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por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

Reencarnação de arrumação


Aderaldo era feitor de escravos nos idos de 1820. Impiedoso, esse negro forro castigava seus irmãos com a dureza do chicote e a crueldade da tortura. Disciplinador, usava e abusava da aproximação do poder, perseguindo seus desafetos e tomando para si as mulheres que desejava. O pequeno poder transbordava desse espírito encarnado, até o momento que a desencarnação o traz de volta a realidade, como faz com todos nós.

Passado um longo tempo na espiritualidade, aprisionado nos fantasmas de sua mente, tenta uma encarnação na Europa em família judia antes da eclosão da segunda grande guerra, mas a encarnação fracassa pela força do medo. Mais preparo, mais aprendizado, e se busca de novo o resgate frente a tudo de destrutivo que a sua trajetória deixou de herança nos outros e na sua consciência.

A magia da reencarnação o conduz a nascer no Brasil, no Rio de Janeiro, nos idos dos anos 1950, em família de classe média, vindo a desencarnar como adulto jovem de forma dolorosa pelas mãos da repressão, entrando na lista de desaparecidos, sofrendo as consequências da lei que rege a vida, nas ações e reações, que devem se reverter em mais amor, e não em mais sofrimento.

Passada a provação, os amigos espirituais indicam a Aderaldo que o espera agora uma reencarnação de arrumação. Depois da inflexão de uma encarnação de muitas complicações e de uma de resgate, é preciso uma passagem que com alguma normalidade, permita a retomada na trajetória espiritual, digamos assim, por vias mais normais.

Nasce assim no final da década de 1970, em uma família simples, e tem seu emprego, casa-se e constitui família, e nessa nova jornada reencontra vários personagens que cruzaram sua trajetória agora como parentes próximos. Algozes e vítimas o cercam, na busca de reconstruir relações na rede de atores que se forma. E numa vida considerada normal, com as dificuldades naturais da vida encarnada, vai se arrumando, se ajeitando para a jornada da evolução.

Essa historinha fictícia, e que dialoga com as discussões da doutrina espírita, ilustra uma ideia de pulsos no processo evolutivo, que não necessariamente segue uma linearidade, e que visa, no aperfeiçoamento do espírito, lidar com situações nas quais nos vemos muito afundados nas nossas próprias imperfeições, e precisamos de uma retomada nesse processo, as vezes mais diretiva, mas que precisa depois de uma retomada com um certo grau de normalidade, digamos assim.

Essa reflexão nos induz a questão de que a lei é de amor, e que somos espíritos, complexos, e que o processo de evolução tem igual complexidade, e que por vezes tentamos pasteurizar essas trajetórias, buscando anjos ou demônios, sem perceber as nuanças da beleza que é o progresso espiritual.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita