Escândalos e tragédias
humanas: retomando o
tema
Se o tema não fosse
pertinente, Jesus não
teria sido tão incisivo
quando a ele se referiu:
“Ai do mundo, por causa
dos escândalos; porque é
mister que venham
escândalos, mas ai
daquele homem por quem o
escândalo vem!”
(Mateus, 18:7, ênfase
minha). Allan Kardec,
por sua vez, elucidou,
no Evangelho Segundo
o Espiritismo, que:
“No
sentido vulgar, escândalo se
diz de toda ação que de
modo ostensivo vá de
encontro à moral ou ao
decoro. O escândalo não
está na ação em si
mesma, mas na
repercussão que possa
ter. A palavra escândalo implica
sempre a ideia de um
certo arruído. Muitas
pessoas se contentam com
evitar o escândalo,
porque este lhes faria
sofrer o orgulho, lhes
acarretaria perda de
consideração da parte
dos homens. Desde que
as suas torpezas fiquem
ignoradas, é quanto
basta para que se lhes
conserve em repouso a
consciência [...]” (ênfase
minha).
No entanto, na
atualidade fica cada vez
mais difícil ocultar
certos fatos suspeitos
ou desabonadores à
trajetória do Espírito
imortal. De fato, há um
intenso e sistemático
patrulhamento dos nossos
passos e atitudes – às
vezes, até gerados por
nós mesmos. Se o cidadão
for uma figura pública,
muito maior se torna o
seu escrutínio. Quando
erra, então, o infrator
fica inteiramente
exposto ao julgamento
público. Retomamos esse
assunto devido às
tragédias que atingiram
o sul do país, que
ensejam outras análises,
além das de cunho
provacional coletivo
dissecadas à exaustão
por eminentes
articulistas espíritas.
Não há como negar que as
leis de Deus são justas,
e cada um de nós está no
lugar e na hora certa.
Assim sendo, o infausto
evento abarcou
indivíduos que
necessitavam enfrentar
uma experiência mais
acerba. No entanto, as
consequências do evento
têm raízes na incúria e
irresponsabilidade
humana, que não consegue
perceber os avisos da
natureza. Dito isto, o
papel humano foi vital
no agravamento da
tragédia, restando agora
a penosa tarefa de
reconstrução e o
estabelecimento das
devidas
responsabilidades.
Afinal de contas, se
houve um inevitável
imperativo espiritual,
que abrangeu milhares de
pessoas e animais,
também houve
considerável negligência
das autoridades e de
parte da sociedade, que
não fez a sua parte para
a mitigação do drama.
Nesse sentido, o
confrade Marcelo
Teixeira fez, num
interessante artigo
publicado n’O Imortal,
um detalhado
levantamento das
omissões e ações que
contribuíram para o
cenário caótico que se
configurou no Rio Grande
do Sul, a saber: mudança
(relaxamento) de quase
500 normas do código
ambiental do estado;
emissão açodada (em
apenas 48 horas) de licenças
ambientais sem que
houvesse qualquer
“análise prévia do
projeto” e sob o
falacioso argumento de
“modernização do Código
Ambiental”; revogação de
13 itens do Código
Florestal Gaúcho,
afetando os pontos
críticos que
regulamentam o manejo de
florestas nativas e os
que proibiam o corte de
árvores típicas;
flexibilização da lei
sobre o uso de
agrotóxicos; e
relaxamento da lei que
trata da construção de
barragens e
reservatórios de água
dentro das áreas de
proteção, o que redundou
na formação das
enchentes que inundaram
o estado. Em resumo,
segundo o citado
confrade, “O que
houve foi simplesmente
falta de amor ao próximo
e desrespeito à
natureza. Tudo em nome
do lucro a qualquer
preço” (ênfase
minha).
Com efeito, a busca
inconsequente do lucro
ou vantagem pessoal
quase sempre aparece
como o grande vilão das
desgraças humanas
coletivas. Por exemplo,
a queda do Boeing 737
Max ocorrida em 2019,
que levou à morte de 346
pessoas, aparentemente
caminha para um desfecho
melancólico. No cerne do
acidente está a ganância
desmedida da empresa que
não neutralizou todas as
falhas possíveis do
modelo de avião. Na sua
ânsia de lucrar mais,
graves procedimentos de
segurança têm sido
sumariamente desprezados
(recentemente,
aliás, uma porta foi
ejetada de uma aeronave
minutos após a sua
descolagem porque não
tinha sido simplesmente
parafusada). A Boeing,
uma potência empresarial
mundial, cabe destacar,
fez um acordo com a
justiça americana, e vai
assumir a culpa da
acusação criminal
existente e pagar US$
243,6 milhões, além de
se submeter a um
monitoramento
independente por três
anos – um verdadeiro
vexame.
Ou seja, os escândalos
modernos têm basicamente
a ver com o desdém à
vida humana. Decisões
diabólicas são tomadas
às portas fechadas nos
escritórios das grandes
corporações e sedes de
governos. Se fossem mais
espiritualizados, os decision-makers teriam
em mente que “Cada
espírito recebe, no
plano em que se
encontra, certa quota de
recursos para honrar a
Obra Divina e
engrandecê-la”, como
ensina o Espírito
Emmanuel, em Pensamento
e Vida (psicografia
de Francisco Cândido
Xavier). Mas como
geralmente lhes falta
uma sólida educação
espiritual, suas
decisões tendem a ser
imediatistas, frias,
calculistas, bem como
carentes de valor
transcendente.
Portanto, o caso sob
apreço sugere que graves
responsabilidades foram
negligenciadas, o que
provavelmente ampliou os
efeitos da tragédia.
Parte da imprensa
brasileira destacou, a
propósito, que obras de
manutenção não dão
votos. Depreende-se que
a agenda pessoal de
vários personagens
prevaleceu sobre o
interesse coletivo com
saldo terrível para a
população em termos de
mortes, destruição e
paralisação econômica do
estado. É certo que o
estado do Rio Grande do
Sul precisará de muito
tempo para se recuperar.
Lamentavelmente, as
chuvas ocorridas no ano
passado – igualmente
geradoras de um triste
saldo – não foram
suficientes para que
medidas preventivas
fossem rapidamente
tomadas. Confiou-se,
assim, no imponderável,
sem qualquer laivo de
bom senso e sabedoria.
Por outro lado, é
preciso se admitir que
pesa também contra nós,
brasileiros, uma crônica
e onipresente
incapacidade de se
pensar a longo prazo, do
uso efetivo da
inteligência nas
situações críticas e de
adoção de medidas e
ações preemptivas. Nossa
cultura e interesses
egoísticos quase sempre
favorecem a ocorrência
do pior. O desmazelo, a
mesquinhez e a
irresponsabilidade criam
perfeitas condições à
eclosão das desgraças em
nosso solo
potencializando os
danos. Definitivamente,
não aprendemos com os
erros, e, por conta
disso, “os escândalos”
se sucedem em
importantes aspectos da
vida em sociedade tais
como o desmatamento
criminoso, o desperdício
de recursos públicos, o
nepotismo, a pura e
simples má-fé etc. Como
bem observa o Espírito
Emmanuel, no livro Pão
Nosso (psicografia
de Francisco Cândido
Xavier), “Fomos
chamados a construir”. Mas
a inabilidade da
criatura humana em
entender tal dever o
leva a cometer sérios
tropeços e deslizes
morais.
Fazer o bem, agir com
responsabilidade e
ética, respeitar a
integridade física dos
semelhantes (eleitores e
consumidores) são
atitudes naturalmente
esperadas de um
político, gestor público
ou privado, produtor
rural, bem como de um
empreendedor. Com
efeito, como pondera o
Espírito Emmanuel na
obra acima citada, “Pela
fidelidade ao desempenho
das suas obrigações, o
homem melhora a si
mesmo, e, pela
abnegação, o anjo
aproxima-se do homem
melhorado, aprimorando a
vida e o mundo”.
Uma agenda de vida que
não contemple a figura
divina e a sua
magnanimidade, assim
como os outros, tende a
ser fracassada ou no
mínimo deficiente. Posto
isto, uma longa apuração
será necessária para que
os responsáveis sejam
punidos, especialmente
aqueles cujos cidadãos
confiaram suas vidas.
Por ora, é certo que os
protagonistas dessa
hecatombe haverão de dia
a mais, dia a menos,
“Dar conta da sua
administração”, como
pontuou Jesus (Lucas,
16:2). Para nós,
contudo, fica uma vez
mais a convicção de que
enquanto a criatura
humana não se fixar em
Deus, suas decisões
serão potencialmente
causadoras de
escândalos.
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