Verdades, meias-verdades e mentiras
Este tema mereceu atenção especial de Allan Kardec na
elaboração da Codificação Espírita, dedicando vários
alertas apoiados nos ensinamentos e exemplos deixados
pelo Cristo em sua missão na Terra e nos esclarecimentos
dos Espíritos Superiores sob a orientação do Espírito de
Verdade.
Pelo dicionário, verdade é propriedade de estar de
acordo com o fato ou a realidade. Ela pode ser uma
resposta científica comprovada pela análise de fatos,
fenômenos e dados, com conclusões baseadas em
evidências, as quais podem ser repetidas por outros
pesquisadores no alcance dos mesmos resultados.
Para filósofos, um dos problemas é estabelecer o que é
verdadeiro ou falso, considerando o seu portador. Para
outra corrente, a verdade é relativa, porquanto ela pode
ser verdade para algumas pessoas e para outras não,
dependendo da perspectiva de vida e do contexto de cada
um.
Meias-verdades podem se relacionar a afirmações que
omitem parte dos fatos ou das informações com o objetivo
de enganar, iludir ou deturpar, ou seja, elas podem
incluir algum elemento de verdade ou falsidade,
normalmente, com duplo sentido.
Juvanir Borges de Souza, no livro Tempo de renovação,
no Capítulo 39, em “Meias-Verdades”, trata das
distorções das verdades que se transformam em
dissimulação e erro.
Para o autor, as meias-verdades misturam afirmações
verdadeiras com distorções, falsas interpretações e
desveladas mentiras, formando uma teia capaz de envolver
distraídos, indiferentes e desinformados. Esses
artifícios confundem o interlocutor com argumentos
aparentemente seguros, conduzindo o raciocínio
desprevenido a aceitar suas afirmativas e sugestões.
Juvanir comenta a
preocupação de Allan Kardec para a “autodefesa
de quantos desejam abeberar-se nas fontes límpidas das
verdades sem máculas, seja no intercâmbio mediúnico, nas
interações humanas, ou no vasto império da informática”.
Ele recomenda constante vigilância para não se deixar
enganar, vigilância espiritual, permanente atenção
intelectual sobre as informações que chegam, prudência,
estudo e atenção. Ressalta que sempre estaremos sujeitos
a erros, mas o esforço transformado em hábito, para não
se deixar enganar, poupará retificações do enraizamento
que as falsidades produzem no Espírito.
Ao final do texto, expressa que uma das formas de
despertar espiritualmente as pessoas consiste na
vivência dos princípios aceitos conscientemente como
verdadeiros do Evangelho de Jesus. Qualquer que seja
nosso nível evolutivo, o Evangelho de Jesus, à luz do
Consolador, capacita a distinguir a verdade dentro da
relatividade em que ela é revelada, norteando para a paz
e a iluminação interior, despertando o aprendiz aplicado
e sincero, transformando-o em barreira contra o erro, o
vício, a maldade, o desvio ou a meia-verdade.
Teoremas da incompletude de Kurt Gödel
Quanto a comprovar uma verdade, destacam-se os teoremas
da incompletude de Kurt Gödel, em que o matemático, em
1931, demonstrou que a aritmética sempre vai padecer de
uma das seguintes limitações: será incompleta, porque
haverá teoremas que são verdades, mas não podem ser
provados; ou será inconsistente, com contradições, como
um teorema que é verdadeiro e falso ao mesmo tempo.
O pensamento dominante é que uma hipótese comprovada
seja verdade. Mas, contrariando esse pensamento, Gödel
mostrou que qualquer conjunto de axiomas consistente,
que não dá origem a contradições, sofre de falha fatal:
ele dá origem a teoremas que não podem ser provados.
Para uma afirmação que não pode ser provada, é natural
considerá-la falsa, pois tudo pode ser provado.
No entanto, se a afirmação fosse falsa, significaria que
sua falsidade poderia ser provada. Mas, sabemos que não
pode ser provada por sua afirmação. Se ela não pode ser
provada, então não pode ser falsa. Portanto, ela pode
ser verdadeira.
Por essa lógica, Gödel sustentou que a aritmética
conterá uma afirmação verdadeira que não pode ser
provada no próprio sistema e isso torna a aritmética
incompleta. Então, existem verdades que não podem ser
provadas, mas elas não são falsas.
Falsos profetas
Jesus disse: “Tende cuidado para que alguém não vos
seduza; porque muitos virão em meu nome, dizendo: ‘eu
sou o Cristo’, e seduzirão a muitos. Levantar-se-ão
muitos falsos profetas que seduzirão a muitas pessoas; e
porque abundará a iniquidade, a caridade de muitos
esfriará. Mas aquele que perseverar até o fim se
salvará. Então, se alguém vos disser: ‘o Cristo está
aqui, ou está ali’, não acrediteis absolutamente;
porquanto falsos cristos e falsos profetas se levantarão
e farão grandes prodígios e coisas de espantar, ao ponto
de seduzirem, se fosse possível, os próprios
escolhidos”. (Mateus, 24: 4, 5, 11 a 13, 23 e 24;
Marcos, 13: 5, 6, 21 e 22)
O alerta do Mestre é oportuno, porquanto falsos profetas
poderão enganar e arrastar pessoas, nações e até os
escolhidos.
Na história, muitos valeram-se de falsos discursos,
promessas vãs, ilusões ou teorias falhas,
atribuindo-lhes poder divino, prodígios ou milagres,
apresentando-se como reformadores e messias, com a
finalidade de enganar.
O verdadeiro profeta é um homem de bem, inspirado por
Deus. Podemos reconhecê-lo por suas palavras e pelos
seus atos. Impossível Deus servir-se de boca mentirosa
para ensinar a verdade. Os verdadeiros profetas são
Espíritos adiantados que fizeram suas provas noutras
existências. O missionário divino é reconhecido pela
superioridade em inteligência, moralidade, virtudes,
grandeza e influência moralizadora de suas obras.
Já os falsos profetas se
dizem investidos de poder divino e possuidores da
verdade, ao mesmo tempo em que se mostram orgulhosos,
vaidosos, cheios de si, falam com altivez e parecem
temerosos de que não lhes deem crédito.
Como no passado,
continuará havendo falsos profetas, procurando
desviarmos do caminho da verdade e da vida preconizada
pelo Mestre Jesus. A melhor prevenção é seguir os
exemplos e os ensinamentos de Jesus: árvore boa somente
dá bons frutos, não há como árvores más dar bons frutos. Nada
que seja puro pode provir de fonte má. É assim que
devemos julgar. São as obras que devemos examinar.
Desconfiem dos que pretendem ter o monopólio da verdade,
mantendo-se em guarda para não cair em tentação dos
falsos profetas.
Controle de veracidade das revelações espíritas
Para garantir a veracidade, Kardec estabeleceu um
controle dos ensinos dos Espíritos pela universalidade e
concordância de suas revelações, ou seja, a garantia
pela concordância das revelações dos Espíritos que eles
façam espontaneamente, mediante grande número de
médiuns, estranhos uns aos outros, e de vários lugares.
Ademais, a Doutrina Espírita é dinâmica, acompanhando o
progresso humano, os avanços da Ciência e a
paulatinidade das revelações espíritas, porquanto a
moral e a inteligência são duas forças que só com o
tempo chegam a se equilibrar, cujos avanços permitem
absorver mais conhecimentos e verdades. Por isso, o
Espiritismo veio, na época predita, cumprir a promessa
do Cristo, quando a Humanidade pudesse absorver as
revelações espirituais de algumas verdades.
Nesse contexto, o Espiritismo ou a Doutrina Espírita é
representada pela Codificação Espírita, de Allan Kardec,
a 3ª Revelação presidida pelo Espírito de Verdade, com o
auxílio de Espíritos Superiores, desvendando coisas
espirituais que o homem não pode descobrir por si mesmo.
Ela é produto da construção coletiva, formado pelo
conjunto dos seres do mundo espiritual, cada um trazendo
o tributo de suas luzes aos homens, para lhes tornar
conhecido esse mundo e a sorte que os espera.
Revelações espíritas, no plural, referem-se à dinâmica e
à progressividade dessas revelações, englobando a
Codificação Espírita e os conhecimentos e
esclarecimentos posteriores, advindos da literatura
espírita complementar. Isso porque a Doutrina Espírita
não foi ditada completa, nem imposta à crença cega,
porque é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação
dos fatos que os Espíritos põem sob os olhos e das
instruções que dão. Essas revelações são incessantes,
complementares e acumulativas de conhecimentos, sendo
transmitidas por diversos meios e médiuns.
Pode-se dizer que as revelações espíritas seguem um
plano divino de evolução da Humanidade, o que precisamos
para o progresso moral e espiritual rumo à perfeição.
Diante de inúmeras
comunicações, mensagens e revelações espirituais
atribuídas a certos Espíritos, Kardec escreveu acerca de
confiabilidade e veracidade para prevenir seus leitores,
trazendo luz em como devemos agir diante dessas
situações, tais como nos
livros A Gênese; O Evangelho Segundo o Espiritismo; O
Livro dos Espíritos; O Livro dos Médiuns; e O que
é o Espiritismo.
Em A Gênese, Kardec esclarece que somente os
Espíritos puros recebem a palavra de Deus com a missão
de transmiti-la, mas sabemos que nem todos os Espíritos
são perfeitos e que existem muitos que se apresentam sob
falsas aparências, o que levou João a dizer: “não
acrediteis em todos os espíritos; vede antes se os
espíritos são de Deus” (1ª Epístola de João, 4: 1).
Portanto, pode haver revelações sérias e verdadeiras
como existem as apócrifas e mentirosas. O caráter
essencial da revelação divina é a da eterna verdade.
Toda revelação contaminada de erros ou sujeita a
alterações não pode emanar de Deus.
Kardec esclarece que as comunicações que recebemos dos
Espíritos podem ser boas ou más, justas ou falsas,
profundas ou frívolas, de acordo com a natureza daqueles
que se manifestam. As comunicações que dão provas de
sabedoria e erudição são de Espíritos adiantados e as
que mostram inferioridades são de Espíritos atrasados.
Importante destacar que os Espíritos somente conseguem
responder o que sabem, conforme seus adiantamentos, e
dentro dos limites a eles permitido dizer, porque há
coisas que não devem ser reveladas, por não ser o
momento de o ser humano conhecer.
Da diversidade de graus da escala de evolução Espírita,
não basta dirigirmos a um Espírito qualquer para obter
uma resposta segura para qualquer questão. Isso porque,
sobre certas coisas, ele não pode dar mais que uma
opinião pessoal, podendo ser correta ou errada. Kardec
recomenda prudência para aceitar sem exame tudo o que
vem dos Espíritos, pois é preciso conhecer o caráter com
quem nos comunicamos. Para tanto, deve-se analisar os
Espíritos por sua linguagem.
Os Espíritos verdadeiramente bons e superiores utilizam
linguagem digna, nobre, lógica e isenta de contradições,
eivada de sabedoria, benevolência, modéstia e pura
moral. Essa linguagem é concisa e despida de
redundâncias. Os bons Espíritos nos atraem para o bem,
nos sustentam nas provas da vida e nos ajudam a
suportá-las com coragem e resignação. Logo, as
comunicações ou revelações de bons Espíritos nos dão
confiança, consolo, fé, alegria e resignação nas provas
e expiações.
Na linguagem dos Espíritos inferiores, ignorantes ou
orgulhosos, há o vácuo de ideias e quase sempre é
preenchida pela abundância de palavras. Os maus nos
impelem para o mal. É um prazer ver-nos sucumbir. Por
conseguinte, as comunicações ou revelações de Espíritos
inferiores nos deixam aflitos, ansiosos, deprimidos,
derrubando-nos em nossas provas e expiações.
Kardec, em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, aborda
sobre a autoridade da Doutrina Espírita e o controle
universal do ensinamento dos Espíritos. O Codificador
afirma que se os Espíritos tivessem revelado a Doutrina
Espírita a um único homem, nada poderia lhe garantir a
origem, pois seria preciso acreditar na palavra daquele
que a tivesse recebido.
Um homem pode ser enganado ou enganar a si mesmo. Porém,
não há como enganar milhões de pessoas quando elas veem
e ouvem a mesma coisa em vários lugares e ao mesmo
tempo. Isto é uma garantia para cada um e a todos.
Portanto, são os próprios Espíritos que fazem a
propagação do Espiritismo, com o auxílio de incontáveis
médiuns que surgem de todos os lados.
A força do Espiritismo reside na maneira universal com
que os Espíritos passam seus ensinamentos, sendo também
essa a causa de sua rápida propagação.
O primeiro exame a ser submetido do que vem dos
Espíritos é a razão, porquanto toda teoria que contrarie
o bom senso, a lógica e os conhecimentos adquiridos deve
ser rejeitada, por mais respeitável que seja o autor da
mensagem.
A única garantia segura do ensino dos Espíritos está na
concordância das revelações, feitas espontaneamente por
grande número de médiuns, estranhos uns aos outros, e em
diversos lugares.
Outra questão é a identidade dos Espíritos, sendo uma
das grandes dificuldades do Espiritismo prático, sendo
muitas vezes impossível verificá-la, sobretudo quando se
trata de Espíritos superiores, antigos relativamente à
nossa época.
Entre os que se manifestam, muitos não têm nomes para
nós, mas para fixar as nossas ideias, eles podem tomar o
de um Espírito conhecido, da mesma categoria da sua.
Contudo, essa questão da identidade é inteiramente
secundária, pois o que importa é a natureza do ensino,
se é bom ou mau, digno ou indigno da personagem que o
assina.
A identidade é de mais fácil verificação quando se trata
de Espíritos contemporâneos, cujo caráter e hábitos
sejam conhecidos, porque é por esses mesmos hábitos e
particularidades da vida privada que a identidade se
revela mais seguramente e, muitas vezes, de modo
incontestável.
Quando se evoca parente ou amigo, é a personalidade que
interessa, sendo natural buscar-se reconhecer a
identidade. Ela se revela nos detalhes íntimos quando
entra espontaneamente com as pessoas a quem ama. São as
melhores provas.
Entretanto, o Espírito demonstra a sua identidade como
quer e pode, segundo o gênero de faculdade do seu
intérprete e, às vezes, essas provas são
superabundantes. O erro está em querer que ele as dê,
como deseja o evocador; é então que ele recusa
sujeitar-se às exigências.
Em O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, a
resposta do Espírito Erasto à questão 230 ensina: “Na
dúvida, abstém-te, diz um dos vossos velhos provérbios.
Não admitais, portanto, senão o que seja, aos vossos
olhos, de manifesta evidência. Desde que uma opinião
nova venha a ser expendida, por pouco que vos pareça
duvidosa, fazei-a passar pelo crisol da razão e da
lógica e rejeitai desassombradamente o que a razão e o
bom senso reprovarem. Melhor é repelir dez verdades do
que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea.
Efetivamente, sobre essa teoria poderíeis edificar um
sistema completo, que desmoronaria ao primeiro sopro da
verdade, como um monumento edificado sobre areia
movediça, ao passo que, se rejeitardes hoje algumas
verdades, porque não vos são demonstradas clara e
logicamente, mais tarde um fato brutal ou uma
demonstração irrefutável virá afirmar-vos a sua
autenticidade.”
Assim, nesse momento de transição planetária, é preciso
agir com cuidado para não sermos envolvidos e enganados
por meias-verdades, mentiras, falsos profetas e
hipócritas, porque, submetidos ao peso das provações,
estaremos mais expostos e fragilizados.
As vozes do mundo espiritual conclamam os trabalhadores
do bem à vigilância e à oração, como forma de se
neutralizar as incursões do mal.
Permanecendo na Palavra e conhecendo a verdade divina,
na busca da transformação moral libertadora, a
perseverança e a vigilância surgem como essenciais
preceitos de conduta nas lutas renovadoras, das quais
somos convocados a fazer as escolhas mais acertadas em
prol dos mais elevados sentimentos de fraternidade
universal, pela prática da caridade para conosco e aos
nossos semelhantes. A retidão de comportamentos,
atitudes e procedimentos no caminho do bem e da caridade
terá um efeito aglutinador pela fé e confiança, valendo
mais do que mil palavras.
Dessa forma, cresce de importância a vigilância e a
dedicação aos estudos doutrinários espíritas, para se
obter os entendimentos do Evangelho Redivivo, mediante a
correta assimilação dos verdadeiros entendimentos,
exemplos e princípios.
Bibliografia:
BÍBLIA SAGRADA.
KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto
Bezerra. A Gênese. 2ª Edição. Brasília/DF:
Federação Espírita Brasileira, 2013.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon
Ribeiro. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª
Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira,
2019.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon
Ribeiro. O Livro dos Médiuns. 1ª Edição.
Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon
Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 1ª Edição.
Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
SOUZA, Juvanir Borges de. Tempo de
renovação. 3ª Edição. Rio de Janeiro/RJ: Federação
Espírita Brasileira, 2002.
VAIANO, Bruno. Revista Super
Interessante: Os teoremas da incompletude de
Gödel. 421ª Edição. São Paulo/SP: Abril Editora,
novembro de 2020. (p. 60 a p. 65)
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