O encanto da liberdade
Uma das coisas que mais me encantam na Doutrina Espírita
é a liberdade que ela nos faculta. No mais amplo
sentido. Já pela segurança da sua fundamentação moral
baseada no amor, justiça e caridade, já pelas
atribuições intocáveis do livre-arbítrio de que todos
somos investidos. Não há proibições para o espírita,
mesmo porque se espera dele a atitude responsável de
quem compreende cada vez mais o seu papel na vida e na
sociedade.
É notória a transformação que ocorre em nós quando
entramos em contato com essa filosofia e passamos a
experimentar a liberdade de decidir, opinar, acatar,
discordar. Move-nos, desde o início, a vontade de
participar mais da vida, de somar, dividir com os
outros, multiplicar recursos com todo o mundo.
O envolvimento é muito forte e não conseguimos ficar de
braços cruzados. Lançamo-nos às tarefas, sofregamente.
Perguntamo-nos como não ter percebido tudo isso antes.
A empolgação é mais que natural, mas as coisas do
sentimento, da razão, da alma, levam tempo. A maturidade
do senso moral a que se referiu Allan Kardec é atingida
com o exercício da vida, das vidas. O progresso
individual do ser depende basicamente dele próprio,
embora possa estar sujeito a situações que lhe escapem
ao controle. Se temos livre-arbítrio, os outros também o
têm.
O certo é que há um momento em que as coisas acontecem.
Somos despertados para uma realidade ampla que altera
nossa visão em relação a todos os seres. Passamos a
olhá-los, se não com amor ainda, porém com o compromisso
de não fazê-los sofrer. E se possível fazê-los felizes.
Sem notar claramente, estamos exercitando
espiritualidade. Sorrimos mais, ouvimos com mais
complacência, usamos a palavra com mais sobriedade,
cuidamos melhor do pensamento. Devagar adentramos o tempo
da delicadeza, como disse o poeta (¹), quando
imperceptivelmente vamos nos desligando das rígidas
convenções humanas, passando a caminhar como irmãos,
amadurecendo as relações.
Há muitas portas em que se bater. Nós, os espíritas,
escolhemos a do Espiritismo. Vamos entrando,
deslumbrados com as novidades antigas. Queremos fazer
entrar conosco aqueles que amamos. Mas nem sempre
podemos entrar todos de uma vez por essa porta. O
Espiritismo é um estado de consciência introjetado em
nós pela experimentação na matéria em vidas sucessivas.
As lutas, a dor, o sofrimento, convertidos em
experiência, sedimentam-se em nosso espírito através dos
milênios. Nem todos conseguem, por enquanto,
identificar-se com a pauta do ensino espírita, que é
educativo e renovador.
O mergulho no universo do Espiritismo não nos põe,
entretanto, acima de nenhum dos irmãos que nos fazem
companhia. Nosso campo de ação é aqui, na Terra, por
muito tempo ainda. A alegria de vivenciar os ideais de
Allan Kardec e de conhecer de verdade o pensamento de
Jesus de Nazaré nos impõe grande responsabilidade no
círculo de atuação que nos compete. O conhecimento
bebido nessa extraordinária filosofia direciona com
exatidão os nossos compromissos e nos torna agentes de
importantes transformações, a começar por nós mesmos.
Portanto, precisamos muito do Espiritismo. Necessitamos
do seu padrão moral superior de educação, voltado ao
Espírito, todo ele modelado no ensino de Jesus.
Construímos nosso destino pela livre escolha, sempre.
Mesmo na opressão, na coação ou conjunturas
compulsórias, somos chamados a escolher, ou seja: agir,
reagir, pensar, falar, sob impulso de algum sentimento.
A escolha é o resultado da liberdade. O espírita é livre
pois suas escolhas são conscientes, baseadas no
conhecimento e na pura moral, que são elementos
essencialmente libertadores.
(¹) Todo o sentimento, música de
Cristóvão Bastos/Chico Buarque.
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