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por Jorge Gomes

 

Sócrates, Platão e o Espiritismo: conceitos éticos universais

(2.ª parte)


Entre a filosofia socrática, o evangelho e a doutrina espírita há uma identidade de conceitos universais e imutáveis. É compreensível que seja assim.

O amor tão incondicional quanto possível que estamos a aprender a exemplificar exprime, mesmo sem sabermos, uma lei da natureza. Podemos ignorá-la, mas ela nunca deixará de funcionar. Contrariá-la traz efeitos que hão de sugerir perguntas, respostas experimentais e melhorias inevitáveis, numa linha de tempo mais extensa do que os calendários humanos.

Estamos habituados a pensar numa moral social. O que dissemos antes refere-se a uma moral cósmica.

Enquanto a moral social é mutável, falível, por vezes até cruel, dependendo do tempo da história e da geografia local, a moral cósmica é elevada e imutável, já que assenta em leis da natureza, não em preceitos humanos.

A evolução antropológica das comunidades humanas ao longo de muitos milhares de anos pode ser simplificada em três fases.

Na primeira vemos os grupos humanos a elaborar interpretações mágicas da vida, em busca de privilégios cedidos por deuses. Uma catástrofe exprime a vontade dessas divindades como castigo em resposta ao que fizeram ou deixaram de fazer. Rituais e sacrifícios contextualizam estas crenças.

Numa segunda fase vemos emergir do pensamento mágico as religiões. De início politeístas, depois monoteístas. Incluem ainda elementos da fase anterior, como os rituais, pois “a natureza não dá saltos”. É mais fácil parecer ou representar do que ser.

Por sua vez, o Espiritismo vem propor uma fase nova, que já Jesus de Nazaré, incompreendido, tinha apresentado: a Era do Espírito. Aqui não há representações, hierarquias excepto as da autoridade moral, assentes no exemplo quotidiano sem máscaras.

É curioso notar que se considerarmos no chamado mundo ocidental a passagem de Sócrates como uma revelação, a de Jesus de Nazaré a mais significativa, e a de Allan Kardec uma terceira, verificamos que há um movimento de retração no contacto entre as ideias originais e as memorizadas pelos supostos seguidores. O gráfico ilustra esse facto, entendendo-se aqui por catalisador o revelador:

Platão, cerca de 400 anos antes de Cristo, foi discípulo brilhante de Sócrates, mas não era o mestre. Aristóteles foi discípulo de Platão, mas estava claramente mais longe de Sócrates.

Jesus de Nazaré terá tido 12 discípulos e depois o notável Paulo de Tarso, uns mais perto das ideias do mestre do que outros. Vemos a antítese que a história mostrou com os crimes das Cruzadas e da Inquisição.

Sobre o movimento espírita, o que valeria a pena dizer? Não seria difícil.

O que se torna evidente é que essa retração – ou recuo de ideias elevadas entretanto expostas – nas revelações é uma constante da história. Era de esperar. Como poderiam seres espirituais tão atrasados lidar com ideias tão à sua frente, em termos evolutivos, sem misturar as suas evidentes imperfeições para conseguir lidar com elas, para não as perder completamente de vista?

É um mal menor.

O registo histórico e as consciências atribuladas que se desdobram no Plano Espiritual não desenham um quadro formoso, mas conforta saber que as margens de melhoramento estão iminentes no curso evolutivo.

É confortador saber que, numa visão mais ampla, a evolução espiritual de cada um tende a ser um movimento acelerado. Quanto mais se aprende mais depressa se evolui, mas isso não acontece da mesma maneira em toda a Terra. Há muitas culturas, muitas vontades individuais e coletivas que param ou avançam mediante a aplicação do livre-arbítrio, essa ferramenta recente que alça o Espírito a novos patamares de responsabilidade e autonomia evolutiva.

À luz do calendário humano isso dá-se de maneira muito, mas muito lenta mesmo. Na escala da evolução espiritual – falamos de milhões de anos – é vista de forma normal e não propriamente vagarosa.

Estas ponderações articulam-se com os chamados mundos primitivos, de provas e expiações, de regeneração.

Essa evolução é muito mais lenta à nossa vista do que gostamos de pensar. E, veja bem, não ocorrerá de forma uniforme em toda a Terra. Será um pouco como ocorreu com a Idade da Pedra, a Idade do Cobre, a Idade do Ferro, etc. Houve núcleos populacionais que já estavam além da Idade do Ferro e ao mesmo tempo, noutras geografias da Terra, ainda havia quem estivesse em plena Idade da Pedra.

O mesmo para as cidades. De uma forma simplificada, numa cidade como aquela em que vivo, de dimensão geograficamente pequena, vejo comunidades a viver num horizonte de mundo primitivo, somando-se-lhe uma maioria em horizonte de provas e expiações, e ainda uma expressiva minoria a viver num horizonte de regeneração. Não é de prever mudanças em breve.

A lei de progresso (espiritual) que se encontra explicada em “O Livro dos Espíritos” (OLE), de Allan Kardec, funciona por dentro do ser, não através de cenários e palcos evolutivos. Isso quer dizer que globalmente não será para breve, mas individualmente, como sempre, dependerá da aplicação do livre-arbítrio e da maturidade interior que permita uma melhor orientação do mesmo.

Gravada na consciência do ser espiritual, essas leis naturais que regem a natureza humana nunca serão desligadas do seu percurso e estarão sempre articuladas com circuitos de causa e efeito.

A lei natural é a lei de Deus. É a única verdadeira para a felicidade do homem. Indica-lhe o que deve fazer ou deixar de fazer, e ele só é infeliz quando dela se afasta”, OLE, questão 614. E na questão 617 do mesmo livro, lê-se também: “Todas as leis da natureza são leis divinas, pois Deus é o autor de tudo. O cientista estuda as leis da matéria, o homem de bem estuda e pratica as da alma.”

Independentemente de quaisquer classificações fica claro que ninguém evolui por fora, na periferia, mas sempre por dentro do seu próprio ser. Essa é a parte indispensável e que só depende do próprio. Por isso Allan Kardec destacou: “Fora da caridade…” (sentimento vivido no imo do ser) “… não há salvação”. Ora bem, não será isso uma óptima notícia?

 

Jorge Gomes reside na cidade do Porto, Portugal.


 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita