Eu sou bem pequena
O estudo dos tipos de comunicantes necessitados a serem
socorridos pelos grupos mediúnicos iniciou-se com Allan
Kardec na obra O Céu e o Inferno [1]. Ali estão
os diálogos com os sofredores, os suicidas, os
criminosos arrependidos e os espíritos endurecidos.
Reportando-se a um novo e surpreendente tipo de
comunicante, Kardec reconhece, em A Gênese [2], a
existência de Espíritos que não se consideram mortos:
“Tendo então visto Espíritos incertos de seu estado, ou
afirmando que ainda eram deste mundo, e supondo cuidar
de suas ocupações cotidianas, do exemplo deduzimos a
regra.”
A este tipo de comunicante, Suely Caldas Schubert
denominará ‘espíritos que desconhecem a própria
situação’. [3]
O relato a seguir foi transcrito de uma sessão à qual
estivemos presentes. A médium observava uma criança que,
segundo suas impressões contava com a idade de 2 anos,
tendo permanecido junto ao ambiente de uma praça pública
desde o desencarne. A médium visualizou que a criança
brincava sozinha junto a uma fonte de água, dentro de
uma imensa redoma protetora de vidro. A médium
reconheceu dificuldade para fazer-se perceber pela
criança. Utilizando-se do princípio da homogeneidade das
reuniões espíritas, afirmado na Revista Espírita por
Allan Kardec [4], o coordenador solicitou ao grupo
mediúnico a emanação de vibrações de confiança e
amorosidade. A sutilização da corrente magnética
proporcionou o início imediato da psicofonia:
- Eu estou bem, mas me encontro sozinha, há muito tempo. Acho
que minha família me abandonou, e espero que venham me
buscar.
- Nós estamos buscando ajudar você neste momento. Qual é
sua idade?
- Eu sou bem pequena. Cantaram parabéns no meu
aniversário, mas depois eu fiquei sozinha.
- Nós vamos orar com você, está bem? Você lembra de já
ter feito oração?
- Ah! sim, acho que lembro. Rezar pro papai do céu e
para os anjos.
Proferida uma oração, a médium afirmou que o espírito
apresentava-se agora um pouco maior, como criança de 10
anos.
Ocorre por meio de outra médium a comunicação de um
espírito ligado à criança:
- Meu nome é Mariana, sou a mãe da menina.
- Você acompanhou o encaminhamento da sua filha?
- Sim, prometi a ela que eu não a abandonaria. Mas me
colocaram em um calabouço, confundiram-me com
anarquista. Eu não sou anarquista.
- Você conhece a sua realidade atual?
- Sim, sei que morri em 1960. Fiquei num calabouço
horrível no Brasil. Não pude mais ver minha filha.
Sempre procurei por ela.
- As circunstâncias de seu desencarne e a sua
permanência em sofrimento por largo período são
indicativos de necessidades específicas, que surgem
devido a problemas criados pelo mau uso de nosso
livre-arbítrio em outras vidas. Busque recordar-se dos
motivos que levaram você a criar vivências tão duras.
- Um soldado. Vejo um soldado. Eu não sou esse soldado.
- Em algumas vidas nascemos como homem, noutras nascemos
como mulher.
- O soldado é mau, não quero ver isso. Ele é cruel.
- Está bem. O que mais você observa?
- Quente. Muito quente. Estou no deserto. Um beduíno.
Sinto muito calor.
- O beduíno está acostumado a cruzar o deserto. Você não
precisa sofrer com a inclemência do sol neste momento.
Apenas busque compreender porque sua consciência a faz
rever a vida do beduíno. Retorne para conversar conosco
trazendo as recordações do que viu.
- Estou entendendo melhor. O padre e a irmã me ajudaram.
- Eles permanecem com você?
- Sim, estão aqui agora. Seguirei com eles.
***
Luiz Gonzaga Pinheiro, com décadas de vivência na
condução de reuniões mediúnicas com atendimento de
variados tipos de Espíritos, inclusive crianças, lamenta
“a escassez de grupos que as recebam, pois seus
dirigentes estão sempre torcendo o nariz para tais
Espíritos, sentindo neles forte cheio de
mistificação.”[5]
Verifiquemos o que diz Allan Kardec sobre a manifestação
de crianças:
“Como o Espírito de uma criança, que morreu em tenra
idade, pode responder com conhecimento de causa, quando,
enquanto viva, não possuía ainda a consciência de si
mesma?
- A alma da criança é um Espírito ainda envolvido nas
faixas da matéria; mas, desligado da matéria, goza de
suas faculdades de Espírito, porque os Espíritos não têm
idade; o que prova que o Espírito da criança já viveu.
Todavia, até que esteja completamente desligado, ele
pode conservar, na sua linguagem, alguns traços do
caráter da criança.” [6]
Um comentário a respeito da segunda reencarnação
recordada pela entidade – o beduíno: quer nos parecer
que a pergunta – “o que mais você observa?” levou o
espírito a recordar-se desnecessariamente de outra vida.
Teria sido mais acertado perguntar: - O que a vida desse
soldado traz como lição para você?
Saudamos os milhares de laboratórios de atendimento
mediúnico que entendem da necessidade de complementar a
experimentação com coleta de seus casos práticos para
estudos.
Bibliografia:
[1] Allan Kardec, O Céu e o Inferno,
tradução de Maria Aparecida Becker, Mundo Maior, 2012
[2] Allan Kardec, A Gênese, cap. I
item 15, tradução Ery Lopes, Luz Espírita, 2022
[3] Suely Caldas Schubert, Obsessão/Desobsessão –
profilaxia e terapêutica espíritas, FEB, 2013
[4] Allan Kardec, Revista Espírita,
junho de 1862, tradução de Salvador Gentile, IDE, 1993
[5] Luiz Gonzaga Pinheiro, Doutrinação: diálogos
e monólogos, EME, 2020
[6] Allan Kardec, O Livro dos Médiuns,
item 282, 35ª, tradução de Maria Lúcia Alcântara de
Carvalho, CELD, 2010.
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