Nosso entrevistado, Mário Arias Martinez (foto),
preside a Fundação Espírita Allan Kardec, de
Franca, no interior paulista, cidade em que
nasceu e reside. Empresário e formado em Análise
de Sistemas e Administração de Empresas, ele nos
fala nesta entrevista sobre sua experiência à
frente da tradicional instituição, que em 2022
completou 100 anos de fundação:
Como conheceu o Espiritismo?
Sou católico de berço, mas sempre simpatizante
da Doutrina, uma vez que meu avô paterno era
espírita; ao conhecer minha atual esposa aos 19
anos, sendo ela espírita, comecei a frequentar
reuniões no Centro Espírita Luz e Amor em
Franca, onde me tornei espírita.
O que mais lhe chamou a atenção nesse contato
inicial e que foi avançando em novos
conhecimentos?
Como já era espiritualista, estudava um pouco de
várias doutrinas. Ao conhecer com mais detalhes
o Espiritismo me apaixonei pela clareza, logica
e racionalidade de Kardec, tendo tido nesse
momento a certeza de ter encontrado o caminho
que trilharia.
E o envolvimento com a Fundação Espírita Allan
Kardec, como foi?
Fui convidado a fazer uma palestra no mês de
Kardec na Fundação e após a apresentação conheci
o então presidente Wanderley Cintra, que
explanou sobre as dificuldades pelas quais
passava a Fundação naquele momento. Conversamos
um pouco sobre gestão empresarial e entidades
filantrópicas; depois disso fomos nos
aproximando e ele me convidou para fazer parte
do conselho na gestão de 2015 a 2017.
Sendo hoje uma instituição que já ultrapassou
100 anos, como sente os rumos atuais?
Assumimos a direção da casa em 2017 tendo como
vice o amigo Fernando Palermo, com o objetivo de
reformular a Fundação adequando-a às novas
diretrizes de saúde mental do país e ao mesmo
tempo preparando-a para os próximos 100 anos.
Hoje tendo já completado 101 anos entendemos que
a pior parte da reformulação foi concluída e
enxergamos um futuro próspero para a Fundação,
que atualmente se transformou em um grande
Centro de Promoção de Saúde Mental.
Historicamente, o Brasil viveu muitos períodos
com os hospitais psiquiátricos. A seu ver, o que
se destaca?
A questão da saúde mental não só no Brasil como
no mundo todo sempre foi repleta de desafios;
inicialmente os irmãos acometidos por algum
sofrimento mental, sem ter qualquer alternativa
de tratamento, vagavam pelas ruas ou
encontravam-se encarcerados nos porões das
Santas Casas. Com o passar do tempo surgiram as
primeiras instituições específicas de saúde
mental e ao longo do tempo essas casas
enfrentaram diversas dificuldades, sobretudo
devido ao subfinanciamento de suas atividades;
muitas destas por diversas razões apresentaram
serviços precarizados e em alguns casos até
situações de violação de direitos humanos, Nesse
cenário iniciou-se o movimento que se chamou
luta antimanicomial, que tinha por objetivo o
fechamento de todas as unidades de saúde mental,
com a perspectiva de tratamento dos pacientes
com transtornos mentais em hospitais gerais e
equipamentos ambulatoriais contidos na RAPS
(Rede de Atenção Psicossocial). Esse movimento
em vigor nos dias atuais apresenta diversas
dificuldades de implantação, porém segue com o
objetivo de fechamento dos hospitais
psiquiátricos, o que tem tornado a situação
dessas entidades cada vez mais difícil.
O livro Saúde Mental no Brasil, de Bruno
Florentino, em homenagem ao centenário em 2022,
fruto de meticulosa pesquisa, apresenta
detalhado histórico dessas décadas de trabalho e
também traz exemplos variados de dedicação,
desde seu fundador até os dias atuais. Para o
leitor, o que gostaria de ressaltar da obra
lançada em homenagem à Fundação?
Esta obra traça um paralelo entre os 100 anos da
Fundação Allan Kardec e os últimos 100 anos da
saúde mental no Brasil. O destaque a meu ver
fica na demonstração da resiliência da Fundação
durante esse período, bem como a bravura e
abnegação de seu fundador, o Sr. José Marques
Garcia, e daqueles que o sucederam na gestão da
casa. A obra demonstra também a importância da
doutrina espírita como alicerce filosófico das
instituições que se dedicaram à saúde mental no
Brasil.
Ocupando atualmente a presidência, como vê o
legado de José Marques Garcia, o fundador da
nobre entidade?
Quando olhamos em retrospectiva para os 100 anos
de atividade da Fundação conseguimos compreender
a grandeza deste espírito, que a princípio
acolheu os irmãos com transtornos mentais em sua
própria casa, criando posteriormente esta obra
que seria sinônimo de acolhimento, humanização e
espiritualidade, deixando um legado sólido que
segue firme em seu propósito de difusão de luz e
saúde.
Quais os maiores desafios da atualidade?
O maior desafio da atualidade é a conclusão do
plano de reestruturação que visa alcançar a
autossuficiência financeira da Fundação. Serão
ainda necessários de 4 a 5 anos de trabalho para
fechamento desta etapa.
Fale-nos obre os novos projetos em andamento.
Com o intuito de transformação do Hospital
Psiquiátrico em um Centro de Promoção de Saúde
Mental, foram inaugurados vários serviços que
visam a substituir o tratamento hospitalar por
outras modalidades, em conformidade com as
diretrizes atuais de saúde. São eles: CAPS
(centro de atenção psicossocial) Psicóticos,
CAPS AD (dependentes químicos) e Residências
Terapêuticas para acolher os antigos moradores
do Hospital. Estes serviços são conduzidos a
partir de um convênio com a Prefeitura Municipal
de Franca. Ainda foram instalados os serviços
seguintes: Desenvolvimento Humano, que se baseia
em oficinas de trabalho e renda, Projeto
Estrelinhas, que atua com menores de 7 a 18 anos
e agora inauguração no dia 19 de Fevereiro de
2024, o SOS Depressão que visa tratamento de
depressão pelo magnetismo (TDM). Ainda em
atendimento pelo SUS contamos com 60 leitos
hospitalares e 30 leitos em Hospital dia; Com
estes projetos a Fundação segue atendendo a 500
pessoas por dia.
De suas lembranças da vivência espírita, o que
sobressai?
Foram vários momentos durante os sete anos em
que estamos à frente da Fundação, em que, diante
de desafios que pareciam intransponíveis,
obtivemos o auxílio da espiritualidade superior
que atua na preservação e condução dessa obra.
Nesses momentos difíceis temos a absoluta
certeza de que somos meros instrumentos
executando um plano soberano.
Suas palavras finais.
Agradecemos a oportunidade de apresentar um
pouco do trabalho realizado na Fundação Allan
Kardec em sua trajetória centenária, cujo maior
legado é a restauração da esperança a milhares
de espíritos que necessitaram e os que ainda
necessitam de seus serviços.
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