Artigos

por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Somos todos doentes?


Mal começamos um ano novo e as agruras se sucedem com volúpia incontrolável. Em nosso país, vândalos e arruaceiros atacam deliberadamente prédios públicos destruindo tudo pelo caminho. Patrimônios históricos foram destruídos pela turbamulta ensandecida. Ao mesmo tempo, crimes hediondos são noticiados pela nossa imprensa: famílias dizimadas por bandidos desalmados no Distrito Federal, enquanto uma mãe é condenada a 30 anos de prisão por degolar o próprio filho. Infelizmente, não é possível - já há muito tempo - desfrutar de um passeio em paz e com segurança à noite na minha cidade (São Paulo). Aliás, em certas partes da cidade é mais prudente não passar nem de dia, seja a pé ou de carro.

Por outro lado, enquanto se comemorava a diminuição do desemprego no país no último trimestre do ano passado, os dados do IBGE também indicavam que mais de 40 milhões de pessoas viviam sem um emprego formal, com carteira assinada e demais benefícios. Ou seja, sob a expressão empreendedor, milhões vivem e continuarão a viver uma existência de privações e sofrimentos. Para eles a ideia de prosperidade é uma utopia.

Não bastasse tudo isto, ainda temos o retorno da censura em nossa terra. Muitos jornalistas estão simplesmente impedidos de expressar livremente a sua opinião. Aliás, uma dura conquista obtida em nossa pátria após anos de regime ditatorial, mas solapada na atualidade. Ainda sobre jornalistas, é preciso ressaltar que os assassinatos destes profissionais cresceram 50% no ano passado no planeta (86 vítimas), segundo a Unesco. É oportuno igualmente destacar que 35,3%  dos países na Terra estão sob a tutela de regimes autoritários, enquanto outros 20,4% funcionam com regimes considerados “híbridos” (nome pomposo para democracias capengas), conforme o Democracy Index, da Economist Intelligence Unit.

No campo econômico continuamos sendo duramente explorados por determinados empresários inescrupulosos que só visam o seu próprio bem-estar. Aliás, em grande medida a inflação e o consequente aumento da pobreza observável na atualidade dá-se pela avareza de muitos membros desse privilegiado segmento da sociedade. Não é por acaso que, ainda no meu estado, 16,1 milhões de pessoas ficaram inadimplentes em 2022, cifra considerada recorde, isto é, claro sinal de há algo muito errado na obtenção e distribuição de renda.

A ganância e insensatez chegaram ao ponto de se vender papinhas de bebês contaminadas por agrotóxicos, conforme revelou recente pesquisa conduzida por cientistas brasileiros e espanhóis. Mais especificamente, após análise e triagem destes produtos realizadas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foram identificados 10 agrotóxicos e um metabólito (sulfóxido de aldicarbe proibido no Brasil desde 2012 por conter alta toxidade) nas amostras.

Por outro lado, no plano internacional, a situação não é igualmente favorável. A Ucrânia, por exemplo, continua sendo palco de uma nefasta carnificina promovida pelos bombardeios russos, que sistematicamente buscam destruir toda a infraestrutura do país, bem como as suas áreas residenciais. No meio do confronto, a população, não tendo para onde ir, é massacrada. No Irã, por sua vez, a “Polícia Moral” – lá existe tal excrescência – permanece prendendo e matando a população que não suporta mais os desmandos dos aiatolás, que lhes impõem regras de conduta draconianas e absolutamente incompatíveis com a noção mais elementar de livre-arbítrio. E assim caminhamos para mais um período que, ao que tudo indica, será marcado por intensa violência e infelicidade generalizada. Assim a vida ainda caminha em nosso mundo.

Nos tempos de Jesus havia muita violência e arbitrariedades; no entanto, as evidências sugerem pouco ou mesmo nenhum progresso moral desde aqueles tempos. Em outras palavras, a criatura humana continua errando clamorosamente, e, por extensão, ampliando seu passivo perante a espiritualidade maior. O senso de eternidade não foi assimilado pela psiquê humana como se deveria. Por isso, muitos entram e saem do casulo corporal em sucessivas reencarnações sem um aproveitamento esperado ou elevação espiritual, pois permanecem deliberadamente “doentes”. Portanto, não há como negar que somos alunos insistentemente repetentes.

Por isso, muitos continuam presos às duras experiências cármicas porque suas almas continuam doentes. Os remédios celestiais estão à sua disposição, mas os rejeitam por rebeldia ou ignorância. O Espírito Emmanuel foi extremamente feliz ao destacar, na obra Caminho, Verdade e Vida (psicografia de Francisco Cândido Xavier), que “O Cristianismo é a suprema religião da verdade e do amor, convocando corações para a vida mais alta”. No entanto, menoscabamos as oportunidades generosamente oferecidas pela espiritualidade de ascensão preferindo chafurdar nos pântanos das atitudes malsãs. A propósito, como reitera o Evangelho nesse particular: “Duro é este discurso; quem o pode ouvir?” (João, 6:60).

Além disso, como salienta Emmanuel na mesma obra, “Não possuímos suficiente visão para identificar os doentes do espírito, os coxos do pensamento, os aniquilados de coração”. Mas podemos e devemos examinar se essas deficiências estão dentro de nós. Lembremos que elas se revelam, em outras palavras, com assiduidade através do nosso comportamento errático, da nossa personalidade desequilibrada e dos nossos pensamentos infelizes. Mas na eventualidade de identificá-las, tenhamos em mente que a cura não será obtida se não tivermos a coragem moral de encará-las. Ademais, cabe admitir – se realmente formos sinceros no exercício proposto – que doentes (da alma) todos nós somos. O que varia, no entanto, é a intensidade das anormalidades que carregamos em nosso ser. Desse modo, como acertadamente também recomenda Emmanuel, “[...] É imprescindível seguir nos caminhos daquele que é a luz da nossa vida”. Nesse sentido, consideremos, por fim, que Jesus pede a nós nada mais nada menos do que a busca da perfeição.
 
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita