Espiritismo ou Doutrina Espírita
Constatamos, apesar do imenso crescimento do movimento
espírita no Brasil nas últimas décadas, que muitos
adeptos ainda não compreenderam a doutrina, insistindo
em ficar na sua superfície, sem o devido aprofundamento
quanto aos seus princípios e finalidades. Assim, ainda
ouvimos expressões tais como espiritismo kardecista,
espiritismo de mesa branca, espiritismo umbandista,
espiritismo progressista, e ainda esta outra: espírita à
esquerda (cremos que deverá igualmente existir espírita
de centro e espírita à direita, para sermos justos).
Essas expressões, em verdade, são equivocadas. Existe
apenas o Espiritismo ou Doutrina Espírita, como muito
bem definido por Allan Kardec em O Livro dos
Espíritos, introdução, item 1:
“A Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio
as relações do mundo material com os Espíritos ou seres
do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os
espíritas, ou, se o quiserem, os espiritistas.”
Allan Kardec não utiliza nenhum adjetivo para
classificar a doutrina e seus adeptos.
E para não deixar dúvidas quanto à finalidade do
Espiritismo, esclarece em O Que é o Espiritismo,
na introdução:
“O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de
observação e uma doutrina filosófica. Como ciência
prática ele consiste nas relações que se estabelecem
entre nós e os espíritos; como filosofia, compreende
todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas
relações.”
O que temos assistido é a tentativa de adaptação da
Doutrina Espírita às ideias pessoais, às conveniências
exclusivistas de pessoas ou de grupos. Exemplo disso é
quando, no grupo de estudo da doutrina, o dirigente do
Centro Espírita verbalizou que concordava com a doutrina
no tocante ao tema em estudo, mas que na sua opinião…
Perguntamos: se sou espírita isso quer dizer que
concordo com a orientação do Espiritismo, então como
posso ter uma opinião pessoal diferente daquilo que digo
aceitar e seguir?
Esse movimento aconteceu com o Cristianismo, deturpado
que foi pelo Catolicismo e, depois, pelo Protestantismo.
Tantas foram as adaptações, as interpretações e as lutas
pelo poder material e político, que o Evangelho acabou
distanciado da população por muito tempo, e o profundo e
sublime ensino “amai-vos uns aos outros” quase foi
substituído pelo “odeiem-se uns aos outros”,
principalmente com relação aos adeptos de outra crença
religiosa que não a sua. Isso não pode acontecer com o
Espiritismo.
A finalidade maior do Espiritismo é alavancar o
progresso moral da humanidade, o que somente pode
acontecer com o progresso moral dos indivíduos, daí
porque a defesa que a Doutrina Espírita faz da
necessidade da Educação Moral, única força que alcança
as causas de todos os problemas humanos: o egoísmo e o
orgulho. E não apenas alcança como lhe dá o combate
eficaz, desenvolvendo o potencial divino que todos
trazemos, fazendo o desabrochar das virtudes, o
desenvolvimento do senso moral, substituindo essas duas
chagas morais pela caridade e pela humildade.
Sabedor das nossas imperfeições e dificuldades, Kardec
produziu belo e profundo texto publicado no capítulo 17,
item 4, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, com
o título Os Bons Espíritas, lembrando-nos que:
“O Espiritismo não cria uma nova moral, mas facilita aos
homens a compreensão e a prática da moral do Cristo, ao
dar uma fé sólida e esclarecida aos que duvidam ou
vacilam.”
É nesse mesmo texto onde encontramos a expressão “Reconhece-se
o verdadeiro espírita pela sua transformação moral, e
pelos esforços que faz para dominar suas más
inclinações”.
Como podemos perceber, nesse texto Kardec utiliza dois
adjetivos para falar do espírita: bom e verdadeiro, o
que implica necessariamente na existência do mal e do
falso espírita, que nada mais são do que aqueles adeptos
de superfície, que não aplicam a si mesmos a
transformação moral solicitada pela Doutrina; que ainda
se mantém egoístas e materialistas; que utilizam da
retórica para defender pontos de vista pessoais; que
querem se manter em determinada zona de conforto e,
assim, deturpam o ensinamento espírita.
É por tudo isso que temos visto dirigentes espíritas
mais preocupados em quantidade de frequentadores no
Centro Espírita, do que com qualidade dos adeptos; o
tratamento espiritual visando à cura do corpo físico
substituindo o estudo da Doutrina Espírita; ritos
gestuais na aplicação do passe no lugar da simples
imposição das mãos; explicações simplórias sobre a
realidade do mundo espiritual; e assim por diante, numa
deturpação do Espiritismo bem ao gosto dos que não
querem estudar, pensar, raciocinar e, principalmente,
realizar sua transformação moral.
Nesse desconhecimento, ou pelo menos na falta de estudo
mais profundo, do Espiritismo, acabamos invertendo
valores e, ao invés de influenciarmos a sociedade para
sua transformação, pegamos ideias da sociedade egoísta,
preconceituosa e materialista para introduzi-las no
movimento espírita. O movimento deve ser exatamente o
contrário, pois compete ao espírita trabalhar para
moralizar e espiritualizar as pessoas e as instituições
sociais de todos os gêneros, o que não significa impor o
Espiritismo a quem quer que seja, mas atuar como
verdadeiro espírita, tendo na força do exemplo de pessoa
de bem, com o uso do senso moral e a visão
espiritualista da vida, sua maior ferramenta, de acordo
com os princípios que formam o Espiritismo.
Uma última palavra: não existe autor, encarnado ou
desencarnado, que possa substituir Allan Kardec com suas
obras, alicerces do Espiritismo. E, parafraseando o
Codificador, que nos disse que “fora da caridade não
há salvação”, podemos afirmar que fora de Kardec não
há Espiritismo ou Doutrina Espírita.
Marcus De Mario é do Rio de
Janeiro/RJ; educador, escritor, palestrante; coordenador
do Grupo Espírita Seara de Luz; publicador do canal
Orientação Espírita no YouTube.
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