Moral de vitrine
Sempre acreditei que a autotransformação e o trabalho
para o progresso geral devem ser os objetivos de todo
espírita, e que a melhor forma de implementa-los será
com o acatamento e respeito aos princípios da Doutrina
que professa.
O conhecimento adquirido nas leituras e práticas
espíritas dão a entender que o ódio, a mentira, a
hipocrisia, não podem jamais conviver com os princípios
morais que tanto se preza.
Recordo-me que em períodos difíceis vividos há décadas
atrás, vez ou outra discordávamos de colegas, neste ou
naquele ponto de vista, sem que isso representasse a
quebra por nenhuma das partes, do compromisso
ético-moral que devia imperar nas nossas atividades e
relações.
Por que muitos irmãos que até ontem ombreavam conosco na
luta por dias melhores para todos, hoje se distraíram a
ponto de defender ideias e opiniões contraditórias e
incompatíveis com aqueles programas doutrinários que
compartilhávamos?
Mesmo diante do consenso humano e racional de que o
amor, a paz, a solidariedade, o respeito, a verdade, são
valores moralmente inegociáveis, muitos companheiros
vacilam apoiando programas e projetos inconciliáveis com
o Espiritismo.
Amadurecido pelos embates e provas da vida ao longo dos
anos, continuo com o mesmo projeto que se iniciou na
juventude espírita, de lutar para a minha transformação
pessoal e pela melhora da sociedade.
Continuo acreditando que a base desse projeto de vida
passa pelo respeito fiel às instruções morais de O
Evangelho segundo o Espiritismo que, segundo
dizem, é o livro mais conhecido entre os espíritas.
Passa também pelo empenho no estudo e debate de todas as
questões de “As leis morais” contidas em O livro dos
Espíritos, para que se possa compreender melhor o
difícil exercício de viver.
Afinal, o que foi que mudou? Que entendimento da
Doutrina é esse, em que espíritas mostram fraqueza moral
e mergulham num mundo paralelo?
Nossa intenção não é julgar ninguém individualmente, mas
a questão deixa de ser “nuanças de opinião”, na
expressão de Kardec em um de seus discursos (1), para
transformar-se em divergência profunda no modo de
compreender valores morais que não precisam de
interpretação: ódio, mentira, escárnio, perversão, são o
que são em qualquer tempo e lugar, e devem ser
combatidos e não defendidos por quem quer que seja.
Sem qualquer desapreço, minha conclusão é a de que
muitos espíritas não estão preparados para compreender o
Espiritismo senão em partes, cada um com a que mais se
afina. E ainda: para muitos a moral espírita, que é a
mesma do Cristo, é admirada através de uma vitrine,
apenas.
Diante desta incógnita, busco consolo no depoimento de
Allan Kardec sobre a invigilância dos espíritas, na
esperança de que tudo isso vai passar com o tempo.
“Em todo caso, – diz Kardec – não vos inquieteis
absolutamente com algumas dissidências passageiras (...)
São provas para a vossa fé e para o vosso julgamento;
muitas vezes são meios permitidos por Deus e pelos bons
Espíritos para dar a medida da sinceridade e dar a
conhecer aqueles com os quais realmente se pode contar
(...). São pequenas pedras semeadas em vosso caminho, a
fim de vos habituar a ver em que vos apoiais” (1).
(1) Revista Espírita, novembro de
1861, “Discurso de Allan Kardec”.
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