Chega de pão e circo nas casas espíritas
As palestras nas casas espíritas tornaram-se – em muitos
casos – uma versão pós-moderna do “pão e circo” romano.
Divertem, mas não consolam; informam, mas não
esclarecem. Uma oratória “água com açúcar” deixando-nos
a todos obesos intelectuais e diabéticos de afeto. Para
compreender esse modus operandi esotérico, urge
recorrer ao método emancipador freiriano.
Você sabe por que um dos livros mais conhecidos de Paulo
Freire se chama Pedagogia do Oprimido e
não Pedagogia para o Oprimido?
Durante tempos imemoriais, grupos secretos (Índia,
Grécia, Egito, Europa Medieval etc.) subestimavam a
“massa”, privando-a do conhecimento. Um pequeno grupo de
elite que tinha acesso à informação e monopolizava-a
para manter o “rebanho” subserviente e refém de dogmas e
tabus. Eles justificavam esse sigilo informacional
afirmando que o povo era incapaz de compreender a
profundidade do conhecimento e, por isso, poderia
conduzir-se de forma irresponsável e perigosa; logo,
mantê-lo longe do saber profundo era uma questão
profilática para protegê-lo de si mesmo.
Isso lembra muito as folgas nas tardes de domingos
concedidas a quem trabalhava na linha de montagem. Os
patrões diziam: - Se dermos mais folgas aos operários,
eles se embriagarão...
Com a revolução proletária desmascarou-se essa
exploração alienadora ao perceber-se que não existia,
realmente, preocupação com a saúde dos trabalhadores,
mas zelo com a produção e o lucro.
Da mesma forma, as elites de sociedades secretas do
passado (religiosas, filosóficas, científicas) escondiam
o conhecimento para manter seu poder e controle das
massas.
A revolução que o Espiritismo realizou no século XIX foi
nesse sentido. Os espíritos anunciaram que “é chegado o
momento de dissipar as trevas da ignorância para
confundir os sábios e exaltar os simples...” Deus, da
mesma maneira que libertou o povo do jugo no Egito,
oferece-nos o consolador prometido. Aquele que viria
esclarecer pontos obscuros do evangelho de Jesus para
libertar consciências e curar lepras da alma e do corpo.
Porém, o que encontramos em muitos centros espíritas?
O mesmo modo “elitizado” e centralizado nas palestras,
considerando o povo incapaz de compreender os conceitos
doutrinários complexos e profundos.
Até a década de 1950, para ler um livro de medicina, era
preciso ser médico, acadêmico de medicina. Você exibia
sua carteira de aluno na livraria e tinha a permissão
para comprar o livro. Do contrário, nem comprar você
conseguia. Era um conhecimento “secreto” e restrito à
elite do jaleco branco.
Vários confrades espíritas ainda alimentam esse
pensamento: - O povo não entende questões complexas.
Devemos oferecer-lhe apenas algodão doce!
Ariano Suassuna, o grande teatrólogo, escritor e poeta,
dizia: - Quem diz que cachorro só gosta de osso,
experimente jogar um filé para ele.
Assim é o povo. Só dão “osso” para ele e dizem que é
“bife, filé”...
Esse grupo de doutrinas secretas do passado perdura nos
tempos atuais. São os mesmos espíritos reencarnados nas
fileiras kardecistas, tentando elitizar, manipular,
monopolizar o que deveria ser oferecido a todos.
Na parábola do semeador, Jesus deixa claro. A semente
cairá em terrenos distintos. Em três deles, a semente
perecerá, apenas em um ela florescerá.
Não importa! A diversidade é a riqueza da jornada dos
espíritos. Cabe a nós semear. O que cada um entenderá ou
o que fará com a informação é de sua responsabilidade.
A democratização do conhecimento é uma conquista neste
momento de transição planetária. Em pleno século XXI,
basta ir à internet e você baixa, gratuitamente, um
livro de medicina para lê-lo no conforto do seu lar.
Quando o povo, tratado como rebanho ou massa incapaz,
tem acesso à informação, ele realiza uma revolução, tão
temida pela elite.
Por isso, Paulo Freire escreveu seu livro singular.
Pedagogia “para” o oprimido seria um arcabouço
conceitual educacional criado por uma elite (branca,
rica, heterossexual, conservadora) e oferecido como
“esmola pedagógica” para os oprimidos, fortalecendo mais
ainda o estereótipo de incapazes, de impotentes. Ele
escolhe, prudentemente, Pedagogia “do” oprimido. Um
conjunto de práxis docente, transformadora, libertadora,
revolucionária, elaborada pela própria classe oprimida
(negros, pobres, índios e etc...) mostrando, na teoria e
na prática, que o povo é capaz, tem autonomia e pode
transformar esta nação, se tiver oportunidade.
Se a Doutrina Espírita consola, liberta, cura, emancipa,
devolve esperança e autonomia, a doutrina de
determinados centros espíritas aliena, escraviza,
idiotiza, monopoliza, infantiliza.
Existem – na prática – duas doutrinas espíritas.
A primeira é aquela codificada por Allan Kardec em
parceria com os espíritos superiores. A segunda é uma
colcha de retalhos de conceitos e léxicos inventada e
adulterada pelo movimento espírita que misturou os
princípios doutrinários com autoajuda, filosofia do
pensamento positivo, lei de atração, esoterismo
americano e filosofia new age.
Enquanto a doutrina espírita, revelada pelos espíritos
superiores democratiza a informação, a doutrina de
alguns centros monopoliza e elitiza. Dessa forma, é
fácil entender o sono da plateia, o tédio, a pirotecnia
dos oradores, o hipnotismo das performances e a
infantilização dos temas, mantendo o povo imaturo,
inconsciente e escravo de intermediários sacros...
Ninguém aguenta mais cochilar durante as palestras!
Quem quiser dormir, procure um sonífero. Casa espírita é
lugar para despertar, acordar para as realidades
existenciais e transcendentais. Algodão doce é para
crianças. Queremos comida de verdade! Paremos de
entorpecer as plateias com guloseimas vazias e
alienantes. Alimento para alma, refrigério para os
corações e lucidez para os cérebros, é isso o que toda
pessoa busca quando procura uma palestra.
E se, ainda assim, existir algum orador espírita que
insiste em esconder informação da plateia, sinto muito
informá-lo. Está perdendo seu tempo!
Se o palestrante não ensina, o povo vai à banca da
esquina, compra um livro espírita e terá acesso a todo o
conhecimento disponível, porque os espíritos da falange
Verdade libertaram todas as verdades e segredos,
tirando-as das mãos de castas superiores e oferecendo a
nós, democraticamente, porque o sol nasce para todos.
Não existe nada oculto que um dia não venha a ser
revelado.
Quem tiver olhos de ver, que veja...
Quem tiver ouvidos de ouvir, que ouça...
Ninguém... ninguém consegue impedir a força da
correnteza do progresso que chegou...
Nos quatros cantos do mundo anjos tocam suas trombetas e
anunciam:
- Chegou o tempo...
João Márcio F. Cruz, palestrante espírita
e autor do livro O Espiritismo e o Encontro com a
Própria Sombra, reside em Canindé-CE.
|