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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Problemas nos dentes? Uma explicação espiritual


“Olá, doutor, como vai?” - perguntou-me Severino mineiramente, figura muito simpática e segurança de rua no bairro onde resido à qual tenho o privilégio de conhecer. De minha parte retruquei com um assunto que nos tem ligado ao longo dos anos, ou seja, o futebol, pois ambos somos torcedores do Santos F.C.:

- Nosso time é que vai mal... Cada vez pior! Acho que já estamos na 2ª divisão...

A propósito, no dia desse encontro a estrondosa queda não havia sido ainda consumada.  Ele esboçou um sorriso no qual a boca estampava enormes janelas entrecortadas por alguns dentes. Fiquei com a nítida impressão de que ele havia perdido mais alguns desde o nosso último contato. Trocamos mais algumas palavras amenas e nos despedimos cada um indo para um lado.

Ao continuar o meu trajeto fiquei conjecturando a enorme dificuldade que uma parte considerável das pessoas que vivem nesse país tem para cuidar da sua dentição. Mesmo tendo havido alguns progressos nesse particular, estamos ainda muito longe de ser uma nação cuja população possa ter acesso a um dentista de categoria.

É verdade insofismável que se trata de um serviço geralmente caro, e, portanto, inacessível para muitos. Com efeito, dados do IBGE revelam que a taxa de pobreza alcançou 31,6% em 2022, isto é, 67,8 milhões de brasileiros que vivem com uma renda familiar de até R$ 637,00, o que torna impossível cuidar adequadamente da boca, sem falar das outras necessidades. Outro dado do mesmo instituto mostra que apenas 53% da população brasileira utiliza o fio dental, escova e creme dental; e 89% realizam higienização menos de duas vezes ao dia.

Com uma renda tão exígua não sobram, evidentemente, recursos para a apropriada manutenção da saúde bucal. Já o Ministério da Saúde estima que cerca de 60% da população brasileira não tem acesso a serviços odontológicos de qualidade. Especulo que a maioria provavelmente recorre a um somente em casos de urgência, como, por exemplo, dor de dente. Resolvido o problema imediato, que normalmente se limita a uma extração, a vida segue.

Fiquei alguns dias pensando nessa realidade, até que eu mesmo necessitei recorrer à minha dentista. Um serviço que parecia inicialmente simples – a queda da massa de um dente – mostrou-se, na realidade, muito mais complicado.

Em resumo, pelo segundo ano consecutivo visitei-a no mês de Natal para tratar de dentes (um deles, aliás, já não estava mais em condições de habitar a minha boca). Afora a dor natural decorrente da intervenção, no caso mais dramático, o gasto também foi considerável. Aliás, engana-se redondamente quem imagina que os espíritas são privilegiados. Pelo contrário. Sofremos e expiamos como qualquer outro ser humano e, às vezes, até mais. Tal pensamento ficou martelando na minha cabeça e, assim, fiquei relembrando as minhas agruras nesse aspecto desde a minha infância.

Minha mãe dizia que eu tive que tomar uma vacina em tenra idade para graves problemas de crupe, e o doutor lhe dissera que haveria sequelas na minha futura dentição. Coincidência ou não, o fato é que sempre fui “abençoado” por problemas dessa natureza. Posto isto, fiquei também a conjecturar a dentição como fonte de provações à humanidade. Não sou especialista da área, mas certamente a descoberta dos antibióticos, anti-inflamatórios, analgésicos, obturações, próteses, entre outros avanços, tornou a vida dos pacientes menos dolorosa.

Entretanto, a dentição perfeita não é algo onipresente, pois os problemas que nos assolam nessa parte do corpo são inúmeros. Em decorrência disso, é muito raro alguém não padecer de algum tipo de incômodo no transcurso da sua vida corporal. Com a idade, então, não raro outros dissabores assomam, tais como perda de massa óssea, queda de dentes, problemas na gengiva, desgaste na arcada dentária e assim por diante. Desse modo, desfrutar de uma dentição esteticamente bonita é, sem dúvida, privilégio de poucos. O corpo humano – veículo que abriga o Espírito imortal – sofre um processo implacável de fadiga natural e o mesmo ocorre com a dentição.

Há casos muito graves nos quais os indivíduos penam a vida inteira com problemas na boca. Recordo-me de estar assistindo certa vez ao inesquecível Programa do Jô. O famoso humorista e entrevistador recebia naquela noite um cantor que fez muito sucesso nos anos 80. No meio da conversa – quase sempre altamente descontraída – o Jô tocou nesse assunto, provavelmente já ciente dos problemas do entrevistado, e o artista revelou todo o seu sofrimento na boca. Ou seja, ele havia nascido com o referido órgão com um formato, segundo me lembro, anatomicamente irregular, o que prejudicou, digamos assim, a harmonia da sua dentição, sem falar do prejuízo financeiro. Ele também contou alguns episódios bem embaraçosos, especialmente para um cantor, mas que levaram a plateia às gargalhadas.

Por outro lado, há quem atribua aos dentes uma interpretação puramente calcada no simbolismo. Não entre nesse mérito, pois entendo que cada um tem a sua crença e visão das coisas. No que me diz respeito, porém, penso que a boca é, quase sempre, uma fonte de dor e sofrimento para muitos humanos. Nesse sentido, afora o inevitável desgaste acima aludido, que abrange praticamente a todos, há situações típicas que sugerem algum tipo de resgaste cármico. Não nos esqueçamos, a propósito, que o Cristo nos alertou para o imperativo de “a cada um segundo suas obras”. 

Pode-se igualmente imaginar – não estou afirmando - que nem sempre emitimos pela boca palavras ou juízo de valores apreciáveis em outras vidas. Aliás, o Cristo de Deus também abordou esse ponto, conforme se lê no Evangelho: “O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem” (Mateus, 15:11). De maneira similar, em Paulo aos Efésios (4:29) lemos: Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem”.  

Mais ainda, não faz muito tempo assisti na Netflix a uma série sobre os Vikings, na qual um dos personagens sofre terrível sessão de tortura na qual os dentes eram-lhe arrancados sem qualquer gesto de misericórdia. Sendo durante muito tempo prática comum nos tempos da barbárie, aos executores e mandantes de tais flagícios sobram, consoante as leis de ação e reação, ajustes pertinentes pela via da dor. Plasma-se, então, no perispírito dos infratores a necessidade de ajustamento – seja por uma razão ou outra -, como sói acontecer em qualquer outro órgão por nós abusado para que o equilíbrio se estabeleça. Desse modo, resgatar nossos erros de antanho pela via da dentição precária ou frágil soa como um plausível instrumento de resgate.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita