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por Rogério Coelho

 

Nuvens e véus


Somos herdeiros de nós mesmos, portanto artífices do próprio destino


“A cada dia basta o seu cuidado.” 
Jesus. (Mt., 6:34)  


O esquecimento do passado bem como a incógnita do futuro são de molde a fazer convergir para o presente toda a nossa atenção... A hora presente é, ao mesmo tempo, a colheita do pretérito e a sementeira do futuro.  Daí a precisão do asserto messiânico contido no versículo supramencionado, nos registros de Mateus.

Segundo explica um Benfeitor Espiritual[1], “(...) o gênio é a radiação das conquistas anteriores. Essa “radiação” é o estado do Espírito no desprendimento ou nas encarnações superiores.

 Há duas distinções a fazer: o gênio mais comum entre nós é simplesmente o estado de um Espírito, do qual uma ou duas faculdades ficaram descobertas e em condição de agir livremente, visto que recebeu um corpo que permite sua expansão na plenitude adquirida.   Daí a explicação do fato de existirem crianças que se sobressaem prematuramente nas diversas áreas das atividades humanas: artes, ciências, etc...

A outra espécie de gênio é o Espírito que vem dos mundos adiantados e felizes onde a aquisição é universal sobre os pontos de todo o conhecimento; aonde todas as faculdades da Alma chegaram a um grau eminente, desconhecido na Terra. Essas espécies de gênio se distinguem dos primeiros por uma excepcional aptidão para todos os talentos, para todos os estudos... Concebem todas as coisas por uma intuição segura e que confunde a ciência ensinada pelos sábios. Sobressaem em bondade, em grandeza d`alma, em verdadeira nobreza, em obras excelentes...

Tais foram entre nós os homens que, em diversas épocas fizeram avançar a humanidade, os sábios que ampliaram os limites dos conhecimentos e dissiparam as trevas da ignorância.  Viram e pressentiram o destino terrestre, por mais longe que estivessem da realização desse destino. Todos lançaram os fundamentos de alguma ciência ou foram o seu ponto culminante”.

Nós somos os herdeiros de nós mesmos e, consequentemente, os artífices do próprio destino, portanto o criminoso o é por seus antecedentes; o homem de mérito, o homem de gênio, são superiores pela mesma causa.

Afirma o Mestre Lionês[2]: “(...) ao nascer, traz o homem consigo o que adquiriu; nasce qual se fez; em cada existência tem um novo ponto de partida.

Pouco lhe importa saber o que foi antes: se se vê punido, é que praticou o mal. Suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si próprio e é nisso que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se haja corrigido completamente nenhum traço mais conservará. As boas resoluções que tomou são as vozes da consciência, advertindo-o do que é bem e do que é mal e dando-lhe forças para resistir às tentações... Aliás, o esquecimento ocorre apenas durante a vida corpórea. Volvendo à vida espiritual, readquire o Espírito a lembrança do passado. Nada mais há, portanto, do que uma interrupção temporária, semelhante à que se dá na vida terrestre durante o sono, a qual não obsta a que, no dia seguinte, nos recordemos do que tenhamos feito na véspera e nos dias precedentes.

E não é somente após a morte que o Espírito recobra a lembrança do passado. Pode dizer-se que jamais a perde, pois que, como a experiência o demonstra, mesmo encarnado, adormecido o corpo, ocasião em que goza de certa liberdade, o Espírito tem consciência de seus atos anteriores; sabe porque sofre e que sofre com justiça. A lembrança unicamente se apaga no curso da vida exterior, da vida de relação. Mas, na falta de uma recordação exata, que lhe poderia ser penosa e prejudicá-lo nas suas relações sociais, forças novas haure ele nesses instantes de emancipação da alma, se os sabe aproveitar”.

Concluímos, assim, que o esquecimento do passado é relativo. Vez por outra as nuvens se dissipam e os véus se levantam, ensejando-nos reorientações, novas direções, diferentes perspectivas...

Complementa o Benfeitor Espiritual em a Revue Spirite acima mencionada: “(...) nem tudo, pois, é velado na encarnação a ponto de não traspassar nada de nosso ser interior. A inteligência e a bondade são luzes muito vivas, focos muito ardentes para que a vida terrena os reduza à obscuridade.

As provas a sofrer bem podem velar, atenuar algumas de nossas faculdades, adormecê-las, mas se tiverem chegado a um alto grau, o Espírito não pode perder inteiramente a sua posse e exercício. Tem em si a segurança de que os mantém sempre à sua disposição; muitas vezes mesmo, não pode consentir de elas apartarem-se. Eis o que causa as vidas tão dolorosas de certos homens, que preferiram sofrer por suas altas faculdades a deixar que estas se apagassem por algum tempo.

Sim, todos nós somos pela esperança, e alguns pela lembrança, cidadãos dessas altas Esferas Celestes, onde o pensamento irradia puro e poderoso. Sim, todos nós seremos Platões, Aristóteles, Erasmos; nosso Espírito não verá mais empalidecer as suas aquisições sob o peso da vida do corpo, ou extinguir-se sob o peso da velhice e das enfermidades.

Estejamos certos de que, todo homem de bem se tornará cidadão desses mundos felizes, dessas Jerusaléns esplêndidas, onde o Espírito vive livre num corpo etéreo, possuindo sem nuvens e véus todas as suas conquistas. Então, conheceremos tudo quanto aspiramos conhecer, compreenderemos tudo quanto procuramos compreender”.

Perguntando aos Espíritos o que levamos conosco deste mundo, Kardec obteve a seguinte resposta:[3] “(...) nada, a não ser a lembrança e o desejo de ir para um mundo melhor, lembrança cheia de doçura ou de amargor, conforme o uso que se fez da vida”.

 


[1] - KARDEC, Allan. Revue Spirite. Maio de 1867. Araras: IDE, 1993, p. 159-160.

[2] - KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 121.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, cap. V, item 11.

[3] - KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, q. 150.


 

 

     
     

O Consolador
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