Entrevista

por Orson Peter Carrara

Visão de um jovem espírita sobre a doutrina
e a casa espírita

 
Natural de Ilha Solteira, no interior paulista, onde reside, Estênio Fuzaro de Almeida (foto), engenheiro mecânico e mestrando na mesma área de formação, participa das atividades do Centro Espírita Amor e Luz (CEALUZ), de sua cidade. Nascido em família espírita, ele nos fala nesta entrevista sobre sua vivência espírita e sua visão acerca da doutrina e da casa espírita:


Tendo nascido espírita, você se entendeu bem com a proposta espírita?

Questionei algumas coisas ao longo da minha vida, e continuo questionando até hoje, a respeito da Doutrina; para mim um espírita cheio de certezas se afunda em dogmas, devemos ser questionadores como foi o Codificador. Entendo, por exemplo, que a investigação de Kardec era limitada pelo grau de evolução da humanidade à época e, portanto, muito do pilar científico da doutrina acabou ficando defasado ao que temos atualmente, então não gosto muito (também por ser Engenheiro) dos termos "magnetismo", "fluido", "energia", "vibração"... que temos costume de falar, porém prefiro estes termos arcaicos a acreditar em declarações de supostos médiuns que surgem na mídia para falar das mais diversas e absurdas descobertas pseudocientíficas. Dito isso, acredito que me entendi bem com o propósito da doutrina de explicar o mundo físico como sendo uma extensão do mundo espiritual desde muito jovem, mas a maior lição que aprendi foi não confiar sempre em quem se diz espírita, humanos são falhos, até mesmo depois de desencarnados.

O que mais lhe chama atenção na doutrina espírita?

A sua simplicidade. A Doutrina Espírita pode parecer um estudo muito complexo para um leigo à primeira vista, porém basta que se leia uma pergunta do Livro dos Espíritos, ou um único tópico do Evangelho Segundo o Espiritismo para ver que temos bases morais extremamente simples, porém muito sólidas. Não há quem não se identifique com as perguntas lá feitas, e também não há, na minha visão, outra corrente filosófica que responda de maneira tão simples, embora tão esclarecedora, como a Doutrina Espírita faz.

Em sua visão como alguém ainda muito jovem, como avalia o pensamento espírita?

Apesar da minha implicância com os termos técnicos e científicos, a Doutrina é irretocável, não há algo que eu quisesse saber que não tenha achado na doutrina, quanto ao pensamento/filosofia é perfeita. Meu maior problema não é com o Espiritismo, é com o "espírita"... há muitos que são excelentes na teoria, mas falham na prática, eu incluso.

Como vê os jovens de sua idade perante tais conteúdos? Considera que eles aceitam, se interessam, ou ignoram e rejeitam?

Depende do jovem, conheço jovem de todo tipo. Mas o que observo é que, assim como ocorre na escola, aquele que se interessa e estuda o faz porque precisa. Eu me interessei, independentemente de ser espírita de berço, porque precisei de respostas que satisfizessem meus conflitos internos e enxerguei a doutrina como uma porta para tal. Em termos chulos, é preciso que a "água chegue para aprendermos a nadar". Há aqueles que rejeitam o Espiritismo, mas se encontram em outras religiões, Deus os abençoe, falamos todos das mesmas leis. Agora, aqueles que rejeitam por rejeitar e não procuram outra coisa para estudar, para mim é só uma questão de tempo até terem problemas e resolverem correr atrás do prejuízo, não há como resolver problemas metafísicos se afundando em coisas mundanas. Mas muito disso também têm responsabilidade os pais, um jovem que nunca foi exposto aos nossos estudos não vai de livre e espontânea vontade procurar o Centro Espírita, é necessário experimentar antes de gostar de algo.

Qual o principal conteúdo espírita que mais cativa os jovens?

Mais uma vez acredito que depende do jovem. Eu sou muito ligado na parte filosófica e histórica da doutrina, adoro saber sobre idiomas e tradução, sempre que vejo conteúdo relacionado eu devoro. Tem outros que são curiosos a respeito do fenômeno mediúnico, muitas vezes inspirados por Hollywood, aí vou lá e estrago toda a experiência deles contando a verdade. Talvez seja só na bolha dos jovens que eu conheço, então não vou generalizar, mas acredito que um ponto comum de interesse dos jovens que observei foi a Evolução dos Mundos, sobretudo quando se fala de civilizações mais avançadas que a nossa. Mas aí quando o papo começa a ir para aliens eu começo a colocar os pés deles no chão, eles não treinaram para volitar ainda...

Como o Centro Espírita pode tornar-se mais atraente aos jovens de sua idade?

Eu particularmente acho que os Centros já são atraentes, frequentei alguns ao longo da vida e sempre encontrei algo que prendesse minha atenção em cada um. Sinto que muitos jovens abandonam o Centro Espírita porque não se sentem parte integrante da Casa; enquanto estão vinculados a uma Evangelização ou a uma Mocidade, eles sentem que fazem falta porque a "tia" ou o "tio" pergunta deles quando faltam, por exemplo. Claro que o exemplo anterior exige que a Evangelização e a Mocidade sejam ativas na Casa, conheci muitas destas instituições que parece que o Centro e a Evangelização/Mocidade eram desacoplados, um funcionava apesar do outro, isso não pode acontecer. Mais uma vez reitero o interesse dos pais em expor os filhos ao ambiente espírita.

Há algum segredo para maior interação entre o jovem e o Cento Espírita?

Como citei anteriormente, na minha opinião o segredo está em fazer o jovem se sentir parte e não apenas frequentador. Se ele sentir que sua presença não faz diferença, vai priorizar lugares onde ele se sente parte. Por que, por exemplo, jovens que praticam algum esporte em grupo não gostam de faltar nessas atividades? Porque lá ele está em um time, se ele faltar, o time fica desfalcado. Mas esse é um problema que eu mesmo não consegui resolver, já tentei muita coisa e ainda não consegui criar esse sentimento em alguns jovens. E é por isso que eu estou ressaltando sempre o papel dos pais, porque consegui perceber que os jovens mais assíduos que eu conheço e que realmente se sentem parte do Centro são filhos de pais trabalhadores da Casa, então se os pais também são apenas "frequentadores" e não "fazem parte" do Centro, como esperam que seus filhos ajam diferente?

Como encara o conflito de gerações perante o Espiritismo e seu movimento?

Conflito de gerações é algo completamente contrário ao que a filosofia espírita deveria propagar, uma vez que somos espíritos milenares e, dentro do nível de evolução do nosso planeta, praticamente devemos todos ter mais ou menos a mesma idade, adultos e crianças. Sofri um pouco com isso quando comecei a assumir responsabilidades dentro de alguns Centros, houve quem me apoiou muito, mas também houve aqueles que não queriam "largar o osso". Pobres criaturas os adultos, na pergunta passada falei sobre o sentimento de pertencimento que devemos fomentar nos jovens, mas alguns adultos levam isso tão a sério que não só se sentem parte, como também se sentem insubstituíveis. A estes que se sentem insubstituíveis, deixo citada a frase postulada por Emmanuel: "Tudo passa!" Não sei se essa frase preocupa ou conforta, mas é uma grande verdade.

Algo marcante a relatar?

Pensei um pouco sobre o que responder nessa pergunta, não sabia o que se encaixava ou não, mas resolvi relatar algo que aconteceu enquanto respondia a entrevista e que acredito que tenha muito a ver com o conteúdo de minhas respostas sobre ser questionador como Kardec. Ao procurar a referência da frase "Tudo passa!", encontrei mais de 5 versões diferentes da história da frase, inclusive a primeira que ouvi na vida dizendo que tal frase seria de Maria de Nazaré atendendo a um pedido de Chico Xavier em um momento de amargura. A única referência concreta da frase que encontrei foi uma mensagem de Emmanuel psicografada por Chico Xavier. Como cético que sou, preferi a citação mais referenciada. Como espírita sinto que fiz meu papel orientando a não acreditar em qualquer coisa que se diz vir do mundo espiritual.

Suas palavras finais.

Gostaria apenas de agradecer pela oportunidade de conversar um pouco sobre a nossa doutrina e seu futuro, pois este é um debate importante do qual faço parte como coordenador de uma Mocidade Espírita, porém confesso que meu desânimo é grande diante do desinteresse dos pais. O problema de apontar problemas na educação dos filhos dos outros é que os pais são tão confiantes de que estão educando corretamente que chegam a acreditar no absurdo de que eles próprios (os pais) são adultos bem educados e normais. São teimosos a ponto de colocar a responsabilidade pela educação de seus filhos nas costas do evangelizador ou da professora da escola. Sou um jovem de 23 anos no momento em que respondo a presente entrevista, sou estudante, não tenho filhos e não pretendo ter tão cedo, será mesmo que eu sou responsável por corrigir o desastre que você mesmo causou na educação do seu filho? Isso me entristece profundamente e gostaria de poder fazer mais pelos pobres dos filhos, mas a única coisa que posso fazer é planejar a educação dos meus próprios e torcer para que o mundo seja um lugar melhor quando eles reencarnarem na minha família.

Um abraço fraterno a quem acompanhou a presente entrevista, que peço seja refletida com carinho.

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita