Ainda
caminhamos sem bússola
moral
Por motivos muito justos
nos queixamos com
frequência do baixo
padrão moral dos nossos
políticos, assim como da
maioria dos nossos
governantes. Com efeito,
os exemplos que vêm de
cima não são nada
edificantes, revelando,
quase sempre, uma
conduta eticamente
condenável. Quase
diariamente somos
informados de
privilégios absurdos
desfrutados ou
engendrados pelas nossas
eminências, executivos
de estatais,
funcionários públicos
(inclusive de membros de
várias instâncias da
justiça) e assim por
diante.
O corporativismo no
Brasil não mede esforços
para se dar bem e
continuar gozando de
prerrogativas
imagináveis para o
cidadão comum. O teor
criativo empregado para
burlar as diretrizes da
Constituição do país –
que claramente
estabelece que o máximo
a ser recebido por
membros do funcionalismo
não deve ultrapassar o
salário do Presidente da
República – e
acrescentar
penduricalhos e outra
benesses ao próprio
bolso é de causar
espanto.
Uma importante rádio do
meu estado (São Paulo)
recentemente noticiou
que o sindicato dos
desembargadores estava
elaborando ações com
vistas a elevar
significativamente os
proventos da categoria,
bem como aumentar as
férias obrigatória para
três meses por ano
(estou aqui reproduzindo
apenas o que eu ouvi).
Ou seja, benefícios que
o cidadão mediano nem
sonha em obter. Não é
por acaso que muitos
analistas, aliás,
advogam a tese de que
mais importante do que
realizar uma reforma
tributária, seria
realizar a reforma do
Estado, enxugando o
gasto público
(fortemente comprometido
com o pagamento de
salários e benefícios).
Seja como for, não se
pode afirmar que há
absoluta lisura ou ética
no trato de tais
questões. Na verdade,
nossa sociedade padece
da virtude do
desprendimento. Desse
modo, prevalece o dito
popular: “Quem pode mais
chora menos”. Obviamente
justiça, comedimento e
bom senso são coisas que
menos importam nesse
contexto.
Retomo esse assunto para
destacar que, se nos
altos escalões da
República o fator ético
é menosprezado, é porque
na base ele também
continua não funcionando
a contento. Darei dois
exemplos para ilustrar o
meu raciocínio. Há
poucos dias levei um
tênis para ser
consertado. Basicamente
o serviço constituía em
troca de sola e algum
retoque no coro do bico
(tintura). Quando
solicitei o orçamento, o
atendente me deu um
preço exagerado.
Obviamente protestei com
veemência. Disse-lhe que
naquele valor, melhor
seria comprar um novo. O
rapaz usou todo o seu
repertório de supostos
argumentos para
justificar o preço do
serviço: valor da cola,
custo da lavagem do
tênis, preço da mão de
obra etc. Mas, de minha
parte, fiquei
irredutível e lhe disse
que não me convencia. A
partir daí ficamos
negociando – blefei
várias vezes, devo
admitir - até que
cheguei ao valor que me
parecia razoável diante
das circunstâncias
(cerca de 32% de
desconto). O fato é que
se eu não tivesse
“chorado”, eu pagaria um
preço muito acima do
aceitável. Em termos
mais precisos: teria
sido vergonhosamente
roubado. A questão a ser
respondida é: quantas
pessoas não são nesses
tempos de extrema
avareza e má-fé que
regem as coisas em nossa
sociedade moralmente
doente?
O outro caso foi
retratado através de uma
pesquisa (enquete)
realizada por uma
emissora de TV de
importante cidade
turística também do meu
estado. A questão
levantada pelo repórter
foi a seguinte: se você
constatasse um depósito
(indevido) de valor
elevado em sua conta
bancária, o que faria?
Perguntado a pessoas de
vários extratos sociais
e gêneros, apenas uma
declarou que iria ao
banco regularizar o
assunto - conforme os
cânones da ética – para
que a importância
retornasse ao seu dono.
A maioria declarou que
utilizaria o dinheiro
ilícito de várias
formas, sem qualquer
preocupação com o
infeliz depositário. Ou
seja, reclamamos das
escorregadas das nossas
elites, mas, na prática,
não nos sentimos
impelidos a fazer o
oposto quando a
oportunidade surge. Em
outras palavras, erramos
tanto quanto os que
criticamos. Desse modo,
o país continua
demonstrando enormes
contradições no plano
ético-moral, que,
infelizmente, mostram
abarcar toda a
sociedade.
O Espiritismo nos ensina
que agir com ética é,
antes de mais nada, uma
autêntica obrigação que
nos compete adotar em
todas as circunstâncias
e ocasiões. Não é
possível, portanto, um
alinhamento com algo
superior, quando o nosso
arcabouço moral não é
sólido. E muitos dos
problemas que ora nos
afligem como nação
decorrem dessa
elasticidade
interpretativa e
permissiva na qual a
autodesculpa tem papel
preponderante. Como
acertadamente pondera o
Espírito Emmanuel, “O
problema do cristão,
todavia, não é apenas
suspirar pelo Senhor. É
permanecer com Ele,
assimilando-lhe a
palavra e seguindo-lhe o
exemplo”. Ou seja, “Não
apenas crença, mas
comunhão”.
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