A escola e a construção da consciência
As circunstâncias costumam colocar-nos frente a frente
com o nosso passado. E esse reencontro acidental acaba
trazendo à mente cenas que ficaram guardadas no espírito
por muito tempo.
Foi o que ocorreu comigo quando precisei passar em
frente do velho colégio onde me alfabetizei, tomei gosto
pelo estudo, pela leitura, convivi e aprendi durante
muitos anos.
Parei diante dos portões e a sensação foi intensa.
Gostaria de ter podido entrar para percorrer de novo o
mesmo chão por onde tantas vezes andei, subir as
escadarias de acesso às salas, circular pelo pátio,
embaixo das velhas árvores que ainda lá estão, frondosas
e muito altas.
Em rápidos momentos revi na memória o rosto de alguns
colegas da época, lembrei-me de vários professores,
inclusive pelos seus nomes: dona Glória, dona Davina,
dona Antonieta, senhor Nelson, senhor Sidney... Esses,
sim, verdadeiros heróis.
As recordações me levaram de volta àquele ambiente
severo e digno que, como menino, pressentia ser
importante. Não sei se as coisas ganhavam amplitude por
sermos crianças, o fato é que havia ali, além das
brincadeiras infantis naturalmente, um ar de
respeitabilidade e até de certa veneração.
Recordo-me de que obedecer não nos humilhava e cumprir
as regras parecia ser a continuação do que fazíamos em
casa. Acho que isso devia ajudar bastante o trabalho dos
professores e funcionários da escola, que assim podiam
desempenhar suas funções sem grandes contratempos.
Não era o paraíso, havia problemas, inevitáveis em vista
da concentração de crianças e adolescentes, mas tinha
também algo de sagrado que os meninos daquele
tempo não ousavam afrontar.
Hoje parece que as coisas estão um pouco mudadas.
Algumas décadas apenas se passaram, mas o suficiente
para esgarçar os valores que se cultuavam
respeitosamente, se não por convicção, ao menos por
educação social, e que precisam ser resgatados.
Além de antigos problemas estruturais ligados ao ensino,
que ainda resistem, há hoje as agravantes da violência,
da insegurança e da intolerância. Além do que, agentes
públicos desonestos sabotam a classe dos professores,
ignoram as necessidades dos estudantes, menosprezam
livros didáticos, tentam desconstruir os alicerces da
escola democrática. A falta de escola decente precariza
a educação.
Esses são reflexos dos vícios morais da sociedade, cuja
principal causa está no egoísmo generalizado (1).
Segundo Allan Kardec, “Cabe à educação combater as más
tendências e ela o fará de maneira eficiente quando se
basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem.
Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral
chegar-se-á a modificá-la, como se modificam a
inteligência pela instrução e as condições físicas pela
higiene” (2).
Quando os responsáveis pelos processos educativos
aplicarem, com conhecimento de causa, princípios morais
que regeneram pensamentos e atitudes, aí se verão
resultados positivos no campo das relações humanas, a
começar pela infância.
Quando os gestores públicos estiverem mais
familiarizados com as ideias relativas aos verdadeiros
objetivos da vida, assumirão o compromisso de investir
seriamente na educação. Deixarão de atrapalhar e
confundir o desenvolvimento educacional e cultural da
população, como muitos têm feito, dando a impressão de
que patrocinam projetos sinistros de manutenção da
ignorância.
Foi prazeroso para mim voltar no tempo e reencontrar a
escola que me ajudou a construir a consciência.
(1) Questão 917 de O Livro dos
Espíritos, de Allan Kardec, LAKE Editora.
(2) “Resumo teórico do móvel das ações
humanas”, em O Livro dos Espíritos, item 872,
LAKE Editora.
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