Centro Espírita
Luiz Gonzaga |
Francisco Cândido Xavier: o corte de
Ramires
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“Cortado? O que quer dizer?”, indaga Isidoro Duarte
Santos (foto).
A tarde calma de 3 de junho de 1955 envolve a cidade de
Pedro Leopoldo, no estado de Minas |
Gerais, Brasil, em pleno século XX. A II Grande Guerra
Mundial tinha terminado havia apenas uma década.
Isidoro, oficial da Marinha portuguesa, muito ativo no
movimento espírita português nos tempos
pós-profissionais, está de passagem e visita Francisco
Cândido Xavier.
Através do apoio de amigos de Portugal e do Brasil,
Isidoro consegue nessa época a disponibilidade
necessária para voar sobre o oceano Atlântico. Viria até
a publicar um livro sobre esta viagem. Transporta
consigo um gravador de áudio de bobinas. Este aparelho
permite-lhe registar muitos factos importantes. As
presentes informações chegam-nos através de Oceano
Vieira de Melo, que coloca “a luz sobre o alqueire”, nos
registos de vídeo disponibilizados no YouTube, no mundo
virtual da internet. (1)
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De forma espontânea, quando Isidoro visita o médium
Francisco Cândido Xavier, surge a oportunidade de uma
reunião no Centro Espírita Luiz Gonzaga, na referida
cidade.
Após a psicografia de dois sonetos – um de João de Deus
e outro de Antero de Quental, famosos poetas portugueses
desencarnados –
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há ainda um texto em linda e rica prosa de Lia
(Maria Gonçalves), a primeira esposa de Isidoro
(foto), desencarnada havia apenas cinco
anos. |
Após a leitura das psicografias, o médium Francisco
Cândido Xavier começa a descrever o que o Plano
Espiritual lhe revela. Surgem velhos amigos de Isidoro
já desencarnados, que o médium começa por descrever como
um retrato, seguido do nome. São os casos do major
Eurico de Castro Zuzarte (desencarnou em setembro de
1952) e do coronel Faure da Rosa (1873-1950), entre
outros. Fazem observações sobre experiências pessoais
anteriores, ali esclarecidas de forma espontânea e
encantadora.
Num dado momento, ouve-se de novo a voz de Francisco
Cândido Xavier na gravação: "Agora apareceu um homem
tristonho. É velhinho também. Tem uma barba, parecendo
assim bem feita. Uma barba muito trabalhada. Um bigode
também parecendo muito cultivado. Mas parece que ele tem
uma… uma ferida, um corte na veia. Tem um corte na
veia”.
De modo fluido, o médium descreve a oportuna intervenção
de Lia (Espírito): “Isidoro, lembras-te? É o nosso
doutor Ramires”.
Isidoro esclarece o médium: "Conheço muito bem. Vá
dizendo".
Francisco Cândido Xavier continua: “Está tristonho. Está
amparado, mas…”
Cheio de curiosidade, Isidoro Duarte Santos interrompe:
“Cortado? O que quer dizer?”.
O médium explica: “A impressão que ele levou da Terra,
de que tinha receio… de acordar debaixo da terra”.
“Sim, sim”, confirma Isidoro.
“Ele está com essa impressão até hoje”, sublinha
Francisco Cândido Xavier.
Isidoro não se contém. Sublinha: “Isto é fantástico!”.
Ouve-se a explicação espontânea do médium, referindo-se
a Ramires: “Ele cristalizou a ideia”.
“Isto é fantástico!”, insiste Isidoro. “De facto, o
doutor Batista Ramires, meu grande amigo, por várias
vezes me pediu: Isidoro, quando eu morrer peço que me
corte as carótidas, porque não tenho confiança nem na
minha mulher nem no meu filho.”
Francisco Cândido Xavier adianta: “É. Porque ele está
com a veia cortada. Diz ela (Lia) que ele pensou
tanto nisso que o perispírito dele (corpo espiritual)
está como que cortado. Eles estão tratando”.
Ela diz assim: “Isidoro, sabes que hoje me consagro à
tarefa das curas e temos cooperado para que o doutor
Ramires se esqueça dessa cristalização mental. Ele
tomou-se de tamanho horror da libertação que, apesar da
vasta cultura de que é portador, ainda se ressente. Mas
está melhor!”.
É muito interessante o que a mente pode fazer,
involuntariamente, na plástica do corpo espiritual. Não
foi um caso de suicídio. Os suicidas enfrentarão dramas
mais sérios, nunca para sempre, mas durante demasiado
tempo face ao desejável.
Posto isto, quem foi afinal o doutor Ramires?
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Trata-se de Adolfo Batista Ramires (foto), professor de
microbiologia no Instituto de Agronomia, em Portugal,
espírita convicto e colaborador do Centro Espiritualista
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Luz e Amor, em Lisboa. Mereceu notas póstumas
nalguma imprensa espírita da época. “Era um
gosto ouvi-lo dissertar”, segundo informação
publicada, “com um estilo muito próprio, em que
se confundia a poesia com o cultor da ciência
dedicado às coisas da natureza”. Colaborou na
revista mensal Estudos Psíquicos, na
segunda fase da vida desta publicação, dirigida
em Lisboa por Isidoro Duarte Santos. Havia
desencarnado em 10 de março de 1952, com cerca
de 80 anos de idade. |
Deve ficar esclarecido que Isidoro (1897-1974) não fez a
vontade a Ramires de cortar as carótidas do corpo
físico, nem tão pouco Ramires foi suicida, como foi
dito. O erro consistiu apenas, pelos vistos, em manter
viva essa preocupação associada a uma emoção negativa de
comportamento autolesivo, animada pelo receio ou pelo
medo. Este fenómeno, neutro em si próprio, ocorre também
com as emoções positivas, segundo ditam as leis da
natureza que ainda mal conhecemos. É por isso que os
Espíritos esclarecidos e fraternos são observados por
médiuns videntes com corpos espirituais luminosos e
leves.
Nesta gravação de som (1) são
referidos mediunicamente 28 nomes de pessoas
desencarnadas e o teor de desconhecimento do médium a
respeito de algumas delas é notório em vários itens.
A interação mente-espírito é um assunto cada vez mais
estudado por investigadores de mente aberta, libertos de
qualquer dogma, inclusive do materialista. Ainda nos
primeiros passos das pesquisas, nem sonham provavelmente
com o que poderão vir a desvendar neste campo no porvir,
com elevado interesse prático a favor da saúde e
bem-estar de todos.
Quanto aos que sabem que vida espiritual é um facto
inevitável, é importante notar que não basta… saber.
Mais relevante do que isso é sobretudo interiorizar e
deixar sair no dia a dia os reflexos da sabedoria e
bondade explanados na boa nova, o evangelho. Não foi por
acaso que na pergunta 625 de O Livro dos Espíritos –
Qual o modelo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem
para lhe servir de guia e modelo? – a resposta dos
benfeitores espirituais foi apenas: “Vede Jesus.”
(1) Pode-se escutar a gravação de som na
voz do médium Francisco Cândido Xavier deste caso aos
41’17”. Para acessar o áudio, clique neste LINK
Referências:
Revista portuguesa “Estudos Psíquicos”,
maio de 1952.
VASCONCELOS, Manuela. Movimento Espírita
Português & alguns vultos. 2.ª edição, 2015, FEP.
Jorge Gomes, escritor,
ex-vice-presidente da Federação Espírita Portuguesa e
ex-editor do Jornal de Espiritismo publicado pela ADEP -
Associação de Divulgadores de Espiritismo de Portugal,
da qual é membro, reside na cidade do Porto, Portugal.