Qual o mundo em que quero viver?
Qual a forma com que me aproximarei de Deus?
Esta é uma pergunta muito comum feita pelos religiosos.
Torna-se o objetivo principal de suas vidas. Poderíamos
substituí-la por: Como chegarei ao Paraíso?
São perguntas ilusórias, que nos levam a olhar para o
futuro, tão ilusório como a pergunta.
Definimos a vida e tudo o que ela inclui, onde estamos
nós próprios, pelas ideias construídas na forma de
perceção do passado. Tudo o que olhamos é passado,
quando vivemos dessa forma, e o futuro que nos parece
novo é uma ideia com base no passado, logo tem que ser
idêntico ao passado, sem nada de novo.
Construímos o nosso ser e a nossa vida neste método e
depois construímos todas as preocupações em volta destas
imagens. Uma vida mental que acreditamos ser a vida que
vivemos.
A criação das imagens ou ideias acontece com tudo.
Quando encontramos alguém conhecido, logo temos uma
imagem desta pessoa, uma opinião, embora todos estejamos
de acordo em que as pessoas mudam diariamente. A pessoa
que sou hoje não é a que eu era há dez anos ou há um
ano, ou a pessoa de ontem.
Hoje, que pessoa é? A ideia de que somos este corpo faz
com que nós pensemos que as pessoas são sempre as
mesmas, mas a parte psíquica ou mental mostra que somos
uma evolução constante, para melhor ou pior.
Que pessoa é? Neste momento. Repare que tem de fazer a
mente funcionar e, através das ideias, caracterizá-la a
si próprio. Por quê? É um boneco de barro?
O passado se tornou mais importante que o presente e por
isso nós recorremos às ideias para vivermos. Temos uma
ideia sobre o trabalho, o marido ou a mulher, os filhos,
a casa, temos ideias sobre tudo e essas ideias
tornaram-se a nossa vida.
Criamos até ideias sobre as emoções e vivemos estas
através dessas ideias, as boas e as más. Amamos através
da ideia, por isso quando os outros fazem algo de que
não gostamos, passamos a amar menos, lembrando essa
situação, mas, quando os outros fazem algo que nos toca,
amamos mais, lembrando esse episódio.
Odiamos os outros pela ideia que temos deles e a
lembrança do que nos fizeram, que não deixa de ser uma
ideia. O mais grave é que esta forma de funcionamento
nos passa despercebida, então não percebemos que os
outros também funcionam com base em suas ideias,
construídas conforme as perceções destes. Raramente duas
pessoas vivem a mesma situação, por as vivermos através
das nossas perceções que são criadas com base nas ideias
que valorizamos e construímos, cada um da sua forma. Se
é casado/a fale com o seu cônjuge sobre o passado do seu
casamento e perceberá que parecem existir dois
casamentos.
Numa discussão, com os ânimos alterados, essas ideias
são muito mais fortes, fazendo com que rapidamente a
perceção de cada um tome o seu caminho, separando os
dois “lutadores” em “duas” discussões, em que, em suas
cabeças, acham-se cheios de razão. Cada um analisa a
discussão com base em suas ideias e perceções, como
poderiam não ter razão?
Somos completamente cegos a essa forma de funcionamento,
o que nos mantém presos a ela, sem qualquer deslumbre do
seu funcionamento.
“Perdoa-lhes Pai porque não sabem o que fazem.”
“Vós sois escravos.”
Perdoar é eliminar uma ideia, ver de novo essa pessoa.
O mundo das ideias é o caminho para o agrado de Mamon, o
mundo que nos leva a sermos egoístas, orgulhosos, a
sentirmos raiva e todas essas emoções mesquinhas
construídas por nós.
Quando lhe pergunto quem é? Recorre aos adjetivos para
se personalizar e essa personalização é de onde nascem
as ações, a isto chamamos carácter. Este carácter leva
em consideração tudo o que tem, não só os bens
materiais, mas em especial as pessoas à volta. Foi
construído com as suas escolhas após perceções do que
aconteceu em cada segundo de sua vida. Claro que sofreu
influência da moral que foi construída ao longo de
milhares de anos, como na próxima vida terá influências
da que continua a construir.
Sempre ouvimos dizer que o caminho é o abandono das más
tendências, o que parece certíssimo senão nem o planeta
sobrevive, forma de falar pela destruição que causamos.
Tem de acontecer uma mudança em nós, nossa evolução
tecnológica trouxe-nos uma sabedoria muito grande com
que construímos coisas impressionantes, mas nossa moral
leva-nos a construir “brinquedos” altamente
destruidores.
Quando pergunto quem é? Não recorra ao pensamento e
permaneça em silêncio para obter essa resposta; o
caminho das ideias já conhece, tem sido a sua vida, o do
silêncio é aquele em que Deus em silêncio escuta e dá-se
a aproximação de Deus.
A luta que acontece na humanidade, para a passagem ao
próximo nível, é o abandono de si própria.
Esta frase pode parecer assustadora, mas não é. Se
disser que é abandonar as más tendências, vai dar ao
mesmo. Estamos a abandonar o personagem que criamos e
vive nas ideias através do pensamento, para conhecer o
filho de Deus.
O primeiro tem sido a névoa mental que nos tem iludido e
que não nos deixa olhar mais para dentro. Ao
desconfiarmos deste e negarmo-nos a viver dirigidos por
este, fazemos um esforço para viver no presente, sem
ideias a fabricarem a vida, e a névoa começa a
dissipar-se, aproximando-nos do reino de Deus.
Sei que é tão difícil que normalmente as ideias não
param mais de 10 segundos, mas este é o jogo.
“Não podeis agradar a dois Senhores.”
O silêncio parece-nos nada, mas com o cultivo deste
percebemos que as más tendências nascem das opiniões, ou
seja, ideias, baseadas em outras ideias, um castelo de
ideias e perceções, e a paz e a felicidade nascem na
inexistência destas ideias. A grande dificuldade é a
tentação de todas estas ideias que nos tornam
“importantes”.
Bruno Abreu reside na cidade de Lubango, Angola.
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