Espíritos neutros
“É curioso que a maior parte destes Espíritos, que são
aqui ajudados, não são propriamente maus, são pessoas
normais”, comentava Margarida, médium psicofónica do
grupo mediúnico com que colaborava há alguns anos.
A observação é interessante e reflete a realidade
observada ao longo de décadas.
Aliás, o próprio Allan Kardec em livros de sua autoria,
como O Céu e o Inferno, desdobra considerações
certeiras sobre o pós-vida material, e pormenores dessa
natureza não ficavam de lado. Análise centrada na
valiosa experiência em pesquisa mediúnica que o
caracteriza, extrai conclusões importantes qualquer que
seja o tempo sob a nossa atenção na história da
humanidade.
Como seria de esperar, nas reuniões mediúnicas que se
realizam um pouco por todo o planeta esses resultados
ressurgem diante de quem estiver atento.
Ainda assim, pensando nos cenários míticos desenvolvidos
pelas religiões, desenhava-se um inferno e um céu para a
vida que surge depois do corpo material morrer. Vistos
como regiões pós-morte do corpo físico em inúmeras
culturas ao longo do tempo e do espaço, essas ideias
antecedem, e muito, o surgimento do próprio
cristianismo. A questão é que esses “sítios”, a
existirem, na verdade não estão por fora do ser
espiritual, mas, pelo contrário, na prática geram-se
dentro da própria consciência, vórtice em que se
encontram gravadas as leis perenes que gerem a natureza
humana. É de observar que isso pode ocorrer na condição
de Espírito encarnado e/ou desencarnado, uma vez que a
transferência de plano – material ou espiritual –
evidencia um mero processo de continuidade da vida
mental de cada um. Uma boa notícia consiste em saber
que, no caso do chamado “inferno”, as situações de
infortúnio não vão estender-se para sempre, pois todos
os que atravessamos esses patamares da vida interior
acabaremos por encontrar recursos de melhoria pessoal,
com feliz renovação dos objetivos de vida.
Posto isto, ressurge o comentário acima: “a maior parte
destes Espíritos, que são aqui ajudados, não são
propriamente maus, são pessoas normais”.
Sendo certo que as reuniões mediúnicas em causa servem
para ajudar aqueles que partem da vida material
distraídos ou comprometidos com a sua própria
consciência – no caso sobretudo de já serem capazes de
fixar a ajuda que lhes é oferecida –, o comentário foi
até traduzido em números para deixar a margem subjetiva
das meras suposições. Para conferir, pode ver o póster
"Reuniões Mediúnicas: Uma análise estatística", de onde
extraímos esta tabela (1):
A base para esse facto apoiou-se na Escala Espírita.
Kardec explica-a num contexto evolutivo em O Livro
dos Espíritos, livro segundo, capítulo 1, ponto VI.
Nesse quadro destacamos a ordem dos Espíritos
imperfeitos e, dentro dela, a classe dos Espíritos
neutros. Estes são aqueles que tanto fazem em escassa
dimensão tanto o bem como o mal, ou então, sem rigor,
nem uma coisa nem outra.
Essa inação espiritual também pode ser conhecida por amorfismo.
Este estado vibratório acanhado adormece as usinas
espirituais do psiquismo do ser humano, encarnado ou
desencarnado, limitando quase ao mero nível da matéria
densa as perceções do ser espiritual. É por essa razão
que muitos de nós desencarnamos, inclusive espíritas,
claro, e ao retomarmos a consciência já na vida
espiritual sentimos a deceção que daí pode resultar. Por
vezes nem conseguimos ver os amigos ou familiares
próximos, desencarnados e esclarecidos, que nos vêm dar
as boas-vindas no “regresso a casa” depois da “bolsa de
estudo” que é a vida material. Ouve-se dizer que a
sementeira é livre, mas a colheita é obrigatória. (2)
Quem não cultiva não pode esperar colheita. A vantagem é
que este processo se renova em ciclos sucessivos de
acordo com a lei do progresso espiritual. Esse facto
abre veredas de muita esperança.
Não basta não fazer o mal, necessário é fazer o bem. (3)
O interesse prático de estarmos atentos, no dia a dia,
ao que pensamos e sentimos é inegável. Aproveitar o
caminho para despertar as usinas afetivas do psiquismo –
respaldadas na gratidão pelas bênçãos que a Vida Maior
verte a cada minuto sobre os nossos passos, e em que não
reparamos apenas porque são abundantes – amplia, por
exemplo, a capacidade visual e auditiva do ser
espiritual que somos. Olhar a flor que sorri no caminho,
o incansável raio de sol e factos afins permite
encantarmo-nos mais vezes com a linda escola em que
estamos a aprender há já tanto tempo, o planeta Terra.
Os amigos espirituais costumam dar-nos a ideia de que
respiramos, mesmo sem sabermos, na atmosfera inesgotável
do amor de Deus. Mesmo que o escafandro do egoísmo, do
orgulho ou da vaidade nos queiram isolar dessa atmosfera
psíquica, o fato artificial criado por nós próprios
acabará por se romper e desmantelar, libertando as
potencialidades generosas do amor incondicional e da
sabedoria, as lições mais básicas que estamos a colher
na escola terrena.
Referências:
1- Tabela disponível na Internet: clique
aqui Eis duas informações com objetivo de facilitar
a compreensão do quadro em foco: A
duração em minutos foi anotada caso a caso no dia
seguinte à reunião mediúnica a partir da gravação em
áudio, com começo no início do transe mediúnico e
terminando no momento em que a entidade espiritual
comunicante é desligada do médium, seguindo com os
amigos espirituais que a vieram receber. O número 7
equivale na Escala Espírita aos Espíritos neutros.
2- “Mas, tendo sido semeado, cresce.” –
Jesus de Nazaré (Marcos, 4:32).
3- Questão 642 de O Livro dos
Espíritos: “… cumpre-lhe fazer o bem no limite de
suas forças, porquanto responderá por todo mal que haja
resultado de não haver praticado o bem.”
Jorge Gomes,
escritor, ex-vice-presidente da Federação Espírita
Portuguesa e ex-editor do Jornal de Espiritismo
publicado pela ADEP - Associação de Divulgadores de
Espiritismo de Portugal, da qual é membro, reside na
cidade de Porto, Portugal.
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