Natural de Ilha Solteira, no interior paulista,
onde reside, Estênio Fuzaro de Almeida (foto),
engenheiro mecânico e mestrando na mesma
área de formação, participa das atividades do
Centro Espírita Amor e Luz (CEALUZ), de sua
cidade. Nascido em família espírita, ele nos
fala nesta entrevista sobre sua vivência
espírita e sua visão acerca da doutrina e da
casa espírita:
Tendo nascido espírita, você se entendeu bem com
a proposta espírita?
Questionei algumas coisas ao longo da minha
vida, e continuo questionando até hoje, a
respeito da Doutrina; para mim um espírita cheio
de certezas se afunda em dogmas, devemos ser
questionadores como foi o Codificador. Entendo,
por exemplo, que a investigação de Kardec era
limitada pelo grau de evolução da humanidade à
época e, portanto, muito do pilar científico da
doutrina acabou ficando defasado ao que temos
atualmente, então não gosto muito (também por
ser Engenheiro) dos termos "magnetismo",
"fluido", "energia", "vibração"... que temos
costume de falar, porém prefiro estes termos
arcaicos a acreditar em declarações de supostos
médiuns que surgem na mídia para falar das mais
diversas e absurdas descobertas
pseudocientíficas. Dito isso, acredito que me
entendi bem com o propósito da doutrina de
explicar o mundo físico como sendo uma extensão
do mundo espiritual desde muito jovem, mas a
maior lição que aprendi foi não confiar sempre
em quem se diz espírita, humanos são falhos, até
mesmo depois de desencarnados.
O que mais lhe chama atenção na doutrina
espírita?
A sua simplicidade. A Doutrina Espírita pode
parecer um estudo muito complexo para um leigo à
primeira vista, porém basta que se leia uma
pergunta do Livro dos Espíritos, ou um único
tópico do Evangelho Segundo o Espiritismo para
ver que temos bases morais extremamente simples,
porém muito sólidas. Não há quem não se
identifique com as perguntas lá feitas, e também
não há, na minha visão, outra corrente
filosófica que responda de maneira tão simples,
embora tão esclarecedora, como a Doutrina
Espírita faz.
Em sua visão como alguém ainda muito jovem, como
avalia o pensamento espírita?
Apesar da minha implicância com os termos
técnicos e científicos, a Doutrina é
irretocável, não há algo que eu quisesse saber
que não tenha achado na doutrina, quanto ao
pensamento/filosofia é perfeita. Meu maior
problema não é com o Espiritismo, é com o
"espírita"... há muitos que são excelentes na
teoria, mas falham na prática, eu incluso.
Como vê os jovens de sua idade perante tais
conteúdos? Considera que eles aceitam, se
interessam, ou ignoram e rejeitam?
Depende do jovem, conheço jovem de todo tipo.
Mas o que observo é que, assim como ocorre na
escola, aquele que se interessa e estuda o faz
porque precisa. Eu me interessei,
independentemente de ser espírita de berço,
porque precisei de respostas que satisfizessem
meus conflitos internos e enxerguei a doutrina
como uma porta para tal. Em termos chulos, é
preciso que a "água chegue para aprendermos a
nadar". Há aqueles que rejeitam o Espiritismo,
mas se encontram em outras religiões, Deus os
abençoe, falamos todos das mesmas leis. Agora,
aqueles que rejeitam por rejeitar e não procuram
outra coisa para estudar, para mim é só uma
questão de tempo até terem problemas e
resolverem correr atrás do prejuízo, não há como
resolver problemas metafísicos se afundando em
coisas mundanas. Mas muito disso também têm
responsabilidade os pais, um jovem que nunca foi
exposto aos nossos estudos não vai de livre e
espontânea vontade procurar o Centro Espírita, é
necessário experimentar antes de gostar de algo.
Qual o principal conteúdo espírita que mais
cativa os jovens?
Mais uma vez acredito que depende do jovem. Eu
sou muito ligado na parte filosófica e histórica
da doutrina, adoro saber sobre idiomas e
tradução, sempre que vejo conteúdo relacionado
eu devoro. Tem outros que são curiosos a
respeito do fenômeno mediúnico, muitas vezes
inspirados por Hollywood, aí vou lá e estrago
toda a experiência deles contando a verdade.
Talvez seja só na bolha dos jovens que eu
conheço, então não vou generalizar, mas acredito
que um ponto comum de interesse dos jovens que
observei foi a Evolução dos Mundos, sobretudo
quando se fala de civilizações mais avançadas
que a nossa. Mas aí quando o papo começa a ir
para aliens eu começo a colocar os pés
deles no chão, eles não treinaram para volitar
ainda...
Como o Centro Espírita pode tornar-se mais
atraente aos jovens de sua idade?
Eu particularmente acho que os Centros já são
atraentes, frequentei alguns ao longo da vida e
sempre encontrei algo que prendesse minha
atenção em cada um. Sinto que muitos jovens
abandonam o Centro Espírita porque não se sentem
parte integrante da Casa; enquanto estão
vinculados a uma Evangelização ou a uma
Mocidade, eles sentem que fazem falta porque a
"tia" ou o "tio" pergunta deles quando faltam,
por exemplo. Claro que o exemplo anterior exige
que a Evangelização e a Mocidade sejam ativas na
Casa, conheci muitas destas instituições que
parece que o Centro e a Evangelização/Mocidade
eram desacoplados, um funcionava apesar do
outro, isso não pode acontecer. Mais uma vez
reitero o interesse dos pais em expor os filhos
ao ambiente espírita.
Há algum segredo para maior interação entre o
jovem e o Cento Espírita?
Como citei anteriormente, na minha opinião o
segredo está em fazer o jovem se sentir parte e
não apenas frequentador. Se ele sentir que sua
presença não faz diferença, vai priorizar
lugares onde ele se sente parte. Por que, por
exemplo, jovens que praticam algum esporte em
grupo não gostam de faltar nessas atividades?
Porque lá ele está em um time, se ele faltar, o
time fica desfalcado. Mas esse é um problema que
eu mesmo não consegui resolver, já tentei muita
coisa e ainda não consegui criar esse sentimento
em alguns jovens. E é por isso que eu estou
ressaltando sempre o papel dos pais, porque
consegui perceber que os jovens mais assíduos
que eu conheço e que realmente se sentem parte
do Centro são filhos de pais trabalhadores da
Casa, então se os pais também são apenas
"frequentadores" e não "fazem parte" do Centro,
como esperam que seus filhos ajam diferente?
Como encara o conflito de gerações perante o
Espiritismo e seu movimento?
Conflito de gerações é algo completamente
contrário ao que a filosofia espírita deveria
propagar, uma vez que somos espíritos milenares
e, dentro do nível de evolução do nosso planeta,
praticamente devemos todos ter mais ou menos a
mesma idade, adultos e crianças. Sofri um pouco
com isso quando comecei a assumir
responsabilidades dentro de alguns Centros,
houve quem me apoiou muito, mas também houve
aqueles que não queriam "largar o osso". Pobres
criaturas os adultos, na pergunta passada falei
sobre o sentimento de pertencimento que devemos
fomentar nos jovens, mas alguns adultos levam
isso tão a sério que não só se sentem parte,
como também se sentem insubstituíveis. A estes
que se sentem insubstituíveis, deixo citada a
frase postulada por Emmanuel: "Tudo passa!" Não
sei se essa frase preocupa ou conforta, mas é
uma grande verdade.
Algo marcante a relatar?
Pensei um pouco sobre o que responder nessa
pergunta, não sabia o que se encaixava ou não,
mas resolvi relatar algo que aconteceu enquanto
respondia a entrevista e que acredito que tenha
muito a ver com o conteúdo de minhas respostas
sobre ser questionador como Kardec. Ao procurar
a referência da frase "Tudo passa!", encontrei
mais de 5 versões diferentes da história da
frase, inclusive a primeira que ouvi na vida
dizendo que tal frase seria de Maria de Nazaré
atendendo a um pedido de Chico Xavier em um
momento de amargura. A única referência concreta
da frase que encontrei foi uma mensagem de
Emmanuel psicografada por Chico Xavier. Como
cético que sou, preferi a citação mais
referenciada. Como espírita sinto que fiz meu
papel orientando a não acreditar em qualquer
coisa que se diz vir do mundo espiritual.
Suas palavras finais.
Gostaria apenas de agradecer pela oportunidade
de conversar um pouco sobre a nossa doutrina e
seu futuro, pois este é um debate importante do
qual faço parte como coordenador de uma Mocidade
Espírita, porém confesso que meu desânimo é
grande diante do desinteresse dos pais. O
problema de apontar problemas na educação dos
filhos dos outros é que os pais são tão
confiantes de que estão educando corretamente
que chegam a acreditar no absurdo de que eles
próprios (os pais) são adultos bem educados e
normais. São teimosos a ponto de colocar a
responsabilidade pela educação de seus filhos
nas costas do evangelizador ou da professora da
escola. Sou um jovem de 23 anos no momento em
que respondo a presente entrevista, sou
estudante, não tenho filhos e não pretendo ter
tão cedo, será mesmo que eu sou responsável por
corrigir o desastre que você mesmo causou na
educação do seu filho? Isso me entristece
profundamente e gostaria de poder fazer mais
pelos pobres dos filhos, mas a única coisa que
posso fazer é planejar a educação dos meus
próprios e torcer para que o mundo seja um lugar
melhor quando eles reencarnarem na minha
família.
Um abraço fraterno a quem acompanhou a presente
entrevista, que peço seja refletida com carinho.
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