O perdão que me liberta
"Foi por terra tudo aquilo que eu estava
acreditando que daria certo." Oswaldo de
Oliveira.
Em 9 de junho de 2015, foi possível acompanhar
uma notícia no portal online da ESPN sobre a
despedida de Oswaldo de Oliveira como treinador
do time Palmeiras. Nela, havia a descrição de
duas sensações contraditórias que o até então
treinador vivenciava: de um lado, nascia sua
neta e, de outro lado, ele era demitido de um
dos maiores times de futebol do nosso país.
No mundo dos esportes, a troca de treinador é
algo habitual, bastante corriqueiro. Por essa
natureza, demissões deveriam, a princípio, não
gerar tantos remorsos já que, em dado momento,
isso acabará acontecendo. Oswaldo, no entanto,
sentiu-se magoado pela interrupção ter ocorrido,
segundo ele, de maneira abrupta e apesar de seus
esforços em ter gerado resultados mais positivos
do que negativos ao clube, aponta a matéria.
Em questões de mágoa, portanto, observamos que
qualquer espírito (encarnado ou desencardo)
estará exposto a deparar-se com essa
experiência. Isso tanto mais ocorrerá ou lhe
inquietará conforme for seu nível evolutivo
atual.
A esse respeito, a doutrina espírita nos explica
a mágoa e o perdão por meio de um diálogo
conhecido pela maioria de nós e que está
registrado no evangelho de Mateus, em seu
capítulo 18, itens de 21 a 22:
²¹ Então Pedro, aproximando-se dele, disse:
Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão
contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete?
²² Jesus lhe disse: Não te digo que até sete;
mas, até setenta vezes sete.
Semelhantes a Pedro, nós vivemos entendendo o
perdão como uma ação pontual, algo contável.
Frequentemente dizemos: “mas eu não estou em
confronto com ninguém, não preciso pensar sobre
perdão”.
Outras frases comuns são: “Nossa, eu até
precisei lidar com um conflito familiar, mas faz
uns cinco anos isso”; “Ah, perdão? Talvez algo
aconteça daqui um tempo, talvez até daqui um
ano. Isso é bobagem”.
Jesus, contudo, ao usar o cálculo 70x7, busca
reforçar que o perdão deve ser adotado sem
limites e, portanto, como um exercício diário a
todos nós. Só que a bem da verdade, guardamos um
desencontro íntimo entre o saber e o executar, e
esse é o momento quando nos perguntamos: como é
que, na matemática da vida, faço essa conta?
Para facilitar, é oportuno refletirmos sobre as
áreas de perdão e o valor do processo de
libertação. Para o perdão, há duas esferas
mínimas de divisão, no intuito de um
entendimento mais pedagógico: o autoperdão e o
perdão ao outro.
Começamos, desse modo, percebendo que a ofensa
varia de pessoa para pessoa. Todos os dias, por
exemplo, dizemos coisas a nós que talvez não
tivéssemos coragem de dizer a alguém, por
classificarmos cada uma delas como algo
desproporcional, vergonhoso ou muito pesado.
Se não dizemos essas cosias a nós em voz alta,
certamente rebatemos em nossa mente: “eu deveria
ter me esforçado mais”; “não sou boa em nada”.
Cravamos facilmente o negativo em nosso
pensamento, repetimos por vezes e vezes: “erro
muito quando preciso escolher”; “mais um dia que
eu não atingi minha meta, como sou incapaz”;
“isso nunca vai dar certo e ninguém mais
gostar”; “mais uma prova com baixo resultado”;
“não vou tentar esse caminho, é certo que vou me
perder já que não sei me guiar”.
Ao dizer isso, corremos o risco de não apenas
nos maltratar, mas de inclusive nos colocar em
fixação mental por longo tempo, impedindo-nos de
enxergar outras realidades à nossa volta, de nos
permitirmos a novas tentativas e ao
descobrimento das reais capacidades que nos
habitam.
O que cultivamos mentalmente pode vir da
alimentação de altas expectativas sobre os
resultados que aguardamos diante da realidade.
Essa fuga ou um padrão vitimista recai não só no
autoperdão, mas também quando a mágoa se liga ao
meu relacionamento com o próximo.
Isso ocorre desde coisas pequenas como "fulano
não gostou da minha roupa”; “beltrano não me
respondeu hoje, me recusou ajuda, não me
convidou para seu evento, não me aceitou na rede
social" a coisas maiores como "fui traída por
quem mais me dediquei”; “me roubaram bens que
levei toda uma vida para conquistar”; “ciclano
assassinou quem eu amava."
Nesses casos em que damos o título de graves,
perdoar parece presentar um algoz. A sensação de
injustiça nos toma conta, e isso é comum já que
Deus a colocou em nossos corações, não a
adquirimos exclusivamente a partir de progresso
moral (questão 873 d’ O Livro dos Espíritos).
Contudo, como recordam alguns oradores
espíritas, ao pensarmos assim, nos esquecemos de
que a justiça divina será realizada de todo
jeito e que nosso perdão não terá a autoridade
de apagar o acontecido. No código penal da vida
futura, em O Céu e o Inferno, capítulo
VII, lemos que:
9°) Toda falta que se comete, todo mal praticado
é uma dívida contraída e que tem que ser paga.
Se não for nesta existência, será na próxima ou
nas seguintes, porque todas as existências são
solidárias entre si.
Em vista disso, qualquer insistência no
movimento de mágoa é provocar a retroalimentação
da dor. Surge, aqui, o valor do processo de
libertação. Há vivências que estão relevando
somente o nosso ego, mas há outras que nos ferem
o coração para renovar os nossos olhos.
Nem tudo pode nos ser justo, mas tudo nos é
necessário, seja para revisar algumas
circunstâncias, seja para revisar a nós mesmos
em postura e em limitações espirituais e
emocionais. Ou seja, são os repertórios que
vamos construindo que formarão o avanço do nosso
espírito e, principalmente, que libertarão nosso
coração.
O perdão é assim um presente de autoamor.
Primeiro a nós, pois não há nada que saia sem
nos atingir primeiro. É a execução da lei de
progresso que nos chama a nos aprimorar
gradativamente, em conformidade ao nosso
livre-arbítrio.
É praticar o que sabiamente nos diz o apóstolo
Paulo, no capítulo X do nosso evangelho:
15. Perdoar aos inimigos é pedir perdão para si
mesmo; perdoar aos amigos é dar prova de
amizade; perdoar as ofensas é mostrar que se
melhora.
Quem sabe não fomos nós nesta, ou em outras
vidas, os provocadores inconscientes ou
conscientes dos males que hoje acusamos alguém?
E mesmo que não o sejamos, valerá realmente
carregar a inquietude da mente, o coração em
desalinho, a alma em desarmonia física e
espiritual? Já dizia Simeão, nesse mesmo
capítulo do evangelho: Feliz, pois, daquele que
pode todas as noites adormecer, dizendo: Nada
tenho contra o meu próximo. – (Bordeaux, 1862.)
Para o doce fruto da libertação, Deus não pede
que desrespeitemos um processo íntimo e que
sejamos forçados ou fingidos com os outros. Uma
vez que o perdão se reconhece mais pelos atos do
que por nossas palavras, que iniciemos essa
jornada portanto pouco a pouco.
Na matéria esportiva que usamos de base para
esta análise, vemos Oswaldo de Oliveira
iniciando esse exercício ao comentar “Fui avô
ontem, olha o meu sorriso. Tenho a minha neta
Julinha. É chato o que aconteceu, mas isso
compensa. Eles (diretoria do Palmeiras) me
esperaram aqui e tiveram uma conduta digna nesse
aspecto”.
Atitudes como optar pela indulgência, pelo
auxílio da prece diária e pelo acompanhamento
terapêutico são medidas iniciais bastante
bem-vindas, já que o tempo por si só não age em
milagre sobre nós.
A espiritualidade amiga, que jamais nos
desampara, e que espera ansiosamente por nosso
coração receptivo, certamente nos ajudará a
apertar a seguinte tecla na calculadora da vida:
aos bons, sejamos bons. Aos maus sejamos, no
mínimo, neutros.
Referência:
De Matos, José Edgar. Mágoa e
sorrisos: a mistura de sentimentos na despedida
de Oswaldo de Oliveira. [Divulgada
pela ESPN – notícias 517217, a matéria não está
mais disponível na Web.]
*Artigo
participante do Concurso A Doutrina Explica
2023, promovido pelo Jornal Brasília Espírita,
em parceria com a Revista Eletrônica O
Consolador e a Web Rádio Estação da Luz.