A acédia
representa o estado de torpor ou de apatia que provavelmente estava presente
desde os tempos primordiais no ser humano, mas que ganhou especial destaque na
Idade Média. Ela tem especial conexão com os monges cristãos da época medieval.
A palavra vem do grego akedía, negligência[1],
e denota um estado depressivo, melancólico, de tristeza ou falta de força que
leva para baixo, tal como modo de rebaixar o indivíduo, talvez até por ele
mesmo. Apesar de parecer inicialmente ruim, a questão não é exclusiva do ser
humano. No mundo animal, a acédia se relaciona com a hibernação que alguns
animais fazem para poupar energia até a chegada de outros tempos e ambientes. Se
para os animais hibernar pode ser fundamental para a manutenção da vida futura,
no caso do ser humano, isso parece ser perigoso, dependendo da abordagem de
enfrentamento feita pelo indivíduo. Ou seja, poupar-se na existência pode
significar seu desperdício, uma vez que “ajuda-te a ti mesmo, que o céu te
ajudará”[2].
A apatia, assim
como o entorpecimento da vontade, da energia e da alegria de viver, pode
apresentar riscos tanto para o momento presente quanto para o futuro. E esta
falta de vontade pode vir tanto de uma ideia errônea de mundo e de felicidade,
quanto pelo uso (exaustão ou estagnação) de nossa energia pessoal, seja por
estarmos depressa demais, ou então, paralisados há muito tempo.
De acordo com
James Hollis[3],
o mundo moderno possui diferentes perigos, chamados por ele de corvos, que
aguardam algum momento de se aproximar quando estamos com a guarda baixa. Um
desses corvos é a dessuetude e a acédia. Baixar a vibração e a energia pessoal
pode significar perigo que os monges cristãos conheciam bem. A tal “doença dos
monges” representava esta falta de energia, de propósito, a tristeza prolongada
que pode levar a situações ainda mais problemáticas.
As pessoas que
costumam entrar no ritmo frenético do trabalho e de suas obrigações pessoais
podem sentir-se exauridas e desgastadas de tempos em tempos, assim como também
aqueles que estão com problemas pessoais e profissionais e que não se sentem
produtivos durante o período. Estar em “baixa produtividade” durante algum tempo
devido a problemas de contexto é normal e precisa ser lidado de modo a
ultrapassar esse terreno árido. Todavia, há aqueles que se acomodam e acreditam
que não têm forças para superar o problema, ou, então, não querem enfrentar o
desafio devido a formas errôneas de padrões de pensamento formado e arraigado,
experiências passadas e crenças limitantes. Assumir o desafio da
responsabilidade pela própria vida e destino é fundamental para a superação e
vitória sobre essa tristeza. “Todo homem, podendo desfazer-se das imperfeições
pelo efeito de sua vontade, pode poupar a si mesmo os males que delas decorrem,
e assegurar sua felicidade futura”[4].
A acédia
representa então esta sinalização, este chamado de que precisamos estar
conectados (o que nem sempre estamos!) com a responsabilidade pela nossa própria
vida, tal como legítimos construtores de nosso destino. Negar os sinais é piorar
ainda mais o problema.
A existência
cobra responsabilidade, mas apenas aqueles que têm condições de enfrentar suas
más inclinações e de descartar as falsas promessas de uma vida infantilizada
conseguem fazer esta passagem. A apatia pode representar esta dúvida existencial
ou até mesmo uma desconexão entre o indivíduo consciente e os propósitos do
inconsciente e da necessidade de alinhamento com sua partícula divina e com
Deus.
Quando há este encontro real entre o eu consciente e o reino interior, quando há
a comunhão verdadeira entre o propósito do indivíduo com o progresso do
universo, há o resgate do sentido, da energia, do entusiasmo[5].
Aliás, a palavra entusiasmo vem do grego enthousiasmos e
significa ter um Deus dentro de Si. O que permite colocar em prática aquilo que
Nietzsche e Viktor Frankl expressam como: “quem tem um porquê na vida, enfrenta
quase todo como”. É sair fortalecido e de ter desafiado o seu inimigo interior e
vencido. A superação da apatia faz com que a pessoa saia fortalecida e preparada
para novos desafios e empreitadas. Sabe-se que aos discípulos avançados cabem
também as provações mais complexas.
Enfim, vencer a
acédia, encontrar seu entusiasmo interior, configura parte desta jornada
magnífica do ser humano rumo às estrelas.
Apesar do
trabalho hercúleo, a tarefa não é impossível. Conhecimento, estratégia pessoal e
disciplina são fundamentais para que a vitória venha de modo seguro. Há
diferentes modos pelos quais um indivíduo pode combater a acédia. Um deles é a
conscientização de seus propósitos de vida, assim como o melhor ajuste ou
reintegração com Deus. Nada melhor que os exercícios de autoconhecimento para
tal fim. Estar alinhado com os propósitos superiores, os espíritos de escol,
podem ajudar em assumir uma postura proativa. Todavia, sabe-se que quanto mais
afinado a pessoa está com Deus, como bom trabalhador e combatente[6],
há sempre inimigos querendo o contrário. Assim, a boa companhia auxilia no
avanço apesar dos problemas, contratempos e provações.
Na sapiência
dos antigos, pode-se dizer que o dito popular “Quem anda com porcos farelo come”
simboliza essa questão. Ter pessoas que nos ajudem, seja com uma palavra amiga
quando se reconhece que estamos cabisbaixos além do normal, seja com um gesto
simples que nos preenche de alegria. Passes terapêuticos, água fluidificada
também representam esta doação de um ser humano para com o outro. É a superação
por meio da ajuda de terceiros que torna o trabalho “sólido” devido à
"solidariedade" existente.
Outro ponto que
pode nos auxiliar no combate da acédia é manter o humor sempre presente. O humor
é uma maneira do cérebro se desgarrar de ideias desagradáveis, evitando que
sementes ruins brotem e cresçam na flora mental. É essencial para o trabalhador
diligente ter a precaução de não cultivar ideias nocivas, para que não venha a
ter colheitas amargas mais tarde. Em algum momento da vida, a obsessão podia ser
uma escolha. O humor saudável, seja por meio de palavras, histórias, imagens ou
vídeos, permite o refazimento das energias e das estações mentais. Todo bom
trabalhador da espiritualidade precisa manejar com satisfação o humor para que
seja não apenas portador da Boa Nova para os demais colaboradores, mas também o
porto seguro do ânimo, do entusiasmo e da esperança.
Além do humor,
toda vez que surge uma ideia nefasta é essencial que a pessoa saiba trocar de
“estação mental”, para que o torpor não venha a ser bom companheiro. Mudar de
ideia, dominar a mente representa aspecto fundamental para que o desânimo não
“bata a porta”. Autocontrole da mente e das emoções é fundamental para que o
indivíduo saiba não apenas enfrentar os problemas “lá de fora”, mas também os do
reino interior.
Enfim, apesar
de parecer um problema, a acédia pode significar legítimo ponto de verificação
do avanço do ser sobre suas próprias mazelas.
Autoconhecimento, autodescobrimento, autocontrole são etapas sine qua non para
o avanço sobre a apatia e o acendimento da luz interna do conhecimento e do amor
que auxiliarão no desenvolvimento e progresso da humanidade. Progresso esse que
deve ter a base interna, do indivíduo forte e consciente, para que consiga
enfrentar de modo justo e adequado à expressão “Eu não sou o que me aconteceu;
eu sou o que escolhi ser”[7].[8]
[2]
Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 25.
[3]
James Hollis. Os pantanais da alma. São Paulo: Paulus, 1998.
[4]
Allan Kardec, O céu e o inferno ou a justiça divina segundo o
Espiritismo. Código penal da vida futura.
[5] A
palavra entusiasmo vem do grego enthousiasmos (en theos),
e significa ter um deus dentro de si.
[7]
James Hollis. Os pantanais da alma. São Paulo: Paulus, p. 175,
1998.
[8] Em
homenagem aos meus queridos genitores, Paulo Hayashi e Ioko Ikefuti
Hayashi, que já se encontram na Pátria Espiritual.