Seria o mal mais poderoso que o bem na
Terra?
Antes de expormos algumas ponderações doutrinárias
acerca do mal e do bem é interessante sabermos os seus
significados. Filosoficamente o mal define-se como
privação ou imperfeição, ou aquilo que é nocivo,
prejudicial, que se opõe ao bem, à virtude, à probidade,
à honra.
No que reporta ao bem são atribuídas ações e obras
humanas que lhes confere um caráter moral. (1) E para
não incorrer no inócuo maniqueísmo(2) consignamos que "a
evolução para Deus pode ser comparada a uma viagem
divina.
O bem constitui sinal de passagem livre aos cimos da
Vida Superior, enquanto o mal significa sentença de
interdição, constrangendo-nos a paradas mais ou menos
difíceis de reajuste."(3) A maldade dos homens sempre
inquietou os pensadores dos mais diversos campos do
saber e da ação humana: filosofia, ciência, arte,
religião.
Hanna Arendt, filósofa judia, estudou as questões do mal
e suas teses estão ínsitas no livro “Eichmann em
Jerusalém”, onde analisa o julgamento do verdugo
nazista, mentor da morte de milhares de pessoas.
Tendo como referencial o caso Eichmann, a filósofa
justifica que o mal pode tornar-se banal e difundir-se
pela sociedade como um fungo, porém apenas em sua
superfície. Para Arendt as raízes do mal não estão
definitivamente instaladas no coração do homem e, por
não conseguirem penetrá-lo profundamente a ponto de
fazer nele morada, podem ser extirpadas.
Há os que dizem ser o mal mais forte que o bem, e que os
Espíritos do mal estariam conseguindo derrotar os
Benfeitores espirituais, frustrando-lhes os desígnios
superiores. Em que pese a antiga tradição de tais
conceitos, eles são insustentáveis e falsos, diríamos
mesmo, absurdos. Admitir o triunfo do maligno, a
prejuízo da humanidade, é o mesmo que negar ao Senhor da
Vida os atributos da onisciência e da onipotência, sem
os quais não poderia ser o Organizador da Vida.
O mal não é criação de Deus como imaginam algumas
pessoas, especialmente aquelas que vivem distanciadas do
entendimento evangélico. O mal é transitório, não tem
raízes, já o bem é permanente. O mal definha à medida
que o bem se estabelece.
Foi por isto que Jesus dizia que o Reino dos Céus começa
em nosso coração e, compara-o ao fermento que transforma
e engrandece a massa; o Reino dos Céus é como a semente
de mostarda cuja árvore é múltipla em benefícios.
A humanidade vem nos últimos anos passando por
transformações inquietantes. A influência do
materialismo sobre a vida social cresce incessantemente.
Os valores morais estão sendo corrompidos com espantosa
velocidade. Nunca o mundo precisou tanto dos ensinos
espíritas como neste tempo atuais.
Vivenciamos instantes em que se aguça o individualismo
enodoando o tecido social, e nos vendavais da tecnologia
somos remetidos aos acirramentos das desigualdades e
isolamentos, estabelecendo-se níveis de conforto e
exclusão sociais nunca antes experimentados.
Atualmente, consegue-se a compra pela Internet,
assiste-se ao filme no shopping, trafega-se pelas
avenidas em veículos luxuosos. Vive-se sem convivência
fraterna, numa doentia soledade a despeito de um mundo
superpovoado de encarnados.
Em que pese para os mais otimistas a convicção do
alvorecer da Nova Era espiritual que vem chegando,
ocupando espaço, no contexto dos avanços da ciência que
impulsiona a massa humana para a conquista da paz. E
ante os paradoxos acredita-se na existência do elo entre
a fé e a razão, entre a ciência e a religião, entre
verdade física e verdade metafísica, em que o instinto
cede em face da razão, e a sábia consciência direciona
os sentimentos sublimes de amor, justiça e caridade.
Contudo não há como se desconhecer a luta pela
subsistência. São as enfermidades. As insatisfações. Os
conflitos emocionais. Os desenganos. As imperfeições
próprias daqueles com os quais convivemos. Enfim, as mil
e uma adversidades da existência.
Nesse autêntico amálgama, usando e abusando do
livre-arbítrio, cada qual vai colhendo vitórias ou
amargando derrotas, segundo o grau de experiência
conquistada. Uns riem hoje, para chorarem amanhã, e
outros que agora se exaltam, serão humilhados depois.
Devemos interrogar a própria consciência, passando em
revista os atos cotidianos, para a identificação dos
desvios dos deveres que deveriam ter sido cumpridos e
dos motivos alheios de queixa por conta dos nossos atos.
Revisemos periodicamente nossas quedas e deslizes no
campo moral, ativando a memória para nos lembrarmos dos
tantos espinhos que já trazemos cravados na "carne do
espírito"(4), tal como ensina Paulo de Tarso. Estes
espinhos nos lembrarão a nossa condição de enfermos em
estágio de longa recuperação, necessitados de cautela.
O mal não é invencível, pelo contrário. O homem possui
na sua natureza a flama do bem. Somente quando se
distancia da sua origem divina é que se compraz com o
mal.
Para se livrar das ações negativas dos malfeitores
espirituais, basta sintonizar-se com seu lado superior
buscando fazer o bem aos outros: em pensamentos,
sentimentos, palavras e ações. E, claro, não se deve
transferir a responsabilidade dos próprios erros à
intervenção do “algoz do além”, que só exerce a sua
influência porque encontra campo fértil para isso. Allan
Kardec registra em Obras Póstumas "Deus não criou o mal;
foi o homem que o produziu pelo abuso que fez dos dons
divinos, em virtude de seu livre-arbítrio. (5)"
Não é simples, porém, nos livrarmos do mal que
praticamos. Mal que nasce em nós, nos impregna e
temporariamente passa a fazer parte de nossa
personalidade. O Convertido de Damasco na sua carta aos
romanos tece comentários sobre as lutas que se deve
travar para combater o mal em nós mesmos, em frase já
célebre: "Porque não faço o bem que quero, mas o mal que
não quero esse faço"(6).
O mal a que se refere Paulo em suas epístolas é o mal
trivial que subsiste em nós e é alimentado por nossa
vontade. E que, em certa medida, nos proporciona prazer
pelo torpor de consciência. Daí a nossa dificuldade de
nos desembaraçarmos dele. Diante da banalização do mal,
conforme anota Arendt, que se espalha pelo mundo dos
homens, resta-nos individual e coletivamente nos
lançarmos ao bom combate, conforme o Apóstolo dos
gentios (7), que é constante, exigindo-nos disciplina e
perseverança.
E uma das questões cruciais que funciona como um divisor
de águas da Doutrina espírita em relação a outras
religiões é a necessidade de se praticar o bem para o
crescimento espiritual.
O Espírito encarnado ou não, é um ser inteligente, desta
forma, o bem para ser bem, para ter eficácia, não
prescinde de um conteúdo pedagógico cujo fundamento está
justamente no porque fazer o bem. O homem tem recursos
de distinguir por si mesmo o que é bem do que é mal,
quando crê em Deus e o quer saber.
Deus lhe deu racionalidade para distinguir um do outro.
Mas, urge meditarmos que o bem não nos imunizará do
sofrimento, resolvendo todos os problemas, mas
ajudar-nos-á a arrostar os momentos cruciais com ânimo
robusto, evitando que nos cristalizemos no pessimismo e
oferecendo-nos resistência para vencer dificuldades e
não contrair novos compromissos morais negativos.
Joana de Angelis induz-nos a lembrar para nunca
desistirmos de fazer o bem, face do aparente triunfo do
mal em desgoverno, em torno de nossas vidas. Passada a
tempestade, a luz volta a fulgir. A sombra é somente
ausência da claridade. Não é real.
Só Deus é Vida; somente o Bem é meta.(8) Para que
possamos vislumbrar um mundo sem angústias e nem
problemas sociais, livres das misérias econômicas e
políticas, apelemos para o amor incondicional, que
possui os recursos eficazes para a conciliação, o
perdão, a transformação moral, fomentando o bem para o
progresso o que concorre para enriquecer nossa
sensibilidade, aprimorar nosso caráter, fazer que se nos
desabrochem novas faculdades, o que vale dizer, se
dilatem nossos gozos e aumente nossa felicidade.(9)
Referências bibliográficas:
1- Esta qualidade se anuncia através de
fatores subjetivos (o sentimento de aprovação, o
sentimento de dever) que levam à busca e à definição de
um fundamento que os possa explicar.
2- Filos. Doutrina do persa Mani ou Manes
(séc. III), sobre a qual se criou uma seita religiosa
que teve adeptos na Índia, China, África, Itália e S. da
Espanha, e segundo a qual o Universo foi criado e é
dominado por dois princípios antagônicos e irredutíveis:
Deus ou o bem absoluto, e o mal absoluto ou o Diabo. 2.
P. ext. Doutrina que se funda em princípios opostos, bem
e mal.
3- Xavier, Francisco Cândido. Ação e
Reação, ditado pelo Espírito André Luiz, RJ: Ed FEB,
2001, cap. 19.
4- 2ª Epístola de S. Paulo aos Coríntios:
7 - E, para que não me exaltasse pela excelência das
revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um
mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de não
me exaltar.
5- Kardec, Allan. Obras Póstumas.
RJ: Ed. FEB, 1999.
6- Romanos 7:19.
7- (2Tm 4,7) "Combati o bom combate,
percorri o caminho e guardei a fé".
8- Franco, Divaldo Pereira. Da obra: Momentos
Enriquecedores. Ditado pelo Espírito Joanna de
Ângelis. Salvador, BA: LEAL, 1994.
9- Fonte: Reformador - Janeiro -
1966, artigo O Problema do Mal, de Rodolfo Calligaris.
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