Enfrentando a solidão
Um fenômeno
contemporâneo mundial
que vem trazendo
crescente preocupação é
o da solidão. A
propósito, uma pesquisa
efetuada pela
consultoria Ipsos em
2020 revelou que,
especificamente no
Brasil, 36% dos
entrevistados disseram
se sentir sozinhos. No
resto da América Latina
os resultados foram
semelhantes, atingido a
taxa de 32% no Peru, 30%
no Chile e 25% no México
e na Argentina,
respectivamente.
Nos Estados Unidos, a
seu turno, o quadro é
igualmente alarmante,
pois quase um em cada
quatro jovens com mais
de 18 anos afirmam se
sentir quase sempre
solitários. Reforçando
esse cenário, as
ciências médicas já
descobriram que a
solidão prolongada pode
gerar vários distúrbios
ou doenças neurológicas
tais como paranoia,
declínio na memória e
função cognitiva,
sentimentos de
pessimismo e
hostilidade, depressão,
assim como diminuição na
capacidade de confiar em
outras pessoas, entre
outros sintomas.
Em resumo, cada vez mais
pessoas de diferentes
extratos sociais e
demográficos passam por
esse tipo de
experiência, até certo
ponto paradoxal, já que
pertencemos a uma raça
eminentemente gregária.
Seja como for, tornou-se
comum – e ao mesmo
chocante -, observar,
por exemplo, pessoas
pertencentes à terceira
idade nas grandes
cidades, praticamente se
arrastando nas calçadas
– certamente premidas
por doenças e/ou limites
físicos típicos da idade
- sozinhas carregando
suas compras com
acentuada dificuldade.
Estas estão
inegavelmente chegando
ao término das suas
jornadas corpóreas não
raro desprovidas de
companhia e atenção. É
verdade que há em alguns
lugares programas
públicos que atenuam um
pouco o rigor dessa
provação, mas são
insuficientes, já que a
população mundial
envelhece a olhos
vistos, e nem todos têm
parentes ou amigos que
podem lhes dar algum
tipo de suporte.
Portanto, não seria
exagero afirmar que a
solidão é uma dura
provação espiritual para
muitas pessoas. Claro
que há aqueles que
apreciam viver
solitariamente e, muitas
vezes, optam por isso de
maneira voluntária. No
entanto, chega um
momento da vida no qual
também eles necessitam
de suporte por parte de
alguém.
Evidentemente que as
causas da solidão são
inúmeras. Sem ter a
pretensão de dissecar
completamente o assunto,
podemos ao menos
considerar que há
pessoas que optam por um
estilo de vida que as
leva ao afastamento do
convívio social. O
Espírito Carlos Torres
Pastorino, por exemplo,
ressalta, na obra Impermanência
e Imortalidade (psicografia
de Divaldo Pereira
Franco), que “A solidão
que resulta da
necessidade objetiva de
presenças, de seguranças
e de posses, de
dominação e de poder
sempre permanecerá como
um vazio interior por
mais numerosos sejam as
pessoas, os tesouros
amoedados, as honrarias
e os destaques sociais,
por faltar o sentido de
plenificação que o
exterior nunca é capaz
de proporcionar”.
Nesse sentido, não seria
de se estranhar que
alguém imbuído de
valores tão perecíveis
tivesse que, no devido
tempo, enfrentar a
solidão por absoluta
incapacidade de algo
positivo construir, e
por afastar os seus
semelhantes através das
suas atitudes
egocêntricas. Pessoas em
tais condições
normalmente necessitam
de longo aprendizado
expiatório e burilamento
interior para
reconstruir as pontes da
amizade e afeto
sinceros.
Muitas outras, no
entanto, por razões
circunstanciais são
levadas a esse quadro
tais como a perda do
cônjuge, de entes
queridos, abandono dos
seus parentes, doenças
imprevistas etc. Mas
Deus não as submeteria a
tal experiência se não
fosse relevante às suas
necessidades
espirituais. Todavia, há
os que mesmo rodeados de
pessoas – inclusive
familiares – se sentem
sós. Nestes há
geralmente uma notória
falta de afinidades,
ideias e valores que, em
vez de fortalecer os
laços, os distanciam dos
demais.
Assim sendo e
independentemente da
causa, precisamos reagir
buscando extrair-lhe o
melhor possível. O
Espírito André Luiz
recomenda, no livro Respostas
da Vida (psicografia
de Francisco Cândido
Xavier), para nunca
menosprezarmos o valor
da nossa solidão “...a
fim de aproveitá-la em
meditação e reajuste das
próprias forças”. Com
efeito, essa não deixa
de ser uma providencial
oportunidade para nossas
mais profundas reflexões
e balanços. Avaliar os
nossos passos ao longo
da vida e ponderar sobre
as nossas atitudes e
deliberações ajudam-nos
a descortinar eventuais
falhas considerando que
somos seres ainda
imperfeitos. De fato, um
autoexame sincero e
crítico pode nos revelar
deficiências e fraquezas
em nossa alma carecendo
de reparos.
Para ilustrar o
argumento, vale
relembrar o que ocorreu
com o apóstolo Paulo,
após o seu breve e
extraordinário encontro
com Jesus às portas de
Damasco e causador,
aliás, de sua radical
transformação. Como
relata o Espírito
Emmanuel, em Paulo e
Estêvão (psicografia de
Francisco Cândido
Xavier), o até então
Doutor da Lei, cego,
abatido e profundamente
consternado, por
recomendação de Jesus
adentra a famosa cidade
com um colaborador no
aguardo da ansiosa cura.
Lá se hospeda numa
estalagem por três dias
e, solitário, empreende
graves meditações.
Conforme esclarece o
mentor, aquele breve
período de solidão foi,
no entanto, de “rigorosa
disciplina espiritual”.
Segundo a sua descrição
ainda,
“[...] Sua personalidade
dinâmica havia
estabelecido uma trégua
às atividades mundanas,
para examinar os erros
do passado, as
dificuldades do presente
e as realizações do
futuro. Precisa
ajustar-se à inelutável
reforma do seu eu. Na
angústia do espírito
sentia-se, de fato,
desamparado de todos os
amigos [...]. Agora
compreendia aquele
Cristo que viera ao
mundo principalmente
para os desventurados e
tristes do coração
[...]. As convenções
mundanas e os
preconceitos religiosos
proporcionavam-lhe uma
tranquilidade aparente;
mas, bastou a
intervenção da dor
imprevista para que
ajuizasse de suas
necessidades imensas.
Abismalmente concentrado
na cegueira que o
envolvia, orou com
fervor, recorreu a Deus
para que não o deixasse
sem socorro, pediu a
Jesus lhe clareasse a
mente atormentada pelas
ideias de angústia e
desamparo.”
No terceiro dia de
isolamento e preces
intensas, o hoteleiro,
enfim, anuncia-lhe a
visita de Ananias,
justamente a quem ele
perseguia de maneira
obsessiva e implacável,
e que, em nome de Jesus,
lhe restituí
milagrosamente a visão.
A solidão à qual Paulo
fora submetido
serviu-lhe de acicate
para mudanças
significativas nas
profundezas do seu ser e
que culminaram, como se
sabe, no seu desempenho
vital na divulgação do
Cristianismo ainda
incipiente.
Posto isto, Emmanuel, na
obra Coragem (também
psicografada por
Francisco Cândido
Xavier), argumenta que
se cremos em Deus, não
há como sentirmos
solidão ou tristeza uma
vez que há uma ligação
nossa com todo o
Universo alicerçada nos
laços inquebrantáveis de
amor e de esperança que
conectam todas as
pessoas. Mas se a
experiência da solitude,
por razões
desconhecidas, se impõe
em nossas existências,
tentemos superá-la
buscando uma maior
integração com nossos
parentes, amigos e a
comunidade onde vivemos
(aliás, o isolamento
consciente só tende a
piorar o nosso quadro).
Dentro de nossas
possibilidades busquemos
igualmente o engajamento
em atividades que ocupem
o nosso tempo e a nossa
mente de forma salutar.
Tanto quanto possível
mergulhemos na natureza
para absorver o seu ar
perfumado e contemplar a
sua flora dadivosa –
claros sinais de Deus e
suas obras.
Por fim, recorramos com
frequência às
energizantes preces,
meditações e leituras,
que sempre nos
abastecem. É muito
provável que em dado
momento de nossas vidas
venhamos a nos sentir
sós, mas se essa hora
chegar, estejamos
preparados com a força
da nossa fé e confiança
na providência divina
que nos proverá.
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