A
traça não rói
Conta-se que uma
cobra vivia
vizinha de uma
relojoaria. Um
dia entrou na
oficina atrás de
alguma sobra,
mas de comida,
ali nem cheiro.
Nada encontrando
para satisfazer
a sua fome e,
com o apetite
redobrado, ao
ver uma lima, se
põe a roê-la. A
lima então lhe
diz: - Que
pretendes fazer,
pobre infeliz?
Não vês que sou
feita de aço? E
que, antes de me
prejudicar, você
está
prejudicando a
si mesma? Não
percebes que não
terás dentes
para usar, e eu
continuarei
intacta, pois
não conseguirás
tirar de meu
corpo o menor
pedaço? A mim
nada causa
contratempo. Os
únicos dentes
que podem me
afetar são os
dentes do tempo!
(La Fontaine)
Qual seria a
moral da
história, já que
toda fábula
guarda uma lição
de fundo moral,
refletindo o
comportando
humano?
Primeiramente,
assim como a
cobra desta
fábula, muitas
pessoas
acreditam que
podem desabonar
(roer) a vida de
outrem,
caluniando e
difamando com
afirmações
falsas e
desonrosas a seu
respeito.
Criticam porque
almejam que os
outros as
aceitem e, “sem
querer”, acabam
por permitir que
todo mundo
interfira em sua
vida. Julgam,
criticam e
censuram,
potencializando
o sofrimento
autoimposto por
se sentirem
absolutos e
incomparáveis.
No fundo, todo
superior se
sente inferior
e,
consequentemente,
recrimina os
outros para
chamar atenção
para si mesmo.
Diante da
crítica mordaz,
precisamos
deixar a “chuva
do silêncio”
apagar o
“incêndio da
maledicência”
provocado pela
incompreensão e
intolerância de
muitas criaturas
desavisadas.
Há indivíduos
que, por se
julgarem o
máximo, acabam
“roendo lima”.
Maldizem até a
mais bela obra
de arte.
Menosprezam,
igualmente, os
que adquiriram
“obras
transcendentais”,
aquelas que as
traças não roem.
Depreciam os
bens
conquistados
pelos que não
são escravos da
opinião pública;
pelos que sabem
distinguir
aquilo que lhes
é útil daquilo
que não lhes
serve; pelos que
dirigem seu
comportamento
conforme julgam
correto, porque
desenvolveram o
“senso crítico”,
o discernir
ético,
propriedade de
uma
individualidade
universal.
Assim, atrelado
ao complexo de
superioridade,
residem
situações
antagônicas
entre si: de
competência e de
insuficiência;
de extrema
habilidade e de
total
incapacidade,
apresentando
essas pessoas,
oscilações
sistemáticas de
comportamento
para enfrentar a
vida e seus
problemas. No
fundo, sentem-se
incongruentes
para se
relacionar e
profundamente
inadequados
diante de todos,
pois, quanto
mais se
“elevam”, mais
se sentem
diminuídos.
Segundo La
Fontaine, na
atualidade, não
existe o que
poderíamos
chamar de
comunidade
planetária, pois
esta se reveste
de um caráter
cósmico que
transcende os
limites
tradicionalistas
e retrógrados em
que vivemos. Os
indivíduos se
reúnem numa
espécie de
“rebanho” ou
“massa
inconsciente”
que se agrupam e
criticam para se
autodefender,
porque têm medo,
medo porque
desconhecem o
que levam dentro
de si, e só
temos medo
quando não
vivemos de
acordo com a
nossa realidade
íntima, em
desacordo com
nós mesmos.
Ao final dessa
fábula, La
Fontaine deixa
uma mensagem a
todos que se
acham
inigualáveis: “Esta
história se
endereça a vós
que só sabeis
criticar, nada
mais. A tudo e a
todos mordeis,
imprimindo a
marca ultrajante
de vossos
dentes, mesmo
sobre as
obras-primas”.
Assim, nas
“mordidas” que
receberemos ao
longo de nossa
jornada, apenas
os dentes do
tempo poderão
nos atingir,
burilando a
rocha para a sua
grande
metamorfose.