Olvida a própria dor
Se ao redor do teu passo
A mágoa tumultua,
Não te esqueças que, além do teu cansaço,
Há sempre muita dor maior que a tua.
Quando triste, chorares,
Com teu sonho tocado de aflição,
Recorda as amarguras e os pesares
De quem sofre sem pão.
Se perdeste na morte um ser amado
E a saudade infinita te reclama,
Lembra aquele que vive soterrado
Em sepulcros de lama.
Se enfrentas o destino agro e sombrio,
Foge à noite em que o mundo se subleva,
E recorda quem vai com fome e frio
Ao encontro da treva.
Trabalha e ajuda, embora descontente…
Além do pranto que te beija os olhos,
Correm sangue e suor de muita gente
Entre pedras e abrolhos!
Olvida a própria dor, por mais austera,
No serviço cristão,
E encontrarás na cruz que te lacera
O caminho da própria redenção.
Carmen Cinira
(1902-1933), pseudônimo de Cinira do Carmo Bordini
Cardoso, natural do Rio de Janeiro, onde faleceu, foi
poetisa e autora de vários livros.
Do livro Relicário
de luz,
obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.