Natural de Pedro Leopoldo (MG), Jhon Harley
Madureira Marques (foto) é casado há 37
anos com Renata Lúcia, pai de três filhos e avô
de quatro netos. Formado em Educação Física e
Psicologia, integra o Grupo Espírita Scheila
(desde 1980) e é diretor-presidente da Fundação
Cultural Chico Xavier (desde 2016), ambos em
Pedro Leopoldo, onde também reside. Autor de
dois livros e um terceiro no prelo, Harley
comenta os frutos de sua convivência com o
médium de Uberaba.
Como e quando conheceu o Espiritismo? E como
conheceu Chico Xavier?
Nasci na cidade de Pedro Leopoldo e minha
formação religiosa, como muitos da minha
geração, foi estruturada nos princípios do
cristianismo, sob a interpretação do movimento
católico. Na adolescência, por alguns anos,
cheguei também a participar do movimento
umbandista. Desde cedo, me sentia atraído em
procurar entender um pouco mais sobre a
religiosidade do nosso país, pois sempre
considerei uma forma de expressão cultural
importante e significativa, mas que,
historicamente, somente há bem pouco tempo, vem
despertando o interesse de pesquisadores e
estudiosos. Por volta dos 17 anos de idade, em
diversas ocasiões, tive sonhos curiosos nos
quais Chico Xavier era o protagonista. Ouvindo
falar muito em Chico Xavier, comecei alimentar
um insistente desejo de conhecê-lo. Passei a
sonhar que ele, sorridente, me olhava
atentamente de uma esquina. Corria para
encontrá-lo, mas quando chegava próximo ele já
se encontrava em outra esquina. Estes sonhos
persistiram por um bom tempo e deixaram
significativas impressões. Evidentemente essa
amizade interferiu na minha forma de pensar e de
agir sobre mim mesmo e sobre o mundo, mas já me
havia tornado espírita em novembro de 1980,
quando passei a estudar, sistematicamente, os
princípios codificados por Allan Kardec, além
das muitas obras psicografadas por Chico Xavier
e outros companheiros de Ideal. Vim conhecê-lo
pessoalmente em maio de 1981.
O que mais lhe chama atenção no corpo
doutrinário do Espiritismo?
Fé inabalável é somente aquela que pode encarar
a razão face a face, em todas as épocas da
humanidade. E um dos caracteres da revelação
espírita é a sua progressividade. Também dizia
Chico Xavier que se o codificador tivesse dito
que fora do Espiritismo não há salvação ele
teria abandonado o Espiritismo e se tornaria um
cristão. Entretanto, a célebre frase: “Fora da
caridade não há salvação”, norteou os 75 anos de
sua mediunidade com o Cristo. Benevolência para
com todos. Indulgência para com as imperfeições
humanas. Perdão das ofensas. Se caridade
material é dar o que tem, caridade moral é dar o
que somos.
Como considera o saudoso médium no contexto
humano, social e doutrinário espírita?
Em tempos de tanta intransigência e intolerância
e dentro de um contexto social individualista,
considero, sem nenhuma intenção de divinizá-lo,
que a humanidade em Chico Xavier ultrapassou os
limites dos movimentos religiosos por mim
conhecidos, materializando-se, no transcorrer
dos seus 92 anos de idade, em forma de
generosidade, compaixão e amor. Parafraseando o
biógrafo uberabense Carlos Baccelli, diria que
Chico Xavier não foi um “anjo” exercendo o papel
de um homem, mas um homem, do mundo e no mundo,
exercendo o papel de um “anjo”.
O que dizer de toda a sua obra?
Quando me perguntam sobre o maior legado deixado
por Chico Xavier para a humanidade eu não tenho
dúvidas em responder. Exerceu a difícil arte de
escutar para que muitos pudessem falar e
escrever por seu intermédio. Nasceu simples.
Viveu simples. Morreu simples. Simples assim.
Chico Xavier exerceu a máxima do Evangelho do
“amai-vos uns aos outros como Jesus nos amou”.
Significa dizer que ele amou o outro do jeito
que o outro é, e não do jeito que ele gostaria
que a pessoa fosse. Amar o outro sem exigir
nada.
Qual a lembrança mais marcante para sua vida
pessoal?
Tenho na memória, em uma das minhas visitas ao
Chico Xavier no Grupo Espírita da Prece, a
vivência de uma situação inusitada. Ao seu lado,
acompanhando o trabalho das cartas consoladoras,
observei que uma senhora, chorando copiosamente
e em estado de choque, começou, em alto e bom
tom, a descrever-lhe um quadro doloroso. Havia
perdido toda a família em um único acidente
automobilístico. Todos ficamos impactados,
inclusive os colaboradores da instituição.
Ninguém sabia o que fazer. Fiquei-me
perguntando: como seria possível consolar uma
dor tão intensa? O que Chico poderia dizer que
pudesse confortar aquela mulher? Imaginei que
ele usaria alguns jargões que nós espíritas
costumamos utilizar. Para minha surpresa e de
todos que acompanhavam aquela comovente cena,
ele se levantou, em silêncio, caminhou em
direção àquela mulher em sofrimento e,
simplesmente, a abraçou. Durante alguns minutos
choraram os dois, publicamente. Ele se
sensibilizou pelo sofrimento de alguém que ele
não conhecia. Que amor é este? Sem dúvida
nenhuma, esta foi a maior lição que recebi em 21
anos de convivência. Depois do abraço busquei
curioso o olhar daquela mulher e observei que a
dor ainda permanecia na face, mas ela esboçou um
sorriso que eu nunca consegui compreender até
hoje. Diria que Chico Xavier, sem dizer nada,
disse tudo.
Como Chico Xavier agia no dia a dia ante as
dificuldades naturais que todos nós enfrentamos?
Estar ao lado do Chico era como se estivéssemos
ao lado dos primeiros cristãos do Cristianismo
Primitivo, nos tempos da Casa do Caminho. Chico
Xavier trazia leveza e suavidade para as nossas
vidas. Ele amava Jesus de uma maneira que nos
contagiava a todos. E com toda autoridade moral
não fazia pose de moralista. Respeitava o tempo
de cada um. Talvez uma das suas maiores
qualidades tenha sido o respeito pelas
diferenças. Sabendo das minhas lutas,
fragilidades e limitações, Chico ensinava
exemplificando. E quando eu queria ser mais do
que eu podia, ele se aproximava com muita
delicadeza e dizia: “Calma, meu filho. Um passo
de cada vez.” Nos tempos atuais, parafraseando o
nosso Chico, diria que sei o que devo ser, mas
ainda não sou.
Que livros você publicou?
São dois já publicados e com breve reedição
futura: Nas Trilhas da Garça – Chico Xavier
nas Minas Gerais (de 2016) e O Voo da
Garça – Chico Xavier em Pedro Leopoldo –
1910–1959 (de 2010). Um terceiro deve ser
lançado no início do próximo ano, ainda sem
título definido.
Suas palavras finais.
Em 30 de junho de 2002 Chico Xavier alçou novos
voos, deixando um rastro de exemplificação,
generosidade, compaixão e alegria de viver. Mas
também deixou muitas saudades, pois já não é
possível a conversa ao ‘pé do ouvido’,
encantar-se com suas risadas gostosas e passar
pelas noites e madrugadas ouvindo os casos
recheados de amor e ensinamentos. Como poderei
esquecer os bate-papos na casa de Cidália Xavier
e Maria Luiza Xavier em Pedro Leopoldo? Os
livros, os pacotes de mensagens e os cartões
ornamentados com amores-perfeitos enviados pelo
correio? Os almoços deliciosos aos sábados
preparados pela incansável e fiel Dinorá? As
memoráveis reuniões na Casa da Prece? As
atividades sociais no abacateiro e na Vila do
Pássaro Preto, em Uberaba? E o sorriso todo
característico de quem estava de bem com a vida,
fazendo contrariedades do tamanho de elefantes,
que ocupavam a cabeça dos desesperados, ficar
menores que peixinhos de aquários?
Concluo com minha gratidão a Chico Xavier.
|