O desenvolvimento da criança
A leitura sobre as posições teóricas principais do
desenvolvimento da criança, revela que a base do
pensamento é uma visão estritamente biológica sobre o
homem, ou seja, temos até o presente momento uma visão
materialista sobre a chamada psicogênese. A
concepção espírita é espiritualista, considerando o
homem uma alma imortal e a vida como criação de Deus. E
antecipando-se a todas as formulações teóricas do século
vinte, no ano de 1857 o Espiritismo assentava as bases
do desenvolvimento psicogenético da criança, como
podemos verificar na questão 351 de O Livro dos
Espíritos:
No intervalo da concepção ao nascimento, o Espírito goza
de todas as suas faculdades?
– Mais ou menos, segundo a fase, porque não está ainda
encarnado, mas ligado ao corpo. Desde o instante da
concepção, a perturbação começa a envolver o Espírito,
advertindo-o assim de que chegou o momento de tomar uma
nova existência; essa perturbação vai crescendo até o
nascimento. Nesse intervalo, seu estado é mais ou menos
de um Espírito encarnado, durante o sono do corpo. À
medida que o momento do nascimento se aproxima, suas
ideias se apagam, assim como a lembrança do passado se
apaga desde que entrou na vida. Mas essa lembrança lhe
volta pouco a pouco à memória, no seu estado de espírito.
A concepção espírita visualiza o início do processo
de desenvolvimento do homem no instante da concepção, ou
seja, quando temos a união da alma com o corpo. Nenhum
teórico, nenhum pesquisador sequer pensou sobre isso.
Todos iniciam suas deduções a partir do nascimento,
ignorando completamente a fase da gestação. Embora
envolvido pela perturbação do processo de preparação e
ligação com o embrião, o Espírito conserva suas ideias,
nunca perde sua individualidade. No tocante às ideias,
aos conhecimentos e à percepção de si mesmo, vai
entrando pouco a pouco num estado de sonolência, onde
tem dificuldade de manter-se pleno, pois psiquicamente
está transferindo o passado para o subconsciente,
deixando na consciência apenas as estruturas necessárias
para desenvolver a nova personalidade. Lembremos que
estamos falando do processo de uma forma geral, pois a
individualidade é única, por isso cada caso é um caso,
como se costuma dizer.
A resposta dada à pergunta de Kardec levanta ainda outra
questão: nada se perde, pois se assim acontecesse, já
não teríamos a individualidade imortal que preexiste e
subsiste, e sim uma nova alma começando do início, o que
não sucede, pois o corpo procede do corpo, mas o
espírito não procede do espírito. Na medida em que, após
o nascimento, domina o corpo, o Espírito readquire, em
seu estado normal, a lembrança de seu passado, sempre de
acordo com suas necessidades e sua missão na Terra, sem
que isso venha a prejudicar sua atual existência. Esse
estado normal é vislumbrado nos sonhos, quando, através
do sono, o Espírito se desprende parcialmente do corpo e
pode vagar pelo mundo espiritual.
O psiquismo do ser humano é, portanto, complexo, pois é
um ser interexistente: é uma alma num corpo. Ao mesmo
tempo que inicia a aquisição de novos aprendizados,
trabalha com os aprendizados que já traz das suas
ulteriores existências, que espocam nas ideias inatas e
nas tendências de caráter. E após o nascimento? Como se
dá o desenvolvimento desse ser? A visão espírita tem
semelhança com a visão dos teóricos da ciência? A
resposta a tudo isso está na questão 352. Vejamos:
No instante do nascimento o Espírito recobra
imediatamente a plenitude de suas faculdades?
– Não: elas se desenvolvem gradualmente, com os órgãos.
Ele se encontra numa nova existência; é preciso que
aprenda a se servir dos seus instrumentos: as ideias lhe
voltam pouco a pouco, como um homem que acorda e se
encontra numa posição diferente da que ocupava antes de
dormir.
Temos em O Livro dos Espíritos a psicogênese da
criança explicada muito antes do aparecimento das
teorias do desenvolvimento psicológico apresentadas pela
Psicologia, e isso numa época, metade do século
dezenove, onde ainda se considerava a criança como uma
miniatura do adulto. Entendamos o que os Espíritos
Superiores responderam a Allan Kardec.
Todos os teóricos falam que a criança passa por
determinados estágios de desenvolvimento, e que esses
estágios estão intimamente ligados a faixas etárias, de
acordo com o natural desenvolvimento dos órgãos. Assim
as etapas de crescimento da criança devem ser
respeitadas no processo educacional. Entretanto, o
Espiritismo já afirmava em 1857 que o Espírito só
recobra suas faculdades paulatinamente, de acordo com o
desenvolvimento dos órgãos físicos do novo corpo, ou
seja, ele só pode se manifestar – pensar e agir – de
acordo com o que lhe permite o corpo. Como este está em
formação, em crescimento, durante a infância o Espírito
pensará como criança, agirá como criança, elaborando as
estruturas mentais de sua nova personalidade. É assim
que não poderá elaborar um pensamento lógico-matemático
mais complexo quando está na faixa de seus 2 ou 3 anos
de idade, mas que isso começa a ocorrer, por etapas, na
medida em que o corpo, e neste caso todo o complexo
cerebral, vai lhe dando suporte para tais pensamentos.
Com isso logo percebemos que não existe criança “burra”,
que “se continuar assim não vai ser nada na vida”, ou
que “não tem possibilidade de desenvolvimento”. Pensar
dessa maneira é demonstrar preconceito, discriminação e
ignorância. Agora, a gênese psicológica do ser, ainda
tão intrigante para os pesquisadores da Psicologia do
Desenvolvimento, transforma-se totalmente com a inserção
da Alma (Espírito) no processo, pois as ideias, os
conhecimentos, os aprendizados, o planejamento
reencarnatório, tudo está arquivado nela, nada se perde.
Na medida em que controla o corpo com seus instrumentos
de manifestação e comunicação, a alma extrai de seu
subconsciente tudo o de que precisa para sua nova
existência, mas não o faz sozinha, pois necessita dos
estímulos da educação que lhe é propiciada no lar e na
escola, até que ali pelos sete/oito anos completa esse
processo e começa a se revelar tal como realmente é, ou
seja, deixa aflorar plenamente suas tendências, mas que
então já estarão transformadas (se negativas) ou
potencializadas (se positivas), pela educação recebida.
É fantástico esse estudo. Compreender a psicogênese da
criança é fundamental para melhor educar, ainda mais com
a visão espírita da imortalidade do ser. Passado,
presente e futuro pertencem à individualidade humana que
desenvolve nova personalidade e é colocada por Deus na
dependência daqueles que já passaram pelo processo, já
realizaram seus estágios no mundo infantil, e sabem que
tudo depende não apenas do respeito a esses estágios,
mas dos estímulos e da convivência social que são
propiciados a essa alma.
Marcus De Mario é escritor, educador, palestrante;
coordena o Seara de Luz, grupo on-line de estudo
espírita; edita o canal Orientação Espírita no YouTube;
é editor-chefe da Revista Educação Espírita; produz e
apresenta programas espíritas na internet; possui mais
de 35 livros publicados.
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