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por Juan Carlos Orozco

Verdades, meias-verdades e mentiras

 

Este tema mereceu atenção especial de Allan Kardec na elaboração da Codificação Espírita, dedicando vários alertas apoiados nos ensinamentos e exemplos deixados pelo Cristo em sua missão na Terra e nos esclarecimentos dos Espíritos Superiores sob a orientação do Espírito de Verdade.

Pelo dicionário, verdade é propriedade de estar de acordo com o fato ou a realidade. Ela pode ser uma resposta científica comprovada pela análise de fatos, fenômenos e dados, com conclusões baseadas em evidências, as quais podem ser repetidas por outros pesquisadores no alcance dos mesmos resultados.

Para filósofos, um dos problemas é estabelecer o que é verdadeiro ou falso, considerando o seu portador. Para outra corrente, a verdade é relativa, porquanto ela pode ser verdade para algumas pessoas e para outras não, dependendo da perspectiva de vida e do contexto de cada um.

Meias-verdades podem se relacionar a afirmações que omitem parte dos fatos ou das informações com o objetivo de enganar, iludir ou deturpar, ou seja, elas podem incluir algum elemento de verdade ou falsidade, normalmente, com duplo sentido.

Juvanir Borges de Souza, no livro Tempo de renovação, no Capítulo 39, em “Meias-Verdades”, trata das distorções das verdades que se transformam em dissimulação e erro.

Para o autor, as meias-verdades misturam afirmações verdadeiras com distorções, falsas interpretações e desveladas mentiras, formando uma teia capaz de envolver distraídos, indiferentes e desinformados. Esses artifícios confundem o interlocutor com argumentos aparentemente seguros, conduzindo o raciocínio desprevenido a aceitar suas afirmativas e sugestões.

Juvanir comenta a preocupação de Allan Kardec para a “autodefesa de quantos desejam abeberar-se nas fontes límpidas das verdades sem máculas, seja no intercâmbio mediúnico, nas interações humanas, ou no vasto império da informática”.

Ele recomenda constante vigilância para não se deixar enganar, vigilância espiritual, permanente atenção intelectual sobre as informações que chegam, prudência, estudo e atenção. Ressalta que sempre estaremos sujeitos a erros, mas o esforço transformado em hábito, para não se deixar enganar, poupará retificações do enraizamento que as falsidades produzem no Espírito.

Ao final do texto, expressa que uma das formas de despertar espiritualmente as pessoas consiste na vivência dos princípios aceitos conscientemente como verdadeiros do Evangelho de Jesus. Qualquer que seja nosso nível evolutivo, o Evangelho de Jesus, à luz do Consolador, capacita a distinguir a verdade dentro da relatividade em que ela é revelada, norteando para a paz e a iluminação interior, despertando o aprendiz aplicado e sincero, transformando-o em barreira contra o erro, o vício, a maldade, o desvio ou a meia-verdade.

Teoremas da incompletude de Kurt Gödel

Quanto a comprovar uma verdade, destacam-se os teoremas da incompletude de Kurt Gödel, em que o matemático, em 1931, demonstrou que a aritmética sempre vai padecer de uma das seguintes limitações: será incompleta, porque haverá teoremas que são verdades, mas não podem ser provados; ou será inconsistente, com contradições, como um teorema que é verdadeiro e falso ao mesmo tempo.

O pensamento dominante é que uma hipótese comprovada seja verdade. Mas, contrariando esse pensamento, Gödel mostrou que qualquer conjunto de axiomas consistente, que não dá origem a contradições, sofre de falha fatal: ele dá origem a teoremas que não podem ser provados. Para uma afirmação que não pode ser provada, é natural considerá-la falsa, pois tudo pode ser provado.

No entanto, se a afirmação fosse falsa, significaria que sua falsidade poderia ser provada. Mas, sabemos que não pode ser provada por sua afirmação. Se ela não pode ser provada, então não pode ser falsa. Portanto, ela pode ser verdadeira.

Por essa lógica, Gödel sustentou que a aritmética conterá uma afirmação verdadeira que não pode ser provada no próprio sistema e isso torna a aritmética incompleta. Então, existem verdades que não podem ser provadas, mas elas não são falsas.

Falsos profetas

Jesus disse: “Tende cuidado para que alguém não vos seduza; porque muitos virão em meu nome, dizendo: ‘eu sou o Cristo’, e seduzirão a muitos. Levantar-se-ão muitos falsos profetas que seduzirão a muitas pessoas; e porque abundará a iniquidade, a caridade de muitos esfriará. Mas aquele que perseverar até o fim se salvará. Então, se alguém vos disser: ‘o Cristo está aqui, ou está ali’, não acrediteis absolutamente; porquanto falsos cristos e falsos profetas se levantarão e farão grandes prodígios e coisas de espantar, ao ponto de seduzirem, se fosse possível, os próprios escolhidos”. (Mateus, 24: 4, 5, 11 a 13, 23 e 24; Marcos, 13: 5, 6, 21 e 22)

O alerta do Mestre é oportuno, porquanto falsos profetas poderão enganar e arrastar pessoas, nações e até os escolhidos.

Na história, muitos valeram-se de falsos discursos, promessas vãs, ilusões ou teorias falhas, atribuindo-lhes poder divino, prodígios ou milagres, apresentando-se como reformadores e messias, com a finalidade de enganar.

O verdadeiro profeta é um homem de bem, inspirado por Deus. Podemos reconhecê-lo por suas palavras e pelos seus atos. Impossível Deus servir-se de boca mentirosa para ensinar a verdade. Os verdadeiros profetas são Espíritos adiantados que fizeram suas provas noutras existências. O missionário divino é reconhecido pela superioridade em inteligência, moralidade, virtudes, grandeza e influência moralizadora de suas obras.

Já os falsos profetas se dizem investidos de poder divino e possuidores da verdade, ao mesmo tempo em que se mostram orgulhosos, vaidosos, cheios de si, falam com altivez e parecem temerosos de que não lhes deem crédito.

Como no passado, continuará havendo falsos profetas, procurando desviarmos do caminho da verdade e da vida preconizada pelo Mestre Jesus. A melhor prevenção é seguir os exemplos e os ensinamentos de Jesus: árvore boa somente dá bons frutos, não há como árvores más dar bons frutos. Nada que seja puro pode provir de fonte má. É assim que devemos julgar. São as obras que devemos examinar. Desconfiem dos que pretendem ter o monopólio da verdade, mantendo-se em guarda para não cair em tentação dos falsos profetas.

Controle de veracidade das revelações espíritas

Para garantir a veracidade, Kardec estabeleceu um controle dos ensinos dos Espíritos pela universalidade e concordância de suas revelações, ou seja, a garantia pela concordância das revelações dos Espíritos que eles façam espontaneamente, mediante grande número de médiuns, estranhos uns aos outros, e de vários lugares.

Ademais, a Doutrina Espírita é dinâmica, acompanhando o progresso humano, os avanços da Ciência e a paulatinidade das revelações espíritas, porquanto a moral e a inteligência são duas forças que só com o tempo chegam a se equilibrar, cujos avanços permitem absorver mais conhecimentos e verdades. Por isso, o Espiritismo veio, na época predita, cumprir a promessa do Cristo, quando a Humanidade pudesse absorver as revelações espirituais de algumas verdades.

Nesse contexto, o Espiritismo ou a Doutrina Espírita é representada pela Codificação Espírita, de Allan Kardec, a 3ª Revelação presidida pelo Espírito de Verdade, com o auxílio de Espíritos Superiores, desvendando coisas espirituais que o homem não pode descobrir por si mesmo. Ela é produto da construção coletiva, formado pelo conjunto dos seres do mundo espiritual, cada um trazendo o tributo de suas luzes aos homens, para lhes tornar conhecido esse mundo e a sorte que os espera.

Revelações espíritas, no plural, referem-se à dinâmica e à progressividade dessas revelações, englobando a Codificação Espírita e os conhecimentos e esclarecimentos posteriores, advindos da literatura espírita complementar. Isso porque a Doutrina Espírita não foi ditada completa, nem imposta à crença cega, porque é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos põem sob os olhos e das instruções que dão. Essas revelações são incessantes, complementares e acumulativas de conhecimentos, sendo transmitidas por diversos meios e médiuns.

Pode-se dizer que as revelações espíritas seguem um plano divino de evolução da Humanidade, o que precisamos para o progresso moral e espiritual rumo à perfeição.

Diante de inúmeras comunicações, mensagens e revelações espirituais atribuídas a certos Espíritos, Kardec escreveu acerca de confiabilidade e veracidade para prevenir seus leitores, trazendo luz em como devemos agir diante dessas situações, tais como nos livros A Gênese; O Evangelho Segundo o Espiritismo; O Livro dos Espíritos; O Livro dos Médiuns; e O que é o Espiritismo.

Em A Gênese, Kardec esclarece que somente os Espíritos puros recebem a palavra de Deus com a missão de transmiti-la, mas sabemos que nem todos os Espíritos são perfeitos e que existem muitos que se apresentam sob falsas aparências, o que levou João a dizer: “não acrediteis em todos os espíritos; vede antes se os espíritos são de Deus” (1ª Epístola de João, 4: 1). Portanto, pode haver revelações sérias e verdadeiras como existem as apócrifas e mentirosas. O caráter essencial da revelação divina é a da eterna verdade. Toda revelação contaminada de erros ou sujeita a alterações não pode emanar de Deus.

Kardec esclarece que as comunicações que recebemos dos Espíritos podem ser boas ou más, justas ou falsas, profundas ou frívolas, de acordo com a natureza daqueles que se manifestam. As comunicações que dão provas de sabedoria e erudição são de Espíritos adiantados e as que mostram inferioridades são de Espíritos atrasados.

Importante destacar que os Espíritos somente conseguem responder o que sabem, conforme seus adiantamentos, e dentro dos limites a eles permitido dizer, porque há coisas que não devem ser reveladas, por não ser o momento de o ser humano conhecer.

Da diversidade de graus da escala de evolução Espírita, não basta dirigirmos a um Espírito qualquer para obter uma resposta segura para qualquer questão. Isso porque, sobre certas coisas, ele não pode dar mais que uma opinião pessoal, podendo ser correta ou errada. Kardec recomenda prudência para aceitar sem exame tudo o que vem dos Espíritos, pois é preciso conhecer o caráter com quem nos comunicamos. Para tanto, deve-se analisar os Espíritos por sua linguagem.

Os Espíritos verdadeiramente bons e superiores utilizam linguagem digna, nobre, lógica e isenta de contradições, eivada de sabedoria, benevolência, modéstia e pura moral. Essa linguagem é concisa e despida de redundâncias. Os bons Espíritos nos atraem para o bem, nos sustentam nas provas da vida e nos ajudam a suportá-las com coragem e resignação. Logo, as comunicações ou revelações de bons Espíritos nos dão confiança, consolo, fé, alegria e resignação nas provas e expiações.

Na linguagem dos Espíritos inferiores, ignorantes ou orgulhosos, há o vácuo de ideias e quase sempre é preenchida pela abundância de palavras. Os maus nos impelem para o mal. É um prazer ver-nos sucumbir. Por conseguinte, as comunicações ou revelações de Espíritos inferiores nos deixam aflitos, ansiosos, deprimidos, derrubando-nos em nossas provas e expiações.

Kardec, em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, aborda sobre a autoridade da Doutrina Espírita e o controle universal do ensinamento dos Espíritos. O Codificador afirma que se os Espíritos tivessem revelado a Doutrina Espírita a um único homem, nada poderia lhe garantir a origem, pois seria preciso acreditar na palavra daquele que a tivesse recebido.

Um homem pode ser enganado ou enganar a si mesmo. Porém, não há como enganar milhões de pessoas quando elas veem e ouvem a mesma coisa em vários lugares e ao mesmo tempo. Isto é uma garantia para cada um e a todos. Portanto, são os próprios Espíritos que fazem a propagação do Espiritismo, com o auxílio de incontáveis médiuns que surgem de todos os lados.

A força do Espiritismo reside na maneira universal com que os Espíritos passam seus ensinamentos, sendo também essa a causa de sua rápida propagação.

O primeiro exame a ser submetido do que vem dos Espíritos é a razão, porquanto toda teoria que contrarie o bom senso, a lógica e os conhecimentos adquiridos deve ser rejeitada, por mais respeitável que seja o autor da mensagem.

A única garantia segura do ensino dos Espíritos está na concordância das revelações, feitas espontaneamente por grande número de médiuns, estranhos uns aos outros, e em diversos lugares.

Outra questão é a identidade dos Espíritos, sendo uma das grandes dificuldades do Espiritismo prático, sendo muitas vezes impossível verificá-la, sobretudo quando se trata de Espíritos superiores, antigos relativamente à nossa época.

Entre os que se manifestam, muitos não têm nomes para nós, mas para fixar as nossas ideias, eles podem tomar o de um Espírito conhecido, da mesma categoria da sua. Contudo, essa questão da identidade é inteiramente secundária, pois o que importa é a natureza do ensino, se é bom ou mau, digno ou indigno da personagem que o assina.

A identidade é de mais fácil verificação quando se trata de Espíritos contemporâneos, cujo caráter e hábitos sejam conhecidos, porque é por esses mesmos hábitos e particularidades da vida privada que a identidade se revela mais seguramente e, muitas vezes, de modo incontestável.

Quando se evoca parente ou amigo, é a personalidade que interessa, sendo natural buscar-se reconhecer a identidade. Ela se revela nos detalhes íntimos quando entra espontaneamente com as pessoas a quem ama. São as melhores provas.

Entretanto, o Espírito demonstra a sua identidade como quer e pode, segundo o gênero de faculdade do seu intérprete e, às vezes, essas provas são superabundantes. O erro está em querer que ele as dê, como deseja o evocador; é então que ele recusa sujeitar-se às exigências.

Em O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, a resposta do Espírito Erasto à questão 230 ensina: “Na dúvida, abstém-te, diz um dos vossos velhos provérbios. Não admitais, portanto, senão o que seja, aos vossos olhos, de manifesta evidência. Desde que uma opinião nova venha a ser expendida, por pouco que vos pareça duvidosa, fazei-a passar pelo crisol da razão e da lógica e rejeitai desassombradamente o que a razão e o bom senso reprovarem. Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea. Efetivamente, sobre essa teoria poderíeis edificar um sistema completo, que desmoronaria ao primeiro sopro da verdade, como um monumento edificado sobre areia movediça, ao passo que, se rejeitardes hoje algumas verdades, porque não vos são demonstradas clara e logicamente, mais tarde um fato brutal ou uma demonstração irrefutável virá afirmar-vos a sua autenticidade.”

Assim, nesse momento de transição planetária, é preciso agir com cuidado para não sermos envolvidos e enganados por meias-verdades, mentiras, falsos profetas e hipócritas, porque, submetidos ao peso das provações, estaremos mais expostos e fragilizados.

As vozes do mundo espiritual conclamam os trabalhadores do bem à vigilância e à oração, como forma de se neutralizar as incursões do mal.

Permanecendo na Palavra e conhecendo a verdade divina, na busca da transformação moral libertadora, a perseverança e a vigilância surgem como essenciais preceitos de conduta nas lutas renovadoras, das quais somos convocados a fazer as escolhas mais acertadas em prol dos mais elevados sentimentos de fraternidade universal, pela prática da caridade para conosco e aos nossos semelhantes. A retidão de comportamentos, atitudes e procedimentos no caminho do bem e da caridade terá um efeito aglutinador pela fé e confiança, valendo mais do que mil palavras.

Dessa forma, cresce de importância a vigilância e a dedicação aos estudos doutrinários espíritas, para se obter os entendimentos do Evangelho Redivivo, mediante a correta assimilação dos verdadeiros entendimentos, exemplos e princípios.

 

Bibliografia:

BÍBLIA SAGRADA.

KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto Bezerra. A Gênese. 2ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2013.

KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.

KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Médiuns. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.

KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.

SOUZA, Juvanir Borges de. Tempo de renovação. 3ª Edição. Rio de Janeiro/RJ: Federação Espírita Brasileira, 2002.

VAIANO, Bruno. Revista Super Interessante: Os teoremas da incompletude de Gödel. 421ª Edição. São Paulo/SP: Abril Editora, novembro de 2020. (p. 60 a p. 65)

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita