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por Rogério Coelho

 

Obsessão pacífica


O desânimo pode ser diagnosticado como uma obsessão pacífica


“(...) Cada dissabor que experimentes sem descoroçoamento, na estrada do bem, é um êxito no entesouramento de bênçãos íntimas.” 
Joanna de Ângelis[1]


O pessimista costuma dizer: “nada posso; tudo é contra mim; só vejo trevas; sou um caso perdido; moro no azar; sou sempre infeliz; a vida é uma carga insuportável”.

Em contraposição a estas argumentações do pessimista, ensina Emmanuel: “(...) na fieira de semelhantes condenações, não se lembra de que cada qual de nós tem o seu mundo particular e se induzimos o nosso próprio mundo ao fracasso, quem nos livrará do fracasso, se somos todos criaturas de Deus com a faculdade de criar os nossos próprios destinos?!

Consideremos isto, selecionando expressões e afirmações compatíveis com a nossa condição de Espíritos imortais, ante as leis do Universo... Uma frase estabelece determinada disposição; determinada disposição produz certa atividade específica; certa atividade específica gera circunstâncias e circunstâncias constroem a vida.

Não ignoramos as vossas dificuldades e lutas: intentais a realização maior, buscais a zona mais elevada das responsabilidades do dia que corre, todavia impedimentos de vária ordem se antepõem à vossa marcha. Não desencorajeis, porém, o coração, entregando-vos ao campo sombrio do desalento. Somos com o Cristo uma caravana de forasteiros e peregrinos que não se dissolverá. De quando em quando, a ventania das provas remissoras tentará o afastamento deste ou daquele componente do nosso grupo de fraternidade cristã, contudo o nosso guia maior é Jesus!

Em todos os lances da existência, procuremos palavras de esperança e fé, alegria e bênção, para usá-las a nosso benefício, vez que, ainda mesmo nos últimos degraus do sofrimento, dispomos nós todos, do amparo de Deus, do privilégio de renovar e da felicidade de servir”.

Profundo conhecedor dos percalços da caminhada evolutiva e da superlativa fraqueza humana, Jesus proclamou em várias oportunidades[2]“tende bom ânimo!...”

E para o caso de persistir o desânimo, ratificando a assertiva, obtemperou de maneira consoladora[3]“vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”.

Na verdade, uma vez descartadas as causas puramente fisiológicas, o desânimo pode ser diagnosticado como uma obsessão pacífica, induzido e dinamizado pelos agentes das trevas que insuflam – persistentemente – ideias que levam suas vítimas à autodepreciação. Tal atuação é facilitada pelos condicionamentos deletérios incrustados em nossa economia espiritual, corolários de nossas ancestrais defecções geradoras de remorsos, sentimento de culpa e quejandos, oferecendo o “plug” do encaixe malsão.

Os Espíritos inferiores “sopram” em nosso psiquismo, na acústica da alma, as ideias anestesiantes, conforme nos mostra Neio Lúcio no capítulo 29 do livro “Ideias e Ilustrações” da abençoada lavra mediúnica do Cândido Francisco Xavier: “(...) um valoroso servidor do Pai movimentava-se galhardamente em populosa cidade de pecadores, com tamanho devotamento à fé e à caridade, que os Espíritos do mal se impacientaram em contemplando tanta abnegação e desprendimento...

Depois de armarem os mais perigosos laços, sem resultado, conseguiram imobilizá-lo com um ardiloso plano: enviscaram-no de pensamentos de desvalia acerca de sua pretendida insignificância, desfechando-lhe perguntas mentais assim: como te atreves a admitir algum valor em tuas obras destinadas ao pó? Não te sentes simples joguete de paixões inferiores da carne?  Não te envergonhas da animalidade que trazes no ser? Que pode um grão de areia perdido no deserto? Não te reconheces na posição de obscuro fragmento de lama?...

O valoroso colaborador interrompeu as atividades que lhe diziam respeito e, depois de escutar longamente as perigosas insinuações, olvidou que a oliveira frondosa começa no grelo frágil, e quedou-se, desalentado, no leito do desânimo e da humilhação, para despertar somente na hora em que a morte lhe descortinava o infinito da vida”.

Estamos muitíssimo endividados com as Leis Divinas para nos embaraçarmos na rede do desânimo. Nossa onipresente labilidade pede compensação. Mas como podemos compensar nossa voluntária inutilidade? A resposta vem com o exemplo pessoal de Joseph Maître[4] em fase de reparação, que é a última etapa do ressarcimento de uma dívida: “(...) espero recomeçar brevemente por existência que me permita ser útil ao próximo, reparando por esse meio a inutilidade da minha anterior reencarnação”. Ser útil ao próximo, portanto, é uma forma de compensar a nossa inutilidade.

Um Espírito Amigo que se deu a conhecer pelo nome de Agostinho vincula a felicidade à oportunidade de servir ao próximo dizendo: “(...) na estrada da purificação em que nos regozijamos, o discípulo mais feliz é aquele que se sente defrontado pelas maiores oportunidades de servir à elevação dos outros, ainda mesmo com absoluto sacrifício de si próprio à maneira de lâmpada que se consome para iluminar”.

Isso está bem de acordo com as palavras[5] de Jesus quando foi abordado pela mãe dos filhos de Zebedeu, ao ripostar: “aquele que quiser entre vós fazer-se grande, seja vosso serviçal”.

Os Espíritos Superiores realçam bem as consequências do desânimo ao serem perguntados pelo Mestre Lionês[6]“donde nasce o desgosto da vida, que, sem motivos plausíveis, se apodera de certos indivíduos? “Efeito da ociosidade, da falta de fé e, também, da saciedade... Para aquele que usa de suas faculdades com fim útil e de acordo com as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente. Ele lhe suporta as vicissitudes com tanto mais paciência e resignação, quanto obra com o fito da felicidade mais sólida e mais durável que o espera”.

Nesse passo, atentemos nos ensinamentos de Joanna de Ângelis1: “o desfalecimento na luta traduz, não raro, a fraqueza nos propósitos abraçados. Quando essa ocorrência incide nos expressivos labores que objetivam os ideais de enobrecimento humano, com vistas à comunidade onde o trabalhador se acha inserido, a atitude de desânimo se faz mais grave pelas implicações de que se reveste: não apenas constitui fator dissolvente na coragem de todos como se revela debilidade de convicção.

Quem se dispõe ao ministério da iluminação própria, alargando possibilidades em relação ao próximo, deve estar consciente de que o seu empreendimento é sacrificial, e todo o esforço deve ser empregado sem as amplas aspirações de recompensa imediata, entendimento geral, aplauso público...

No serviço deve-se descobrir a emulação para o desiderato, conscientizando-se cada vez mais do quanto deve ainda fazer, ao constatar insucesso no serviço realizado. Momento a momento, ação a ação, esforço a esforço lograrás a meta, se prosseguires sempre, sem pressa, todavia sem desânimo, vez que toda dificuldade defrontada no desdobrar dos esforços torna-se um convite a mais eficiente reflexão para segura superação.

Aquele que desiste, vitimado pelo receio injustificado ou arrimado ao desânimo indesculpável, perde o excelente veículo da oportunidade que lhe propiciaria o triunfo sobre si mesmo, granjeando a felicidade pela farta sementeira do amor a assimilar-lhe o caminho vencido.

Portanto, aos sinais de cansaço, inquietação íntima, desânimo sorrateiro ou indiferença em plena atividade fraternal, resguarda-te na oração e cuida-te!! Inimigos embaraçosos que se exteriorizam de ti mesmo bloqueiam os centros de interesse, frenando os teus impulsos nobres, com iminente perigo de arrojar-te nas rampas da desdita e da loucura... Impõe-te vigilância e porfia.


 

[1] - FRANCO, Divaldo. Leis morais da vida. 3.ed. Salvador: LEAL, 1987, cap. 42.

[2] - BÍBLIA, N.T. Mateus. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1983, cap. 9, vers. 2     

[3] - O.P. C.I.T. Mt., 11:28.

[4] - KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 51.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 2ª parte – cap. VIII – Expiações terrestres

[5] - BÍBLIA, N.T. Mateus. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1983, cap. 20, vers. 27.              

[6] - KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, q. 943.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita