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por Martha Triandafelides Capelotto

 

A traça não rói


Conta-se que uma cobra vivia vizinha de uma relojoaria. Um dia entrou na oficina atrás de alguma sobra, mas de comida, ali nem cheiro. Nada encontrando para satisfazer a sua fome e, com o apetite redobrado, ao ver uma lima, se põe a roê-la. A lima então lhe diz: - Que pretendes fazer, pobre infeliz? Não vês que sou feita de aço? E que, antes de me prejudicar, você está prejudicando a si mesma? Não percebes que não terás dentes para usar, e eu continuarei intacta, pois não conseguirás tirar de meu corpo o menor pedaço? A mim nada causa contratempo. Os únicos dentes que podem me afetar são os dentes do tempo! (La Fontaine)

Qual seria a moral da história, já que toda fábula guarda uma lição de fundo moral, refletindo o comportando humano?

Primeiramente, assim como a cobra desta fábula, muitas pessoas acreditam que podem desabonar (roer) a vida de outrem, caluniando e difamando com afirmações falsas e desonrosas a seu respeito.

Criticam porque almejam que os outros as aceitem e, “sem querer”, acabam por permitir que todo mundo interfira em sua vida. Julgam, criticam e censuram, potencializando o sofrimento autoimposto por se sentirem absolutos e incomparáveis. No fundo, todo superior se sente inferior e, consequentemente, recrimina os outros para chamar atenção para si mesmo.

Diante da crítica mordaz, precisamos deixar a “chuva do silêncio” apagar o “incêndio da maledicência” provocado pela incompreensão e intolerância de muitas criaturas desavisadas.

Há indivíduos que, por se julgarem o máximo, acabam “roendo lima”. Maldizem até a mais bela obra de arte. Menosprezam, igualmente, os que adquiriram “obras transcendentais”, aquelas que as traças não roem. Depreciam os bens conquistados pelos que não são escravos da opinião pública; pelos que sabem distinguir aquilo que lhes é útil daquilo que não lhes serve; pelos que dirigem seu comportamento conforme julgam correto, porque desenvolveram o “senso crítico”, o discernir ético, propriedade de uma individualidade universal.

Assim, atrelado ao complexo de superioridade, residem situações antagônicas entre si: de competência e de insuficiência; de extrema habilidade e de total incapacidade, apresentando essas pessoas, oscilações sistemáticas de comportamento para enfrentar a vida e seus problemas. No fundo, sentem-se incongruentes para se relacionar e profundamente inadequados diante de todos, pois, quanto mais se “elevam”, mais se sentem diminuídos.

Segundo La Fontaine, na atualidade, não existe o que poderíamos chamar de comunidade planetária, pois esta se reveste de um caráter cósmico que transcende os limites tradicionalistas e retrógrados em que vivemos. Os indivíduos se reúnem numa espécie de “rebanho” ou “massa inconsciente” que se agrupam e criticam para se autodefender, porque têm medo, medo porque desconhecem o que levam dentro de si, e só temos medo quando não vivemos de acordo com a nossa realidade íntima, em desacordo com nós mesmos.

Ao final dessa fábula, La Fontaine deixa uma mensagem a todos que se acham inigualáveis: “Esta história se endereça a vós que só sabeis criticar, nada mais. A tudo e a todos mordeis, imprimindo a marca ultrajante de vossos dentes, mesmo sobre as obras-primas”.

Assim, nas “mordidas” que receberemos ao longo de nossa jornada, apenas os dentes do tempo poderão nos atingir, burilando a rocha para a sua grande metamorfose.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita