Sigmund Freud (1856-1939), pai da psicanálise,
em determinado momento de sua trajetória de
pensador deteve-se na questão que envolve o
ciúme.
Emoção sempre observada por filósofos,
escritores, dramaturgos e religiosos, o ciúme
está em nosso cotidiano a motivar ações e, por
isso mesmo, influiu e ainda influi na vida de
muita gente.
Logo, de tão importante e com impactos tão
significativos, precisa ser trabalhado e tratado
com toda a seriedade e não apenas no formato
romântico, numa espécie de tempero das relações
afetivas.
Puxe em sua memória e verifique quantas famílias
e relações já foram massacradas pelo ciúme. Não
é preciso recorrer a estudos e estatísticas,
volte e observe em seu rol de amizades, família,
conhecidos, colegas de trabalho, quantos tiveram
sua vida complicada por se renderem ao ciúme
patológico.
Voltemos a Freud.
Segundo o pai da psicanálise, o ciúme tem 3
níveis: o normal, o projetado e o delirante.
O ciúme normal decorre da possibilidade da perda
do objeto amado. Isso leva o sujeito a
estabelecer uma espécie de rivalidade com o que
ou quem o “ameaça”.
Exemplo clássico disso podemos dar do mundo
corporativo. Quando chega um novo funcionário ao
nosso setor de trabalho pode ser que nos
sintamos ameaçados e, por ciúme, reteremos as
informações necessárias ao trabalho do novo
colaborador a fim de que essa “ameaça” não tome
a posição que ocupamos na hierarquia da empresa.
Esse tipo de ciúme, definido por Freud como
normal, faz parte do dia a dia de todos nós que
vivemos encarnados neste mundo. Entretanto, este
ponto pode ser trabalhado por nós, investigado
em suas raízes e dominado, não deixando vez para
atitudes que nos trarão, no futuro,
arrependimento.
Uma vez identificado o ciúme, o grande ponto
está em trabalhar sem reprimi-lo, porque, se o
reprimimos, jogamos o assunto para debaixo do
tapete e, num determinado momento, esse ciúme
explode de uma ou outra forma, talvez até no
corpo físico, pois emoções mal trabalhadas nos
adoecem e criam muitos embaraços e situações
constrangedoras.
Allan Kardec, aliás, comenta que o verdadeiro
espírita é aquele que busca domar as suas más
inclinações. Perceba que Kardec fala em “domar”
e parte do pressuposto de que todos nós somos
ainda portadores de questões a serem
trabalhadas, sendo, portanto, o ciúme uma delas
e das mais significativas.
Kardec não pede repressão, nem nos imprime
culpa, longe disso. Diante de uma má inclinação,
que trará desordem e desorganização à vida,
Kardec pede o uso do raciocínio, que
identifiquemos o que deve ser domado e que nos
empenhemos para aprender a lidar de forma
saudável com essa ou aquela emoção, no caso de
hoje o ciúme.
Sentir este tipo de ciúme é humano, portanto. A
pergunta a ser respondida e que trará impacto em
nossa existência é: - Que faremos com essa
emoção?
Quanto ao ciúme projetado, este parte, em geral,
de uma tentação do próprio sujeito, pois há,
nele, desejo de, por exemplo, consumar o ato de
uma traição conjugal; contudo, projeta no
parceiro esse seu desejo e o persegue,
acusando-o constantemente de infidelidade.
Em resumo, a questão está comigo, porém
repasso-a ao meu cônjuge.
Seria uma forma de aplacar a consciência. Numa
linguagem mais simples: “Ora, se ele pode eu
também posso”. Quando o ciúme atinge esses
níveis a situação começa a complicar um pouco
mais, pois que se perde o controle, surgem
brigas, discussões, acusações de todos os tipos.
Na questão 907 de O Livro dos Espíritos,
no tópico que fala das paixões, entendemos que
elas – as paixões – são boas ferramentas para o
progresso se aprendemos a domá-las, entretanto,
quando somos por elas domados, os problemas
surgem em profusão.
E, por fim, chegamos ao estágio mais avançado,
que é o delirante. Não entrarei de forma mais
profunda nas teses de Freud porque não é nosso
propósito aqui, contudo devemos mencionar que
este tipo de ciúme, segundo Freud, está
relacionado a fantasias homossexuais.
Exemplo: o marido acusa a esposa de gostar do
vizinho, quando, em verdade, o desejo pelo
vizinho é dele e não dela. Daí segue-se a mesma
dinâmica: para aplacar a consciência e livrar-se
da culpa deposita-se no outro o desejo que é seu
e, neste caso, junto a outro conflito interno,
já mencionado acima.
Este tipo de ciúme pode desembocar em agressões
e até crimes. São incontáveis os casos de
pessoas que cederam ao ciúme delirante e,
dominados pela ira, consumaram ações infelizes.
Pois bem, a verdade é que o ciúme delirante é um
caso de “paixão” que nos controlou, tomou conta
de nossa existência e passou a ditar o ritmo de
nosso comportamento. Já não somos nós a
conduzir, mas a sermos conduzidos.
Estabelecem-se, daí em diante, caso não domemos
essa má inclinação e trabalhemos nossa
intimidade, pensamentos desconexos com a
realidade a transformar nossos dias num
autêntico “inferno”, e lembramos Allan Kardec
quando diz serem céu e inferno não locais
geográficos, mas estados de consciência. O
sujeito que se deixa levar pelo ciúme, então,
inicia sua entrada na terra do “fogo e ranger de
dentes”.
Compreendemos, a partir do exposto acima, que o
ciúme, esta emoção, faz parte de nosso cotidiano
e não dá para o atirarmos tapete abaixo.
Deve-se, ao contrário, trabalhá-lo. Negar a
existência do ciúme a fim de não sermos
atingidos por ele não nos ajuda em nada.
Este, aliás, é um desafio para as religiões:
transformar a caminhada humana em algo mais leve
e a convivência com as próprias limitações um
processo menos doloroso.
Como naturalmente somos levados a escapar de
nossas dores e buscar o prazer, claro que
reprimiremos todas essas emoções que mostram não
sermos nós sujeitos tão avançados assim.
Quando admitimos sentir ciúmes é como se
emitíssemos um passaporte de nossa fragilidade e
isto dói porque nos coloca frente a frente com
nossa real condição.
O pensamento vai mais ou menos nesta direção:
Se sinto ciúme é porque sou inseguro, fraco,
coloco minha felicidade nas mãos dos outros e
sou moralmente inferior. Resultado: reprimimos a
emoção e fingimos que ela não existe, porém, não
trabalhado este ponto em nossa alma, ele fica
lá, aguardando o momento propício para sair das
profundezas das questões não resolvidas.
Sempre inspirado, diz Jesus em João, 8:32:
“Conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará”.
Perceber que as emoções fazem parte de nossa
caminhada, por exemplo, é uma das muitas
verdades que Jesus trouxe. Ao conhecer essa
verdade, minha real condição de espírito ainda
aprendiz, vou-me despindo do ar de
superioridade, de não poder sentir esta ou
aquela emoção porque quem a sente é alguém de um
círculo moral inferior. Isso é um ganho muito
grande para quem quer crescer, por isso a alusão
à liberdade. Ao reconhecer minhas limitações sou
alguém que já ruma para a liberdade, para o
grito de independência do sofrimento que o ciúme
causa.
Mas como caminhar sem reconhecer esse traço tão
forte da humanidade que é o ciúme?
Claro que reconhecer dói, mas é uma dor
superficial se comparada à dor de não caminhar.
Sendo o objetivo da reencarnação a melhora moral
do homem, que possamos aproveitar todas as
ferramentas à nossa disposição para
identificarmos limitações, reconhecermos e
trabalharmos, pois esta é a chave do progresso.
A equação pode ser assim expressa: Identificação
+ Reconhecimento + Trabalho = Progresso - I+R+T
= P.
Um ponto a pensar, não?