Sócrates, Platão e o Espiritismo:
conceitos éticos universais
(2.ª
parte)
Entre a filosofia socrática, o evangelho e a doutrina
espírita há uma identidade de conceitos universais e
imutáveis. É compreensível que seja assim.
O
amor tão incondicional quanto possível que estamos a
aprender a exemplificar exprime, mesmo sem sabermos, uma
lei da natureza. Podemos ignorá-la, mas ela nunca
deixará de funcionar. Contrariá-la traz efeitos que hão
de sugerir perguntas, respostas experimentais e
melhorias inevitáveis, numa linha de tempo mais extensa
do que os calendários humanos.
Estamos habituados a pensar numa moral social. O que
dissemos antes refere-se a uma moral cósmica.
Enquanto a moral social é mutável, falível, por vezes
até cruel, dependendo do tempo da história e da
geografia local, a moral cósmica é elevada e imutável,
já que assenta em leis da natureza, não em preceitos
humanos.
A
evolução antropológica das comunidades humanas ao longo
de muitos milhares de anos pode ser simplificada em três
fases.
Na
primeira vemos os grupos humanos a elaborar
interpretações mágicas da vida, em busca de privilégios
cedidos por deuses. Uma catástrofe exprime a vontade
dessas divindades como castigo em resposta ao que
fizeram ou deixaram de fazer. Rituais e sacrifícios
contextualizam estas crenças.
Numa segunda fase vemos emergir do pensamento mágico as
religiões. De início politeístas, depois monoteístas.
Incluem ainda elementos da fase anterior, como os
rituais, pois “a natureza não dá saltos”. É mais fácil
parecer ou representar do que ser.
Por
sua vez, o Espiritismo vem propor uma fase nova, que já
Jesus de Nazaré, incompreendido, tinha apresentado: a
Era do Espírito. Aqui não há representações, hierarquias
excepto as da autoridade moral, assentes no exemplo
quotidiano sem máscaras.
É
curioso notar que se considerarmos no chamado mundo
ocidental a passagem de Sócrates como uma revelação, a
de Jesus de Nazaré a mais significativa, e a de Allan
Kardec uma terceira, verificamos que há um movimento de
retração no contacto entre as ideias originais e as
memorizadas pelos supostos seguidores. O gráfico ilustra
esse facto, entendendo-se aqui por catalisador o
revelador:
Platão, cerca de 400 anos antes de Cristo, foi discípulo
brilhante de Sócrates, mas não era o mestre. Aristóteles
foi discípulo de Platão, mas estava claramente mais
longe de Sócrates.
Jesus de Nazaré terá tido 12 discípulos e depois o
notável Paulo de Tarso, uns mais perto das ideias do
mestre do que outros. Vemos a antítese que a história
mostrou com os crimes das Cruzadas e da Inquisição.
Sobre o movimento espírita, o que valeria a pena dizer?
Não seria difícil.
O
que se torna evidente é que essa retração – ou recuo de
ideias elevadas entretanto expostas – nas revelações é
uma constante da história. Era de esperar. Como poderiam
seres espirituais tão atrasados lidar com ideias tão à
sua frente, em termos evolutivos, sem misturar as suas
evidentes imperfeições para conseguir lidar com elas,
para não as perder completamente de vista?
É
um mal menor.
O
registo histórico e as consciências atribuladas que se
desdobram no Plano Espiritual não desenham um quadro
formoso, mas conforta saber que as margens de
melhoramento estão iminentes no curso evolutivo.
É
confortador saber que, numa visão mais ampla, a evolução
espiritual de cada um tende a ser um movimento
acelerado. Quanto mais se aprende mais depressa se
evolui, mas isso não acontece da mesma maneira em toda a
Terra. Há muitas culturas, muitas vontades individuais e
coletivas que param ou avançam mediante a aplicação do
livre-arbítrio, essa ferramenta recente que alça o
Espírito a novos patamares de responsabilidade e
autonomia evolutiva.
À
luz do calendário humano isso dá-se de maneira muito,
mas muito lenta mesmo. Na escala da evolução espiritual
– falamos de milhões de anos – é vista de forma normal e
não propriamente vagarosa.
Estas ponderações articulam-se com os chamados mundos
primitivos, de provas e expiações, de regeneração.
Essa evolução é muito mais lenta à nossa vista do que
gostamos de pensar. E, veja bem, não ocorrerá de forma
uniforme em toda a Terra. Será um pouco como ocorreu com
a Idade da Pedra, a Idade do Cobre, a Idade do Ferro,
etc. Houve núcleos populacionais que já estavam além da
Idade do Ferro e ao mesmo tempo, noutras geografias da
Terra, ainda havia quem estivesse em plena Idade da
Pedra.
O
mesmo para as cidades. De uma forma simplificada, numa
cidade como aquela em que vivo, de dimensão
geograficamente pequena, vejo comunidades a viver num
horizonte de mundo primitivo, somando-se-lhe uma maioria
em horizonte de provas e expiações, e ainda uma
expressiva minoria a viver num horizonte de regeneração.
Não é de prever mudanças em breve.
A
lei de progresso (espiritual) que se encontra explicada
em “O Livro dos Espíritos” (OLE), de Allan Kardec,
funciona por dentro do ser, não através de cenários e
palcos evolutivos. Isso quer dizer que globalmente não
será para breve, mas individualmente, como sempre,
dependerá da aplicação do livre-arbítrio e da maturidade
interior que permita uma melhor orientação do mesmo.
Gravada na consciência do ser espiritual, essas leis
naturais que regem a natureza humana nunca serão
desligadas do seu percurso e estarão sempre articuladas
com circuitos de causa e efeito.
“A
lei natural é a lei de Deus. É a única verdadeira para a
felicidade do homem. Indica-lhe o que deve fazer ou
deixar de fazer, e ele só é infeliz quando dela se
afasta”, OLE, questão 614. E na questão 617 do mesmo
livro, lê-se também: “Todas as leis da natureza são
leis divinas, pois Deus é o autor de tudo. O cientista
estuda as leis da matéria, o homem de bem estuda e
pratica as da alma.”
Independentemente de quaisquer classificações fica claro
que ninguém evolui por fora, na periferia, mas sempre
por dentro do seu próprio ser. Essa é a parte
indispensável e que só depende do próprio. Por isso
Allan Kardec destacou: “Fora da caridade…” (sentimento
vivido no imo do ser) “… não há salvação”. Ora bem, não
será isso uma óptima notícia?
Jorge Gomes reside na cidade do Porto,
Portugal.
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