O
planeta Terra, segundo as indicações dos Espíritos superiores,
representa um lugar de baixo desenvolvimento físico e moral. Há lugares
melhores, tal como Júpiter, mas também sítios inferiores como Marte[1].
Assim, estaríamos em um educandário de espíritos jovens que ainda não
detém conhecimento superior e necessita, segundo as situações, de
vivências e experimentações para avançar no processo de despertar e
internalização da aprendizagem espiritual. Neste ponto, é essencial que
se tenha os instrumentos adequados e, portanto, surgem dois elementos
fundamentais para o espírito: o corpo físico material e o perispírito.
O corpo
material é a vestimenta carnal que permite ao espírito estar “enterrado”
na Terra, já que é o plano espiritual o primário. Estar encarnado
representa oportunidade de progresso ao ser, ainda que ela possa passar
por experiências em outros orbes também[2].
Através das encarnações na Terra, há o ensaio do desenvolvimento da
inteligência, bem como do treinamento das emanações mentais para que se
possa, em um futuro promissor, irradiar para diferentes lugares ou
mundos. O corpo físico representa uma bênção já que é através dessa
couraça de carnal que permite ao indivíduo polir com mais destrezas suas
habilidades, ou até mesmo se defender dos inimigos de outrora. Todavia,
é essencial que o ser saiba colocar o corpo físico sob suas ordens e
diretrizes, ao invés do contrário. Na tradição oriental diz que o ser é
o cavaleiro e que o corpo material, o cavalo. Deixar que o cavalo guie o
cavaleiro é sinal de desastre iminente. É a influência da matéria que
descamba para paixões menos nobres. Por outro lado, quando o cavalo está
a serviço do cavaleiro, há o avanço do ser de modo produtivo e com os
objetivos corretos. Mas, em algum momento ambos se separam.
Morrer
ou desencarnar-se faz parte do ciclo de idas e vindas entre os planos
espirituais e materiais. Estar na "esfera do recomeço” é parte da
jornada do ser rumo ao seu aprimoramento infinito, em destaque com a
identificação do ser com o Criador. Neste ponto, o encarnado não vem
apenas com a vestimenta da carne. O espírito é sempre acompanhado do
perispírito como instrumento complementar, “para poder elevar-se na
atmosfera e transportar-se para onde queira[3]”.
O
perispírito é um envoltório semimaterial, também chamado de corpo
etéreo. Trata-se de um corpo vaporoso, provindo do fluido universal e
que está adaptado, ou condicionado, ao mundo onde habita o espírito. Ou
seja, é útil enquanto o ser estiver em aprendizagem na Terra, seja
quando encarnado, seja desencarnado. Quando ocorre esta segunda
situação, há a separação do perispírito com a carne e com perdas até
mesmo para o primeiro com a perda de seu corpo vital. Esse, também
chamado de ‘duplo etérico’ representa a parte mais periférica do
perispírito e é “formado por emanações neuropsíquicas que pertencem ao
campo fisiológico e que, por isso mesmo, não conseguem maior afastamento
da organização terrestre, destinando-se à desintegração, tanto quanto
ocorre ao instrumento carnal, por ocasião da morte renovadora[4]”.
Já as partes sobreviventes do perispírito, corpo vital e astral,
auxiliam na manutenção dos registros de débitos e créditos do indivíduo
frente às grandezas da eternidade e do infinito[5].
Ou seja, serve para a manutenção do equilíbrio dinâmico do progresso,
resgate e deveres assumidos e cumpridos dentro da linha histórica
pessoal. O que se antecipa que, conforme o espírito avança sobre seus
deveres e equilibra os débitos dentro da balança do destino, o próprio
perispírito se sublima. Deste modo, o modo de conduta em vida vai também
influenciar no próprio processo de desencarne e de sobrevivência do
espírito e sua condição perispiritual. Com isso, o desligamento do
perispírito ao corpo físico material, com o processo de desencarne, não
é instantâneo ou igual para todos. Como se lê em O Livro dos
Espíritos: “A observação prova que, no instante da morte, o
desligamento do perispírito não se completa subitamente; ele não opera
senão gradualmente e com uma lentidão que varia muito segundo os
indivíduos[6]”.
Ou
seja, conforme o tipo de vida, mais ou menos ligado ao material e ao
sensual, o indivíduo terá a separação facilitada ou não. Em casos
penosos, pode o espírito ficar preso à própria decomposição do corpo
físico. É a vivência do livre-arbítrio e da colheita dos resultados das
escolhas que se fez em vida. Assim, a recomendação de Paulo de Tarso:
“Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém” (1Cor 6:12). Ou de modo
complementar pelo instrutor espiritual Gúbio[7]:
“somos o que somos. Depois do sepulcro, não encontramos senão o paraíso
ou o inferno criado por nós mesmos”.
Ou
seja, somos como o bicho da seda que acaba envolvido com o fio que
expeliu. Com isso, as criações mentais, as atitudes mentais devem ser
geridas com cuidado. De acordo com Gúbio: “Nosso organismo
perispiritual, fruto sublime da evolução, quanto ocorre ao corpo físico
na esfera da Crosta, pode ser comparado aos polos de um aparelho
magnético-elétrico[8]”.
Assim, o perispírito é uma ferramenta de consolidação da vontade e do
pensamento, cabendo então responsabilidade no uso de tão precioso
instrumento. O perispírito é moldado conforme a vontade do indivíduo de
modo sutil e com flexibilidade e capacidade de expansão e de retração,
podendo se transformar naquilo que o espírito quer.
Em
outras palavras, o perispírito pode representar ferramenta versátil para
que o indivíduo treine sua vontade e pensamento, energia e conhecimento
de modo a ser útil para uma realidade maior. Por outro lado, quando
abusamos demais dele e das experiências encarnadas podemos danificar o
próprio fluido condensado ou perispírito. O que parece legitimar a
observação do evangelista Lucas (16:10): “Quem é fiel no pouco, também é
fiel no muito, e quem é desonesto no pouco, também é desonesto no
muito”.
Em
sentido semelhante encontra-se a seguinte observação de O Livro dos
Médiuns: “no conhecimento do perispírito está a chave de inúmeros
problemas até hoje insolúveis[9]”.
Portanto, o perispírito é elemento essencial para que o espírito consiga
trilhar suas obrigações, deveres, resgates e missões, tal como veste
sutil que reflete e é refletido a condição moral e de avanços do
espírito. No caso específico de comunicação no intercâmbio entre dois
perispíritos, a questão da afinidade parece ser fundamental[10].
O que pode facilitar ou não as trocas de comunicação, por exemplo, entre
encarnado e desencarnado, por exemplo.
Retomando a possibilidade de perder ou danificar o perispírito há o
fenômeno conhecido como segunda morte, ou seja, quando o indivíduo não
mais precisa do mesmo devido ao avanço ou quando perdeu devido ao abuso
do livre arbítrio e contraiu dívidas de grande vulto. No primeiro caso,
pode-se dizer que o perispírito foi gradualmente diminuindo a ponto de
não mais o espírito precisar dele. É o caso dos espíritos puros que
representam entidades de primeira ordem[11].
Espíritos puros são aqueles que não sofrem influência da matéria e
possuem tanto conhecimento quanto desenvolvimento moral de forma plena.
“Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, é para
eles a vida eterna, que desfrutam do seio de Deus[12]”.
Na
tradição védica, há o conceito de samsara e que representa o
ciclo de renascimento e morte que o indivíduo precisa realizar para
alcançar a perfeição. Assim, os espíritos puros e a não necessidade do
perispírito e da reencarnação representam a libertação desta roda e por
isso, como expressa O Livro dos Espíritos, os espíritos nesta
condição “gozam de inalterável felicidade[13]”.
A
escala espírita representa o grau de maturidade do espírito, seja em
termos de desenvolvimento moral, conhecimentos superiores, tendência ao
bem, influência da matéria e trabalhos santificantes. Em outras
palavras, a perda salutar do perispírito não é uma tarefa que acontece
do dia para a noite, mas exige comprometimento e disciplina,
conhecimento e companheirismo ao longo de vários períodos.
Por
outro lado, para aqueles que se comprometem de profundo no mal pode
haver também a perda do corpo fluídico e, neste caso, há a limitação do
ser por si mesmo. É o caso dos ovoides que são seres humanos que perdem
a forma original e ficam limitados, tal como pequenas esferas, “maiores
que um crânio humano[14]”.
Neste caso, a segunda morte é temporária, pois como bem indica a
doutrina Espírita, não há retrocessos. Algum dia haverá a reencarnação
na esfera do recomeço e mais outra vez será dada a oportunidade para a
regeneração e o pagamento das dívidas. Nenhum filho será esquecido pelo
Pai.
Portanto, a segunda morte (a perda do perispírito) pode representar
tanto uma bênção, quanto um certo infortúnio ao ser. É a recompensa ou
punição de modo extremado. Para ilustrar ambas as situações, observe a
narrativa do instrutor espiritual Gúbio[15]:
“Viste
companheiros – prosseguiu o orientador – que se desfizeram dele [do
perispírito], rumo a esferas sublimes, cuja grandeza por enquanto não
nos é dado sondar, e observaste irmãos que se submeteram a operações
redutivas e desintegradoras dos elementos perispiríticos para renascerem
na carne terrestre. Os primeiros são servidores enobrecidos e gloriosos,
no dever bem cumprido, enquanto que os segundos são colegas nossos, que
já merecem a reencarnação trabalhada por valores intercessores, mas,
tanto quanto ocorre aos companheiros respeitáveis desses dois tipos, os
ignorantes e os maus, os transviados e os criminosos também perdem, um
dia, a forma perispiritual.
“Pela
densidade da mente, saturada de impulsos inferiores, não conseguem
elevar-se e gravitam em derredor das paixões absorventes que por muitos
anos elegeram em centro de interesses fundamentais. Grande número,
nessas circunstâncias, mormente os participantes de condenáveis delitos,
imantam-se aos que se lhes associaram nos crimes. Se o discípulo de
Jesus se mantém ligado a Ele, através de imponderáveis fios de amor,
inspiração e reconhecimento, os pupilos do ódio e da perversidade se
demoram unidos, sob a orientação das inteligências que os entrelaçam na
rede do mal. Enriquecer a mente de conhecimentos novos, aperfeiçoar-lhe
as faculdades de expressão, purificá-la nas correntes iluminativas do
bem e engrandecê-la com a incorporação definitiva de princípios nobres é
desenvolver nosso corpo glorioso, na expressão do apóstolo Paulo,
estruturando-o em matéria sublimada e divina.”
Deste
modo, o perispírito é instrumento valioso, útil e sutil. Não pode ser
abusado no uso negativo. Todavia, pode-se dizer que perdê-lo para
acender para moradas mais elevadas pode significar destinação final de
todos. Um dia não mais precisaremos desta ferramenta, pois já teremos
nos aprimorado a ponto de conseguir suprir com as nossas aptidões,
conhecimento, amor e luzes próprias. Assim como a criança aprende a
andar com os dois pés sem precisar mais engatinhar, o ser humano, um
dia, conseguirá ascender aos céus superiores, despregado da matéria e
com a sutileza que não mais precisará do perispírito, pois a afinidade
com Deus e com o amor e a inteligência universal serão tamanha que não
mais terá diferença. O retorno ao paraíso só depende de nós.
Portanto, agradecemos as provas e honramos os recursos disponíveis para
que o progresso venha de modo justo e inquestionável. Honremos em
especial, nossos corpos como legítimos auxiliares que nos querem bem e
se sacrificam por nossa causa. Um dia perderemos tanto o corpo físico
quanto o etéreo, mas que o espírito fique livre para auxiliar do mais
alto os que ainda buscam a paz e o amor de Deus. O universo como o
jardim de luz da Criação. [16]
[1] Ver
nota de rodapé - pergunta 188 - O Livro dos Espíritos.
[2] Ver
seção “Encarnação nos diferentes mundos” - O
Livro dos Espíritos.
[3] Resposta
à pergunta 93 - O Livro dos Espíritos.
[4] André
Luiz. Nos domínios da mediunidade. Cap. 11.
[5] Marlene
Nobre. Seminário: "Perispírito, suas propriedades e funções" 1ª
parte. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=AgD_08w--UA&t=11s
[6] Resposta
à pergunta 155 - O
Livro dos Espíritos
[7] André
Luiz. Libertação. Brasília: FEB, 2008, p. 199.
[8] André
Luiz. Libertação. Brasília: FEB, 2008, p. 35.
[9] O
Livro dos Médiuns. Cap.1, item 54.
[10] O
Livro dos Médiuns, Cap. 9, item 225.
[11] Ver
- O Livro dos Espíritos, Cap.1, Escala Espírita.
[12] O
Livro dos Espíritos, Cap.1, item 113.
[13] O
Livro dos Espíritos, Cap.1, item 113.
[14] André
Luiz. Libertação. Brasília: FEB, 2008, p.
[15] André
Luiz. Libertação. Brasília: FEB, 2008, p. 105-6.
[16] Em
homenagem aos meus queridos genitores, Paulo Hayashi e Ioko
Ikefuti Hayashi, que já se encontram na Pátria Espiritual.