A
missão de Allan Kardec, o que foi previsto e o que
realmente aconteceu
No
dia 12 de junho de 1856 – há exatos 167 anos – o
Espírito de Verdade, coordenador da obra de codificação
do Espiritismo, por intermédio da médium Aline C.,
confirmou o que outros Espíritos haviam dito ao
professor Hippolyte Léon Denizard Rivail a respeito de
sua missão como codificador da doutrina espírita.
A
confirmação se fez por meio de um diálogo entre o
professor e o mentor espiritual, que enumerou os
percalços e as dificuldades inerentes à missão que o
Plano Espiritual atribuiu àquele que seria mundialmente
conhecido pelo nome Allan Kardec, pseudônimo adotado
pelo professor lionês na publicação de suas obras
espíritas.
O
diálogo integra a Segunda parte de Obras Póstumas,
livro publicado posteriormente à desencarnação de
Kardec. Nesta matéria vamos lembrar o que foi anunciado
e o que realmente aconteceu.
A
missão de Kardec
A
seguir, o diálogo entre o professor e o mentor:
Pergunta: (A Verdade). Bom Espírito, desejaria saber o
que pensais da missão que me foi assinada por alguns
Espíritos; quereis dizer-me, eu vos peço, se é uma prova
para o meu amor-próprio. Sem dúvida, vós o sabeis, tenho
o maior desejo de contribuir para a propagação da
verdade, mas, do papel de simples trabalhador ao de
missionário como chefe, a distância é grande, e eu não
compreenderia o que poderia justificar, em mim, um tal
favor, de preferência a tantos outros que possuem
talentos e qualidades que não tenho.
Resposta: Confirmo o que te foi dito, mas convido-te
a muita discrição, se quiseres vencer. Saberás, mais
tarde, coisas que te explicarão o que te surpreende
hoje. Não olvides que podes vencer, como podes falir;
neste último caso, um outro te substituiria, porque os
desígnios do Senhor não repousam sobre a cabeça de um
homem. Não fales, pois, jamais da tua missão: esse seria
o meio de fazê-la fracassar. Ela não pode ser
justificada senão pela obra realizada, e ainda nada
fizeste. Se a cumprires, os homens te reconhecerão, cedo
ou tarde, eles mesmos, porque é pelos frutos que se
reconhece a qualidade da árvore.
Pergunta: Certamente, não tenho nenhuma vontade de me
gabar de uma missão na qual creio apenas eu mesmo. Se
estou destinado a servir de instrumento para os
objetivos da Providência, que ela disponha de mim; mas,
nesse caso, reclamo a vossa assistência e a dos bons
Espíritos para me ajudarem e me sustentarem na tarefa.
Resposta: A nossa assistência não te faltará, mas
será inútil se, de tua parte, não fizeres o que é
necessário. Tens o teu livre-arbítrio; cabe a ti usá-lo
como entendes; nenhum homem está constrangido a fazer
fatalmente uma coisa.
Pergunta: Quais são as causas que poderiam me fazer
fracassar? Seria a insuficiência de minhas capacidades?
Resposta: Não; mas a missão dos reformadores está
cheia de escolhos e de perigos; a tua é rude, disso te
previno, porque é o mundo inteiro que se trata de agitar
e de transformar. Não creias que te baste publicar um
livro, dois livros, dez livros, e permaneceres
tranquilamente em tua casa; não, ser-te-á preciso
expor-te ao perigo; levantarás contra ti ódios
terríveis; inimigos obstinados conjurarão a tua perda;
estarás em luta contra a malevolência, a calúnia, a
traição mesmo daqueles que te parecerão os mais
devotados; tuas melhores instruções serão desconhecidas
e desnaturadas; mais de uma vez, sucumbirás sob o peso
da fadiga; em uma palavra, será uma luta quase constante
que terás que sustentar, e o sacrifício de teu repouso,
de tua tranquilidade, de tua saúde, e mesmo de tua vida,
porque sem isso viverias por muito mais tempo. Pois bem!
mais de um recua quando, em lugar de um caminho florido,
não encontra sob os seus passos senão espinheiros,
pedras agudas e serpentes. Para tal missão, a
inteligência não basta. É necessário primeiro, para
agradar a Deus, a humildade, a modéstia, o desinteresse,
porque ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os
ambiciosos. Para lutar contra os homens é necessário
coragem, perseverança, e uma firmeza inabalável; é
preciso também da prudência e do tato, para conduzir as
coisas a propósito, e não comprometer-lhe o sucesso por
medidas, ou por palavras intempestivas; é preciso,
enfim, do devotamento, da abnegação, e estar pronto para
todos os sacrifícios. Vês que a tua missão está
subordinada a coisas que dependem de ti. (Espírito
de Verdade)
O
professor: Espírito de Verdade, eu vos agradeço pelos
vossos sábios conselhos. Aceito tudo sem restrição e sem
dissimulação. Senhor! Se vos dignastes lançar os olhos
sobre mim para o cumprimento de vossos desígnios, que
seja feita a vossa vontade! A minha vida está em vossas
mãos, disponde do vosso servidor. Em presença de uma tão
grande tarefa, reconheço a minha fraqueza; minha boa
vontade não faltará, mas, talvez, as minhas forças me
trairão. Supri a minha insuficiência; dai-me as forças
físicas e morais que me forem necessárias. Sustentai-me
nos momentos difíceis, e com a vossa ajuda, e a de
vossos celestes mensageiros, esforçar-me-ei para
corresponder aos vossos objetivos.
O
que de fato aconteceu
No
dia 1º de janeiro de 1867, mais de dez anos após o
diálogo acima, Kardec escreveu a nota abaixo:
“Escrevi esta nota em 1º de janeiro de 1867, dez anos e
meio depois que esta comunicação me foi dada, e constato
que ela se realizou em todos os pontos, porque sofri
todas as vicissitudes que me foram anunciadas.
Fui
alvo do ódio de inimigos obstinados, da injúria, da
calúnia, da inveja e do ciúme; libelos infames foram
publicados contra mim; as minhas melhores instruções
foram desnaturadas; fui traído por aqueles em quem
coloquei a minha confiança, pago com a ingratidão por
aqueles a quem prestei serviço.
A
Sociedade de Paris foi um foco contínuo de intrigas
urdidas por aqueles mesmos que se diziam por mim, e que,
fazendo cara boa diante de mim, me dilaceravam por
detrás. Disseram que aqueles que tomavam o meu partido
eram assalariados por mim com o dinheiro que eu recolhia
do Espiritismo.
Não
mais conheci o repouso; mais de uma vez sucumbi sob o
excesso de trabalho, a minha saúde foi alterada e a
minha vida comprometida. No entanto, graças à proteção e
à assistência dos bons Espíritos que me deram, sem
cessar, provas manifestas de sua solicitude, estou feliz
em reconhecer que não senti, um só instante, o
desfalecimento nem o desencorajamento, e que
constantemente persegui a minha tarefa com o mesmo
ardor, sem me preocupar com a malevolência de que era
objeto.
Segundo a comunicação do Espírito de Verdade, deveria
esperar tudo isso, e tudo se verificou. Mas também, ao
lado dessas vicissitudes, que satisfação senti vendo a
obra crescer de modo tão prodigioso! Com quantas doces
consolações as minhas tribulações foram pagas! Quantas
bênçãos, quantos testemunhos de real simpatia, não
recebi da parte dos numerosos aflitos que a Doutrina
consolou!
Esse resultado não me fora anunciado pelo Espírito de
Verdade que, sem dúvida, desejou não me mostrar senão as
dificuldades do caminho. Quanto não seria, pois, a minha
ingratidão se eu me queixasse!
Se
dissesse que há uma compensação entre o bem e o mal, não
estaria com a verdade, porquanto o bem, entendo as
satisfações morais, superaram muito sobre o mal. Quando
me chegava uma decepção, uma contrariedade qualquer,
elevava-me, pelo pensamento, acima da Humanidade;
colocava-me, por antecipação, na região dos Espíritos e,
desse ponto culminante, de onde descobria o meu ponto de
atraso, as misérias da vida deslizavam sobre mim sem me
atingir. Fizera-me disso um tal hábito que os gritos dos
maus jamais me perturbaram.” (Allan Kardec)
(*)
Allan Kardec desencarnou em 31 de março de 1869. Sobre
seu retorno à pátria espiritual sugerimos ao leitor que
veja o texto intitulado “A desencarnação de Allan
Kardec” que publicamos na edição 49 desta revista. Para
acessá-lo, clique
aqui