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por Jorge Gomes

 

Entes queridos que partem


Tinha chegado nem havia uma hora ao trabalho em 31 de maio de 2017 quando o telefone toca. É um amigo que mora a mais de 200 km da minha cidade.

Dizia que no fim do dia anterior tinham tido a reunião mediúnica habitual e que ao término dela uma senhora, a D. Fátima, uma professora reformada, referiu algo que ela própria não sabia se valia a pena partilhar: tinha-lhe aparecido há minutos um Espírito, uma senhora que lhe disse ser Júlia, com um aspeto que lhe lembrou a minha mãe. Adianta que não sabe se fará qualquer sentido para mim, mas o Espírito deixou um recado telegráfico dizendo com um sorriso a D. Fátima - que não a conheceu nem terá alguma vez ouvido falar dela - estar de passagem. Acrescentou que o Dr. Osório também.

Sim, recordei-me logo de conversas sobre o Dr. Osório, na década de 1980. A minha mãe, ao chegar do trabalho no Instituto de Oncologia da cidade do Porto, falava dele, um administrador importante na fase inicial deste instituto, que não conheci pessoalmente. Nessa altura teria cerca de 18 anos de idade e era estudante. Recordo-me de que a minha mãe se sentia contrariada com algumas decisões. Os desabafos de há 30 anos eram naturais. Só podia ser ele, concluí. Percebi que terá acentuado isso apenas para que eu tivesse a confirmação da identidade dela. Se isto não acontecesse, possivelmente nunca mais me voltaria a lembrar das referências antigas ao Dr. Osório, mas torna-se curioso ela referi-lo, pois implicitamente é como se me dissesse que, apesar das discordâncias, agora ambos se entendem e, por vezes, até desempenham tarefas comuns.

A minha mãe tinha desencarnado em novembro de 2013. Vim a saber por outra manifestação mediúnica verosímil ocorrida noutro grupo mediúnico no início de 2014 que demorou alguns meses a ganhar lucidez na vida espiritual. É verdade que não precisava dessa ocorrência mediúnica para saber que a vida espiritual é uma realidade, mas ocorreu e devo partilhá-la.

Sensível e recorrente, a despedida da vida corporal de alguém que nos é mais próximo é uma das experiências de vida comum a toda a gente.

A emoção estremece e surge um sentimento de impotência face à vontade de continuar a interação com essa pessoa que acabou de concluir a passagem terrena.

Tornou-se habitual referir que se perdeu o ente querido, mas perdeu-se apenas de vista, visto está que as evidências insofreáveis da continuidade da vida além da morte do corpo material abundam. Sendo lei da natureza ainda pouco conhecida da população encarnada da Terra, não se compadece com crenças materialistas e afins. O fenómeno surge, e o ser espiritual, ou Espírito, sente-se a existir na dimensão espiritual. Quando impreparado, situação mais frequente, fica surpreendido, antes confuso, até que começa a perceber a sua situação. O mais importante nessas alturas são a facilidade de mobilizar os bons sentimentos. Eles proporcionam percepções que de outro modo se atrofiam. São dados experimentais recorrentes.

Na verdade, não perdemos os entes queridos que partem. Nunca foram nossa propriedade. São filhos da vida imorredoura, como nós próprios. Eles continuam, após uma fase de reabilitação e de entendimento da nova dimensão de vida, a desenvolver trabalho útil, a amar ainda mais aqueles que ficaram neste plano denso, sem perderem de vista as leis sábias que nos matriculam nas aulas de amor e sabedoria da vida terrena, embora o nosso lar natural seja a vida espiritual.

Aqueles que partem do plano material podem ser auxiliados pelos que permanecem por cá mais algum tempo. Abandonando sentimentos de tristeza contumazes e outros da mesma natureza vibratória, sentem-se reconfortados ao sentir mais ou menos claramente o que lembramos deles com carinho, gratidão e amor elevado. Essas são as verdadeiras preces úteis, as missivas telepáticas de afeto feliz que eles recolhem com muito agrado.

Compreende-se que, quando partimos da vida terrena e nos esforçamos no período de adaptação à nova vida, se sentimos que somos causa de tristeza e dor aos que amamos – sejam filhos, sejam pais – enfrentamos mais dificuldades nesse esforço de elevação interior. Não há necessidade.

Por vezes, temos de ter uma vista mais abrangente da realidade para não sermos ingratos. Por exemplo, no caso dos pais que partem, apesar de tudo, devem ser valorizadas as experiências de vida comuns de numerosos anos, não o período de ausência material. Sentindo-as com gratidão, são um património espiritual valioso que a vida ofereceu, com peso mais elevado no prato da balança da sua presença do que no da sua ausência nas aulas práticas da vida terrena. Isto, num aspeto quantitativo, porque se considerarmos o aspeto qualitativo, isso recrudesce. O período de infância em que os nossos pais nos protegeram e educaram tem maior importância face à condição dependente das primeiras faixas etárias.

Há que mitigar a tristeza que a sua ausência material possa causar. Sem pressa e nos ritmos normais, a sabedoria da vida deverá permitir o reencontro, sendo certo que quem pense em abreviar a vida material na ideia de estar junto de quem ama apenas se distanciará mais tempo, adiando a oportunidade de reabraçar os seres amados. Aceitar as leis da natureza revela sabedoria. O percurso evolutivo entende-se em milhões de anos, nunca em algumas décadas.

 

Jorge Gomes, escritor e ex-vice-presidente da Federação Espírita Portuguesa, reside na cidade do Porto, Portugal. 


 
 

     
     

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 Revista Semanal de Divulgação Espírita