Natural de São José do Rio Preto, interior de
São Paulo, onde reside, Dejair Boselli (foto) é
formado em Ciências Econômicas e atuou como
gerente administrativo na antiga TELESP (empresa
de telefonia no estado de São Paulo) por 33
anos, estando atualmente aposentado. Palestrante
espírita que tem levado sua palavra a diversas
Casas Espíritas, vincula-se ao Grupo Espírita Casa
de Maria, de sua cidade, sem ocupar cargo
diretivo, nele atuando como colaborador.
Na presente entrevista ele nos fala sobre sua
vivência espírita e destaca ensinamentos
valiosos extraídos da obra de Kardec, que,
segundo ele, é ainda pouco conhecido mesmo entre
os espiritistas:
Como se tornou espírita?
Quando criança, de família espírita, frequentei
as então chamadas aulas de moral cristã, no
Centro Espírita Cairbar Schutel, em São José do
Rio Preto, mas fiquei distante de Centro
Espírita a partir dos 12 anos de idade, só
voltando aproximadamente aos 35 anos de idade,
no Instituto Espírita Nosso Lar – IELAR, também
em São José do Rio Preto, onde permaneci até seu
fechamento, em meados de 2021.
O que lhe chama mais atenção na Doutrina
Espírita?
Admiro muito a consistência do conteúdo da
doutrina, sua coerência e solidez, evidenciando
a enorme lucidez do mestre Allan Kardec que, ao
lado de um expressivo apoio da parte dos
Espíritos, soube juntar com brilhantismo
elementos esparsos, coordenar todo o processo,
descartando aquilo que não tinha a sanção da
mais rigorosa lógica e razão, aplicando o tempo
todo o seu conhecido método de CUEE (Controle
Universal do Ensino dos Espíritos). As
explicações que ele próprio deu a respeito desse
método estão apresentadas em O Evangelho
segundo o Espiritismo, na Introdução, em que
lemos: “Uma
só garantia séria existe para o ensino dos
Espíritos: a concordância que haja entre as
revelações que eles façam espontaneamente,
servindo-se de grande número de médiuns
estranhos uns aos outros e em vários lugares”. E
ainda: “Também não é porque um princípio nos foi
ensinado que, para nós, ele exprime a verdade,
mas porque recebeu a sanção da concordância”.
Ele recebia comunicações, segundo ele mesmo
disse, de perto de mil centros espíritas sérios,
ou seja, ele acabou se tornando um ponto de
convergência, de forma natural, fruto de um
prestígio que cresceu como resultado da sua
competência, reconhecida por todos. Como ele
diz, inclusive no capítulo I do livro A
Gênese, a doutrina espírita não foi ensinada
inteira em parte alguma. Era preciso um centro
(“que se formou naturalmente”), que congregasse
tudo, coordenasse todas as informações,
“costurando” tudo, para que a doutrina tomasse
forma. Allan Kardec foi, inegavelmente, o grande
construtor, a quem não chamaríamos apenas de
Codificador. Ele foi muito mais do que isso. Se
ele se limitasse a receber comunicações e
publicar o que os Espíritos disseram, nós
teríamos como resultado uma imensa colcha de
retalhos, repleta de contradições e
inconsistências. Nossos respeitos ao Mestre.
Sobre sua experiência como palestrante, que
gostaria de relatar?
As palestras representam, a meu ver, um imenso
campo de trabalho, que nos oferece ilimitadas
possibilidades de divulgação da doutrina
espírita. É sempre muito gratificante esse
contato próximo com as mais diferentes pessoas,
sentir o carinho com que nos recebem,
fraternais, afetuosas.
No preparo das palestras, com vistas à sua
repercussão junto ao público, o que você
considera importante?
Eu tenho como característica dominante fazer
palestras com foco nas obras de Allan Kardec,
mesclando com ensinos evangélicos, sempre à luz
da doutrina espírita, pautando sempre em Kardec.
Dessa forma, percebo que, como regra geral, as
pessoas recebem bem, gostam daquilo que ouvem e,
estranhamente, não é raro ouvir manifestações de
surpresa diante do conteúdo veiculado, já que
grande parte dos espíritas não estão
familiarizados com os ensinos de Kardec, mais
afeitos a outros tipos de mensagens, pois
sabemos que grande parte dos oradores espíritas
são centrados em obras paralelas, e boa parte em
temas motivacionais, de autoajuda. Isso nos
estimula a enfatizar ainda mais a importância
das obras espíritas, que são os livros de Allan
Kardec, pois percebemos que palestras de
autoajuda têm às vezes resultados imediatos
satisfatórios, mas temporários, já que irão
necessitar em curto prazo de doses de reforço.
Já quando ofertamos o ensino verdadeiro da
doutrina espírita, sinto que estamos
proporcionando algo mais robusto, algo mais
permanente, pois o esclarecimento trazido pelo
Espiritismo é um remédio sem prazo de validade.
Como é o processo de elaboração das abordagens?
Procuro elaborar palestras fundamentadas em
Kardec, como disse, com eventuais citações
evangélicas, desenvolvidas pelo pensamento
espírita, pois o Espiritismo, no seu papel de
Consolador prometido por Jesus, vem cumprir as
duas tarefas básicas preconizadas pelo Cristo
quando fez a promessa, registrada em João, 14:
“Ensinar todas as coisas e recordar o que vos
tenho dito”. Tendo sempre em mente que o
Espiritismo não traz moral nova, mas que vem
restabelecer aquela que Jesus propôs, como diz
Kardec, por exemplo, no 1º capítulo do livro A
Gênese: “A moral ensinada pelos Espíritos
não é outra senão a do Cristo, pela razão de que
não existe outra melhor”, procuro não perder de
vista que Allan Kardec primeiro construiu a
doutrina espírita, depois foi aos evangelhos e
extraiu dali a essência do ensino de Jesus,
entregando-nos O Evangelho segundo o
Espiritismo, em que vamos encontrar o ensino
moral de Jesus, na sua força plena, explicado e
desenvolvido à luz dos ensinamentos espíritas.
Mas, ao lado disso, é sempre oportuno levar às
pessoas as leis naturais que o Espiritismo
apresenta, que dão sustentação ao ensino moral
que é apresentado e o resultado é um
esclarecimento amplo e claro sobre a vida do
homem na Terra, levando cada pessoa a situar-se
adequadamente dentro de sua realidade,
compreendendo bem os porquês e os objetivos dos
eventuais sofrimentos por que esteja passando.
Também é altamente importante mostrar às pessoas
a maneira como se deu a vinda do Espiritismo à
Terra e as razões pelas quais ele pode ser
aceito. Uma das informações mais importantes a
esse respeito, que a maioria dos espíritas
desconhece, é a identidade do Espírito de
Verdade, que foi o comandante espiritual do
advento do Consolador, acrescida das informações
acerca da Escala Espírita, pouco conhecida da
maioria das pessoas. Kardec situa Jesus dentro
dessa escala, aí compreendemos melhor a natureza
dessa Espírito e compreendemos também a razão
pela qual ele, Kardec, podia estar tão apto a
entender os ensinos de Jesus e formatá-los para
nós com a qualidade com que ele o fez.
Há alguma preferência de aspecto doutrinário
para essa preparação?
Sim. Como já expliquei na questão anterior, dou
preferência às obras de Kardec. Aliás, mas
preferência não é a palavra exata. Dou
exclusividade às obras de Kardec.
Sobre a literatura espírita atualmente
disponível, o que gostaria de recomendar aos
leitores?
Sobre a literatura espírita disponível, como já
deixei claro, recomendo as obras de Kardec,
porque percebo que ele é um ilustre desconhecido
de boa parte dos espíritas. Isso fica claro nas
reuniões de estudo das quais participo, na casa
que frequento. Quando estudamos Kardec, seja
qual for a obra, frequentemente alguém faz algum
comentário denotando estranheza a respeito
daquele conteúdo, e, quase sempre, citando algum
outro livro da chamada literatura paralela,
equivocadamente chamada de complementar. Percebo
que as pessoas, de um modo geral, possuem noções
advindas desse conhecimento paralelo, mas não
conhecem a Doutrina Espírita. É o chamado
Espiritismo de senso comum, aquele veiculado por
expositores, aquele Espiritismo que, geralmente,
todos pensam que sabem, e que, muitas vezes,
traz conceitos equivocados. Por isso, recomendo
sempre estudar Kardec. São cerca de 21 livros,
contando nesse total os volumes da Revista
Espírita, que são 12, que fazem parte da chamada
codificação espírita, ou seja, foram
consideradas pelo próprio Kardec como obras
fundamentais do Espiritismo. Essas revistas,
segundo eu percebo, são quase que completamente
ignoradas pelos espíritas.
De suas atividades e vivência espírita, além das
palestras, o que gostaria de acrescentar para
experiência do leitor?
Considero as reuniões de estudos da doutrina
espírita como sendo uma das mais importantes
atividades que o Centro Espírita pode ofertar
aos seus frequentadores, ou, mais do que isso, a
mais importante, se bem conduzida, pois
representa aquilo que o Cristo chamou de “água
viva”, que deve produzir nas pessoas um efeito
permanente, prepará-las para os embates da vida,
a partir do esclarecimento que proporciona.
Gosto de enfatizar que o principal aspecto
consolador que o Espiritismo oferece é o
esclarecimento, dando uma perfeita compreensão
da vida humana na Terra, o que tende a criar uma
couraça protetora, habilitando os adeptos a
fortalecer a sua fé em Deus, a partir desse
esclarecimento, abandonando a chamada fé cega,
pois, como diz Kardec, a pessoa passa a crer
porque compreendeu. Já não é mais uma crença. É
uma certeza. Isso é fundamental.
De suas vivências, o que tem sido mais marcante?
Considero todas as experiências importantes,
portanto não destacaria qualquer uma delas.
Algo mais a acrescentar?
Em complemento aos itens anteriores, vou
mencionar um fato que se deu há pouco tempo,
após ter realizado uma palestra num Centro
Espírita de nossa região. Recebi, no dia
seguinte, uma mensagem da pessoa responsável
pelo programa de palestras daquela casa, em que
ela destacava que a palestra tinha sido
diferente daquilo a que eles estavam
acostumados, “um alimento espiritual sólido,
saímos do leitinho”. “É difícil termos uma
palestra assim.” Ora, não havia no conteúdo da
palestra nada além do que ensina Allan Kardec.
Penso que as pessoas, de um modo geral, como já
disse antes, ouvem palestras de autoajuda,
palestras motivacionais, que são boas, sem
dúvida, mas cujo resultado é efêmero, não dura
muito. Há um outro aspecto curioso, muito
interessante, que percebo muitas vezes, que é o
ar de surpresa ou mesmo de estranheza na
fisionomia dos dirigentes de centros
(principalmente), quando ouvem determinadas
informações que estão nas obras de Kardec, mas
eles parecem nunca ter tomado conhecimento
daquilo. Não é difícil concluir que Kardec está
fazendo muita falta ao chamado Movimento
Espírita brasileiro.
Suas palavras finais.
Agradeço muito por ter sido honrado com esse
convite, que me trouxe uma alegria muito grande,
especialmente porque oferece o espaço para
falarmos sobre o Espiritismo, que, na minha
opinião, é o grande farol a iluminar os caminhos
da humanidade terrena, só precisando ser
adequadamente divulgado para que produza
resultados mais expressivos.
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