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por Maria de Lurdes Duarte

É urgente repensarmos as nossas atitudes perante a Vida


Quando observamos e refletimos sobre o estado atual das sociedades humanas, nomeadamente as ocidentais, é com alguma (bastante) tristeza que nos apercebemos do pouco valor que é dado à grande e única oportunidade que cada existência terrena constitui. Digo “única” porque, apesar de saber que somos seres imortais e da certeza de a Vida ser um suceder de reencarnações que nos levarão ao aperfeiçoamento passo a passo, degrau a degrau, temos de ter em conta que as oportunidades que nos são oferecidas em cada existência física jamais se repetem. Cada reencarnação tem os seus objetivos, propósitos bem definidos, e tem a finalidade de nos fazer subir um degrau bem concreto, que nos prepararia para novos voos, novas aprendizagens, na continuação da caminhada espiritual. Com esse fim, as circunstâncias que Deus e o Plano Espiritual colocam ao nosso dispor não serão as mesmas que iremos encontrar em reencarnações futuras e, consequentemente, se desperdiçarmos hoje, teremos de repetir as lições que não aprendemos, mas, não tenhamos dúvida disso, em circunstâncias quase sempre mais dolorosas, que nos “abram os olhos” e o entendimento.

Para que a reencarnação se concretize, é necessária uma equipe espiritual abalizada que planifica todos os detalhes que possam ser necessários ao nosso sucesso. Entendamos por sucesso, o finalizar a existência com as expiações e provas que aqui nos trouxeram concretizadas e superadas. Falamos de sucesso espiritual. Para isso, trazemos uma dose de fluido vital ajustada aos anos que devemos aqui permanecer e, se bem nos servirmos do corpo, morada do Espírito, com equilíbrio e harmonia, cuidando da nossa saúde sem excessos nem desvarios, ele, esse corpo que Deus nos concede fará o seu trabalho e permitirá que concluamos a reencarnação na condição de completistas (assim chamam os Espíritos aos reencarnados que regressam ao Plano Espiritual ao fim do tempo previsto, sem terem apressado o retorno devido ao desgaste prematuro do fluido vital).

Quantos de nós teremos condições de regressar nessa condição de completistas? Felizes de nós se o conseguirmos. Ainda encaramos a nossa permanência neste planeta como uma estadia num parque de diversões. Dizemos que viemos ao mundo para ser felizes; o que importa é ser feliz. Verdade. Grande verdade mesmo. O que não é verdadeiro, no entanto, é aquilo em que colocamos a nossa felicidade. Ainda a colocamos nas aquisições materiais, nos divertimentos desenfreados, no sucesso material, no poder, na visibilidade social, e quantas outras coisas que apenas nos levam a uma felicidade enganosa.

É urgente repensarmos as nossas atitudes perante a Vida. E é urgente educarmos as nossas crianças e jovens para a responsabilidade que cada vinda à Terra traz. É justo que como pais e educadores queiramos a felicidade e o bem-estar das nossas crianças e jovens. É justo que queiramos que sejam bem-sucedidos do ponto de vista social, profissional, familiar, material. Tentamos de todos os modos proporcionar-lhes momentos de bem-estar material e pensamos, com isso, estar a prepará-los para a vida e a contribuir para a sua felicidade presente e futura. Pena é que, a par disso, e acima de tudo isso, nos esqueçamos de os preparar para a verdadeira Vida, moral, espiritual, emocional, psicológica. Temo que estejamos a (des)educar as crianças e os jovens para a futilidade e o prazer sem rumo, esquecendo-nos das consequências, quer para a sociedade em que estão e estarão inseridos, quer para as suas vidas pessoais. E, ainda mais, se pensarmos, nos propósitos que cada um deles terá trazido na sua vinda a este mundo terreno.

Aponto o dedo a nós todos, como pais, mães, educadores, professores, pedagogos, dirigentes religiosos… E deixo a pergunta, para reflexão: estarão as religiões a contribuir para um bom acompanhamento das nossas crianças e jovens? Ou, pelo contrário, serão fonte de agravamento da situação, ao deixar de esclarecer e refletir sobre as grandes questões: O que fazemos aqui? Porque nascemos? De onde viemos? Para onde vamos?

Tive, recentemente, uma experiência que bastante me afligiu e que contribuiu para estas reflexões de hoje. Um jovem da minha comunidade, com vinte e poucos anos, pouco mais do que um adolescente, conduzindo embriagado (o que fazia com alguma frequência), a alta velocidade, despistou-se e faleceu no local do acidente. Assistindo ao funeral, ouvi o padre que presidia à cerimónia fúnebre, amigo da família e do jovem, enaltecer as suas qualidades e a alegria com que vivia a vida e, usando-o como referência e exemplo, para os seus amigos que, dizia ainda, teriam, a partir daquele momento, mais um anjo protetor a velar por eles. O anjo protetor, bem entendido, seria, no dizer do sacerdote, o jovem, pois estaria desde já nos braços acolhedores de Deus.

Senti-me triste, duplamente triste. Triste por ver uma vida perdida, em tão tenra idade, uma vida, certamente, cortada antes do tempo, devido à imprevidência e à necessidade de ser “aproveitada” com o maior número de alegrias possíveis, a todo o custo, não sendo capaz de colocar o objeto da felicidade em valores mais altos. Triste, mas, apesar de tudo, esperançosa. Esperançosa que Deus, na sua infinita misericórdia, possa olhar este jovem, na dificuldade de ter amadurecido o suficiente, e ter aprendido com o tempo e a experiência, a valorizar melhor o dom da Vida. Talvez, a sua conduta tivesse melhorado muito, ao longo do tempo; para isso serviriam os anos que ainda teria para viver na matéria. Confio que Deus se apieda de todos nós e a cada um dá de acordo com o seu grau de conhecimento e amadurecimento espiritual.

Mas, triste ainda de uma maneira mais veemente, ao ver como a religião, com seus dogmas e frases feitas e irracionais, em vez de esclarecer, deturpa a verdade e, na ânsia de consolar amigos e familiares, “esquece” o risco de contribuir para a irresponsabilidade e a futilidade que, contrariamente ao que tantos supõem só contribui para o aumento da dor e do sofrimento.

Se a religião deste jovem o tivesse alertado para a responsabilidade de estar vivo e para as consequências dos atos impensados… se lhe tivessem dito, ao longo da sua educação, que quem desperdiça os anos da sua vida retorna à espiritualidade na condição de suicida involuntário… se lhe tivesse explicado que, quem morre jovem, nem por isso se transforma num anjo… quem sabe, talvez tivesse sido evitada a tragédia em que se envolveu, talvez lhe tivesse sido evitado o sofrimento em que talvez se tenha submergido e a dor profunda de que a sua família não conseguirá sair tão cedo. Quem sabe… e, apontando este jovem, aos seus amigos, como o exemplo que não deve ser seguido, talvez possam ser evitadas outras tragédias e dores semelhantes.

É urgente o esclarecimento. Mas isso só será possível se nós adultos mais experientes e que temos a nosso cargo a educação e a preparação dos mais jovens investirmos a sério na sua educação, transmitindo-lhes os verdadeiros valores que lhes serão necessários ao amadurecimento espiritual, sem nos preocuparmos exclusivamente em trabalharmos para o seu bem-estar imediato. Mas isso também não será possível sem, antes de tudo, nós próprios amadurecermos em nós a reflexão sobre quais são os reais valores da Vida e as verdadeiras necessidades do espírito humano.

E ainda, paremos de pensar em quem parte como alguém que foi direto aos braços do Pai. Quem parte (ainda mais em circunstância tão complicadas e dolorosas) é alguém mais necessitado das nossas preces sinceras do que de enaltecimentos às suas qualidades (mesmo que as tenha). Com isso estaremos a ajudá-lo a enfrentar a nova realidade que doravante é a sua, e à qual não poderá fugir: a continuação da Vida, mas num plano espiritual, para o qual não se preparou. É uma realidade com que todos acabarão, a seu tempo de ser confrontados: a constatação de que a morte nada mais é do que um adormecer num plano e acordar noutro. Uma realidade que apanha muitos desprevenidos, e que dependerá do modo como conduzirmos a nossa estadia no plano físico. Daí a grande necessidade de nos socorrermos mutuamente com o benefício da prece.

Que Deus se apiede do jovem que levou às reflexões de hoje e que as nossas preces ajudem a amenizar a sua dor, contribuindo para que seja um bom recetor do amparo com que a Espiritualidade, em nome de Jesus, tentará socorrê-lo.

 

Maria de Lurdes Duarte reside em Arouca, Portugal.               

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita