O Brasil de ontem e o Brasil de
hoje
Distanciado das lides forenses desde 2022, após
46 anos de atuação em diversas Comarcas, sinto
viver agora em um Brasil totalmente diferente do
que me foi ensinado nos bancos universitários de
Direito, passando pelo Código de Processo Civil
de 1973 e toda a legislação advinda dos
Tribunais. Mudanças ocorridas nesse mesmo Código
em 2015, e as radicais no Código Penal e
Processual e os engenhosos avanços sobre a
Constituição Federal sob o beneplácito do
Ministério Público e à revelia do Poder
Legislativo. Se fosse iniciar hoje a minha
profissão de Advogado teria que fazer novamente
o Curso de Direito para ajustar-me ao Direito
pelo avesso.
Aproximando-se a abertura do Ano
Judiciário/2024, oportuno se torna o momento
para uma reflexão sobre o que aconteceu no
Brasil de ontem e está acontecendo no Brasil de
hoje no mundo jurídico.
Novamente... Rui Barbosa Redivivo!
O melhor parâmetro para entendermos o Brasil é
uma apreciação sobre o notável brasileiro. Se
estivesse entre nós, com certeza e na tribuna do
Senado Federal estaria pugnando e influenciando
controles de constitucionalidades e de atos
abusivos praticados em afronta aos preceitos
constitucionais.
Com sua oratória arrebatadora mostrou, pela
primeira vez e de forma didática, como é
possível exigir democracia e moralidade na vida
política. Em sua época como Senador 1890/1923 em
Mandato dos mais longevos no primeiro regime
republicano (32 anos) os rumos políticos eram
orientados pelos oligarcas conforme seus
interesses particulares. Rui tentava convencer a
sociedade de que essa democracia de fachada era
inaceitável, ousando inclusive apontar o dedo
diretamente aos poderosos.
Em memorável discurso pronunciado em 14 de
dezembro de 1914 perante o Senado Federal, Rui,
quando falava da falta de justiça como fonte de
todo o descrédito do Brasil e dos brasileiros,
foi enfático: “... A falta de justiça, Senhores
Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal
dos males, a origem de todas as nossas
infelicidades, a fonte de todo o nosso
descrédito, é a miséria suprema desta pobre
nação. A sua grande vergonha diante do
estrangeiro é aquilo que nos afasta os homens,
os auxílios, os capitais. A injustiça, Senhores,
desanima o trabalho, a honestidade, o bem;
queima os espíritos dos moços, semeia no coração
das gerações que vêm nascendo a semente da
podridão, habitua o homem a não acreditar senão
na estrela, na fortuna, no acaso, promove a
desonestidade, promove a venalidade... promove o
relaxamento, insufla a bajulação e
subserviência, a baixeza, sob todas as suas
formas.
De tanto ver trinfar as nulidades, de tanto ver
prosperar a desonra, de tanto ver crescer a
injustiça, de tanto ver agigantarem-se os
poderes nas mãos dos maus, o homem chega a
desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter
vergonha de ser honesto.”
Era esse o Brasil de ontem?...
Quando nos aproximamos da abertura do novo ano
Judiciário, lemos os jornais do dia, assistimos
às notícias que chegam pelas televisões e pela
“internet”, redes sociais com suas manchetes
estampadas, percebemos e nos lembramos que esse
discurso de Rui Barbosa persiste sendo muito
atual em nossos dias. Quando olhamos o Poder
Legislativo de joelhos, submetido às injunções e
pressões dos demais Poderes da República, a
quebra da democracia, e na calada da noite a
imposição da mordaça cassando os direitos
constitucionais da liberdade individual, dos
Parlamentares e da Imprensa.
Na abertura do Ano Judiciário de 2024, Advogados
e Advogadas impedidos da manifestação nos autos
dos processos; Advogados e Advogadas impedidos
do pleno exercício da profissão em determinados
casos, e no sagrado Direito da ampla defesa de
seus constituintes.
Quando argumentei no início que o Direito está
pelo avesso é, ao meu sentir, em razão de que o
artigo 133 da Constituição Federal tornou-se,
pelo que se vê, em letra morta.
Nossos Senadores e Deputados, com raríssimas
exceções, cochichando medrosos, tentam impedir,
sem sucesso, fazer valer as suas vozes em nome
de seus eleitores para que se restaure o estado
de direito; está muito difícil acabar com o país
das narrativas mentirosas que, em uma hora
qualquer, as verdades serão expostas como a luz
solar...
Rui Barbosa, além de sua notabilidade como homem
político, era também Jornalista e por tecer
críticas ao governo viu seu jornal censurado e
proibido de circular; esse fato, típico de
perseguição, o obrigou a se exilar na Argentina
e na Europa. À propósito, discursou em 1914:
“... a imprensa não é só uma liberdade
individual. É ainda uma grande instituição
política. Sem ela, expira o governo do povo pelo
povo, cessa o regime republicano, desaparece a
Constituição. Da imprensa depende todo esse
sistema de freios e contrapesos, de ações e
reações, de poderes distribuídos, limitados e
fiscalizados em que consiste a existência de uma
democracia liberal. Não há publicidade onde a
publicidade não é livre, da mesma forma que o ar
que se confinou já não é ar, é carbono, é
tóxico, é filtro de contaminação, desnutre,
envenena e mata. A imprensa tutelada, a imprensa
policiada, a imprensa maculada pela censura
deixou de ser imprensa, deixou de ser válvula da
verdade. Órgão por excelência da fiscalização,
transformou-se em espessas nuvens para ocultar
do povo os atos capitais do governo.”
Encerrando este texto e como alerta aos jovens
advogados e advogadas, sinto ser importante
registrar o magistral discurso feito por Rui
Barbosa proferido na Biblioteca Nacional em 1918
onde ele, já escolhido como Paraninfo da Turma
de formandos em Direito (USP) de 1920, disse de
si mesmo. “... Propugnei ou adversei governos;
golpeei governos; golpeei ou escudei
instituições; abalei um sistema de governo e
colaborei decisivamente no erigir de outro.
Pelejei contra ministros e governos, contra
prepotências e abusos, contra oligarquias e
tiranos. Ensinei com a doutrina e o exemplo, mas
ainda mais com o exemplo que com a doutrina, o
culto e a prática da legalidade, as normas e o
uso da resistência constitucional, o desprezo e
o horror da opressão, o valor e a eficiência da
justiça, o amor e o exercício da liberdade.”
(Este artigo foi escrito dias
antes da abertura do Ano Judiciário/2024, ao
qual o autor se refere.)
Fonte:
Wikipédia, a enciclopédia livre.
WESTIN, Ricardo. Senado Notícias,
4/XI,19.
CF/1988, art. 133.