem os braços, atraindo-nos, a fim de nos
conduzirem a mundos melhores, onde o mal não encontra
acesso, desde que saibamos fazer aquilo que devemos para
o merecer”.
Orientação bem própria para os dias que vivemos. O lírio
pode florescer em meio ao charco.
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