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por Roque Roberto Pires de Carvalho

 

Rui Barbosa redivivo


No próximo dia 1º de março de 2024 se completam 101 anos do falecimento de Rui Barbosa de Oliveira (5/11/1849-1/3/1923), tradutor da obra O Papa e o Concílio.

Por que redivivo?

Razões para isso não faltam, vejamos:

O notável jurista, advogado, político, jornalista, diplomata, filólogo, tradutor e orador foi um dos intelectuais mais conhecidos do seu tempo, hoje pouco lembrado. Nascido na cidade de Salvador-BA em 5 de novembro de 1849, notabilizou-se, ainda muito jovem, como coautor da primeira Constituição Republicana em 1891.

Antes de formar-se em Direito pela Universidade de São Paulo em 1869, Rui Barbosa dedicou-se por aproximadamente um ano ao estudo da língua alemã e seu aprendizado, com absoluta certeza, foi por demais precioso, provado e comprovado, quando temos em mãos a magnífica obra por ele traduzida no alvor de seus 28 anos.

Em abril de 1877, a notoriedade de Rui começou justamente com a publicação no vernáculo da obra O Papa e o Concílio, dividida em dois volumes, sendo o primeiro uma introdução-prefácio mais volumosa que o próprio texto de Janus, e que acabou constituindo-se num libelo contra a situação do País ante e chamada Questão Religiosa.

Quanto à monumental obra da lavra de Johann Joseph Von Döllinger (1799-1890), teólogo e historiador católico alemão, com pseudônimo de Janus, traduzido para a língua portuguesa por Rui Barbosa, os revisores da versão publicada pela Editora Leopoldo Machado, Arthur Bernardes de Oliveira e Astolfo Olegário de Oliveira Filho, registraram, à guisa de “Advertência”, que Janus “notabilizou-se por contribuir para que Pio IX não levasse adiante seu propósito de dogmatização da infalibilidade papal”.

Não obstante, ela revelou-se inócua, porque o fato acabou se materializando por decisão do Concilio Vaticano I. Os revisores citados assim lembraram: “Mesmo sob reclamos dos opositores, a fórmula adotada pelo Concilio Vaticano I foi sancionada por Pio IX, finalizando que as decisões do Pontífice Romano, por si mesmas, e não por consenso da Igreja, são irreformáveis”. O fato se deu em 18 de julho de 1870.

Como era de esperar, Döllinger, crítico do absolutismo papal, foi excomungado no ano seguinte (1871) aos 72 anos de idade, mas a história lhe daria inteira razão e até hoje é discutida essa tese, o que pode ser comprovado com a preocupação de João Paulo II ao convocar o Sínodo (Assembleia) de 2001, reconhecendo ser preciso dizer alto e bom som o que poucos tiveram, como Janus, coragem de tornar público àquela época.

Com essa convocação, João Paulo II colocou como pauta de discussão “a autoridade papal no âmbito da própria igreja e ante outros líderes religiosos partidários do Cristianismo”. O tema pouco conhecido e até mesmo ignorado continua atualíssimo. O papa João Paulo II, antes da abertura do conclave, admitiu que a primazia papal tem sido empecilho significativo em sua tentativa de aprimorar as relações com as outras igrejas cristãs, principalmente com os ortodoxos, que se apartaram dos católicos desde o cisma de 1054.

A Reforma Ultramontana, liderada por Pio IX, e a Questão Religiosa no Brasil, iniciada em 1844 na cidade de Mariana, estado de Minas Gerais vigorante até 1875, termo surgido na França, classificava pensamentos cuja tendência era defender a centralização do poder papal e sua infalibilidade. O idealizador dessa Reforma no Brasil foi Dom Antônio Vicente Ferreira Viçoso (1787-1875), um dos bispos mais polêmicos da História do Império, que tentou implantar uma reforma na Arquidiocese, com sua ideia acompanhada por mais uma dezena de bispos, com o objetivo comum construir uma Igreja Católica forte institucionalmente, baseada nos preceitos tridentinos, (Concílio de Trento), livre de influência do Estado. Aliás, Dom Viçoso implantou a Reforma em termos tridentinos no Seminário de Mariana.

Por ter criticado a infalibilidade do papa decretada pelo “Syllabus” de Pio IX, Rui Barbosa contestou, evocando episódios históricos valendo-se de farta bibliografia. A audácia custou-lhe caro; foi acusado de herege e adversário da igreja, porém tudo suportou em nome da liberdade.

A separação entre Igreja e o Estado, consagrando a liberdade de cultos, aconteceu fruto de hábil negociação entre o nosso retratado, então Ministro da Fazenda, e pelo lado católico Dom Antônio Macedo Costa (1830-1891) com o esboço e depois lavratura do Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890, posteriormente incluído na primeira Constituição Republicana de 1891 em seu art. 11, § 2º.

Encerrando este texto, fazemos breve comentário sobre o autor da obra O Papa e o Concílio. Johann Joseph Ignaz von Döllinger, teólogo e historiador alemão, foi em seu tempo uma das autoridades em assuntos eclesiásticos no século XIX. Católico romano e antiprotestante que por quase 50 anos, lecionou em universidades alemãs. Rompeu com Roma, devido ao dogma da Infalibilidade Papal e foi excomungado depois de não reconhecer as pretensões papistas e sua validade histórica. Refutou todas as alegações do Concílio reunido para proclamar a heresia e publicou o livro objeto deste texto. O autor utilizou-se de um pseudônimo - “Janus” - pois temia ser perseguido. Não adiantou, pois foi excomungado aos 72 anos...

No livro, ele expõe claramente e não deixa dúvidas sobre sua contrariedade, registrando inúmeros argumentos, ante a fórmula adotada pelo Concílio Vaticano I e sancionada por Pio IX, mas, em especial, chama a atenção do leitor quando ele trata do “Syllabus” de 1864, a teologia neoescolástica, de dogmatização da infalibilidade papal, assuntos que compõem o tema central do seu livro.  

À guisa também de esclarecimentos, “Syllabus” guarda semelhanças com as nossas Súmulas dos Tribunais nas quais as Decisões do Colegiado se tornam obrigatórias de serem seguidas até que uma outra, eventual, as venha substituir.


Fontes
:

1. DÖLLINGER, Johann Joseph Ignaz von, O Papa e o Concílio, 1ª edição/2002, Editora Leopoldo Machado, Londrina-PR, 2 volumes; tradução de Rui Barbosa em 20 de abril de 1877;

2. Wikipédia, a enciclopédia livre;

3. Conselho Federal da OAB/Brasil e

4. Senado Federal/Notícias.


    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita