Internacional
por Ana Moraes

Ano 17 - N° 827 - 11 de Junho de 2023

 

A missão de Allan Kardec, o que foi previsto e o que realmente aconteceu


No dia 12 de junho de 1856 – há exatos 167 anos – o Espírito de Verdade, coordenador da obra de codificação do Espiritismo, por intermédio da médium Aline C., confirmou o que outros Espíritos haviam dito ao professor Hippolyte Léon Denizard Rivail a respeito de sua missão como codificador da doutrina espírita.

A confirmação se fez por meio de um diálogo entre o professor e o mentor espiritual, que enumerou os percalços e as dificuldades inerentes à missão que o Plano Espiritual atribuiu àquele que seria mundialmente conhecido pelo nome Allan Kardec, pseudônimo adotado pelo professor lionês na publicação de suas obras espíritas.

O diálogo integra a Segunda parte de Obras Póstumas, livro publicado posteriormente à desencarnação de Kardec. Nesta matéria vamos lembrar o que foi anunciado e o que realmente aconteceu.


A missão de Kardec

A seguir, o diálogo entre o professor e o mentor:


Pergunta: (A Verdade). Bom Espírito, desejaria saber o que pensais da missão que me foi assinada por alguns Espíritos; quereis dizer-me, eu vos peço, se é uma prova para o meu amor-próprio. Sem dúvida, vós o sabeis, tenho o maior desejo de contribuir para a propagação da verdade, mas, do papel de simples trabalhador ao de missionário como chefe, a distância é grande, e eu não compreenderia o que poderia justificar, em mim, um tal favor, de preferência a tantos outros que possuem talentos e qualidades que não tenho.

Resposta: Confirmo o que te foi dito, mas convido-te a muita discrição, se quiseres vencer. Saberás, mais tarde, coisas que te explicarão o que te surpreende hoje. Não olvides que podes vencer, como podes falir; neste último caso, um outro te substituiria, porque os desígnios do Senhor não repousam sobre a cabeça de um homem. Não fales, pois, jamais da tua missão: esse seria o meio de fazê-la fracassar. Ela não pode ser justificada senão pela obra realizada, e ainda nada fizeste. Se a cumprires, os homens te reconhecerão, cedo ou tarde, eles mesmos, porque é pelos frutos que se reconhece a qualidade da árvore.

Pergunta: Certamente, não tenho nenhuma vontade de me gabar de uma missão na qual creio apenas eu mesmo. Se estou destinado a servir de instrumento para os objetivos da Providência, que ela disponha de mim; mas, nesse caso, reclamo a vossa assistência e a dos bons Espíritos para me ajudarem e me sustentarem na tarefa.

Resposta: A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se, de tua parte, não fizeres o que é necessário. Tens o teu livre-arbítrio; cabe a ti usá-lo como entendes; nenhum homem está constrangido a fazer fatalmente uma coisa.

Pergunta: Quais são as causas que poderiam me fazer fracassar? Seria a insuficiência de minhas capacidades?

Resposta: Não; mas a missão dos reformadores está cheia de escolhos e de perigos; a tua é rude, disso te previno, porque é o mundo inteiro que se trata de agitar e de transformar. Não creias que te baste publicar um livro, dois livros, dez livros, e permaneceres tranquilamente em tua casa; não, ser-te-á preciso expor-te ao perigo; levantarás contra ti ódios terríveis; inimigos obstinados conjurarão a tua perda; estarás em luta contra a malevolência, a calúnia, a traição mesmo daqueles que te parecerão os mais devotados; tuas melhores instruções serão desconhecidas e desnaturadas; mais de uma vez, sucumbirás sob o peso da fadiga; em uma palavra, será uma luta quase constante que terás que sustentar, e o sacrifício de teu repouso, de tua tranquilidade, de tua saúde, e mesmo de tua vida, porque sem isso viverias por muito mais tempo. Pois bem! mais de um recua quando, em lugar de um caminho florido, não encontra sob os seus passos senão espinheiros, pedras agudas e serpentes. Para tal missão, a inteligência não basta. É necessário primeiro, para agradar a Deus, a humildade, a modéstia, o desinteresse, porque ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os ambiciosos. Para lutar contra os homens é necessário coragem, perseverança, e uma firmeza inabalável; é preciso também da prudência e do tato, para conduzir as coisas a propósito, e não comprometer-lhe o sucesso por medidas, ou por palavras intempestivas; é preciso, enfim, do devotamento, da abnegação, e estar pronto para todos os sacrifícios. Vês que a tua missão está subordinada a coisas que dependem de ti. (Espírito de Verdade)

O professor: Espírito de Verdade, eu vos agradeço pelos vossos sábios conselhos. Aceito tudo sem restrição e sem dissimulação. Senhor! Se vos dignastes lançar os olhos sobre mim para o cumprimento de vossos desígnios, que seja feita a vossa vontade! A minha vida está em vossas mãos, disponde do vosso servidor. Em presença de uma tão grande tarefa, reconheço a minha fraqueza; minha boa vontade não faltará, mas, talvez, as minhas forças me trairão. Supri a minha insuficiência; dai-me as forças físicas e morais que me forem necessárias. Sustentai-me nos momentos difíceis, e com a vossa ajuda, e a de vossos celestes mensageiros, esforçar-me-ei para corresponder aos vossos objetivos.


O que de fato aconteceu

No dia 1º de janeiro de 1867, mais de dez anos após o diálogo acima, Kardec escreveu a nota abaixo:


“Escrevi esta nota em 1º de janeiro de 1867, dez anos e meio depois que esta comunicação me foi dada, e constato que ela se realizou em todos os pontos, porque sofri todas as vicissitudes que me foram anunciadas.

Fui alvo do ódio de inimigos obstinados, da injúria, da calúnia, da inveja e do ciúme; libelos infames foram publicados contra mim; as minhas melhores instruções foram desnaturadas; fui traído por aqueles em quem coloquei a minha confiança, pago com a ingratidão por aqueles a quem prestei serviço.

A Sociedade de Paris foi um foco contínuo de intrigas urdidas por aqueles mesmos que se diziam por mim, e que, fazendo cara boa diante de mim, me dilaceravam por detrás. Disseram que aqueles que tomavam o meu partido eram assalariados por mim com o dinheiro que eu recolhia do Espiritismo.

Não mais conheci o repouso; mais de uma vez sucumbi sob o excesso de trabalho, a minha saúde foi alterada e a minha vida comprometida. No entanto, graças à proteção e à assistência dos bons Espíritos que me deram, sem cessar, provas manifestas de sua solicitude, estou feliz em reconhecer que não senti, um só instante, o desfalecimento nem o desencorajamento, e que constantemente persegui a minha tarefa com o mesmo ardor, sem me preocupar com a malevolência de que era objeto.

Segundo a comunicação do Espírito de Verdade, deveria esperar tudo isso, e tudo se verificou. Mas também, ao lado dessas vicissitudes, que satisfação senti vendo a obra crescer de modo tão prodigioso! Com quantas doces consolações as minhas tribulações foram pagas! Quantas bênçãos, quantos testemunhos de real simpatia, não recebi da parte dos numerosos aflitos que a Doutrina consolou!

Esse resultado não me fora anunciado pelo Espírito de Verdade que, sem dúvida, desejou não me mostrar senão as dificuldades do caminho. Quanto não seria, pois, a minha ingratidão se eu me queixasse!

Se dissesse que há uma compensação entre o bem e o mal, não estaria com a verdade, porquanto o bem, entendo as satisfações morais, superaram muito sobre o mal. Quando me chegava uma decepção, uma contrariedade qualquer, elevava-me, pelo pensamento, acima da Humanidade; colocava-me, por antecipação, na região dos Espíritos e, desse ponto culminante, de onde descobria o meu ponto de atraso, as misérias da vida deslizavam sobre mim sem me atingir. Fizera-me disso um tal hábito que os gritos dos maus jamais me perturbaram.” (Allan Kardec)

 

(*) Allan Kardec desencarnou em 31 de março de 1869. Sobre seu retorno à pátria espiritual sugerimos ao leitor que veja o texto intitulado “A desencarnação de Allan Kardec” que publicamos na edição 49 desta revista. Para acessá-lo, clique aqui



 
  


O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita