É urgente repensarmos as nossas atitudes
perante a Vida
Quando observamos e refletimos sobre o estado atual das
sociedades humanas, nomeadamente as ocidentais, é com
alguma (bastante) tristeza que nos apercebemos do pouco
valor que é dado à grande e única oportunidade que cada
existência terrena constitui. Digo “única” porque,
apesar de saber que somos seres imortais e da certeza de
a Vida ser um suceder de reencarnações que nos levarão
ao aperfeiçoamento passo a passo, degrau a degrau, temos
de ter em conta que as oportunidades que nos são
oferecidas em cada existência física jamais se repetem.
Cada reencarnação tem os seus objetivos, propósitos bem
definidos, e tem a finalidade de nos fazer subir um
degrau bem concreto, que nos prepararia para novos voos,
novas aprendizagens, na continuação da caminhada
espiritual. Com esse fim, as circunstâncias que Deus e o
Plano Espiritual colocam ao nosso dispor não serão as
mesmas que iremos encontrar em reencarnações futuras e,
consequentemente, se desperdiçarmos hoje, teremos de
repetir as lições que não aprendemos, mas, não tenhamos
dúvida disso, em circunstâncias quase sempre mais
dolorosas, que nos “abram os olhos” e o entendimento.
Para que a reencarnação se concretize, é necessária uma
equipe espiritual abalizada que planifica todos os
detalhes que possam ser necessários ao nosso sucesso.
Entendamos por sucesso, o finalizar a existência com as
expiações e provas que aqui nos trouxeram concretizadas
e superadas. Falamos de sucesso espiritual. Para isso,
trazemos uma dose de fluido vital ajustada aos anos que
devemos aqui permanecer e, se bem nos servirmos do
corpo, morada do Espírito, com equilíbrio e harmonia,
cuidando da nossa saúde sem excessos nem desvarios, ele,
esse corpo que Deus nos concede fará o seu trabalho e
permitirá que concluamos a reencarnação na condição de
completistas (assim chamam os Espíritos aos reencarnados
que regressam ao Plano Espiritual ao fim do tempo
previsto, sem terem apressado o retorno devido ao
desgaste prematuro do fluido vital).
Quantos de nós teremos condições de regressar nessa
condição de completistas? Felizes de nós se o
conseguirmos. Ainda encaramos a nossa permanência neste
planeta como uma estadia num parque de diversões.
Dizemos que viemos ao mundo para ser felizes; o que
importa é ser feliz. Verdade. Grande verdade mesmo. O
que não é verdadeiro, no entanto, é aquilo em que
colocamos a nossa felicidade. Ainda a colocamos nas
aquisições materiais, nos divertimentos desenfreados, no
sucesso material, no poder, na visibilidade social, e
quantas outras coisas que apenas nos levam a uma
felicidade enganosa.
É urgente repensarmos as nossas atitudes perante a Vida.
E é urgente educarmos as nossas crianças e jovens para a
responsabilidade que cada vinda à Terra traz. É justo
que como pais e educadores queiramos a felicidade e o
bem-estar das nossas crianças e jovens. É justo que
queiramos que sejam bem-sucedidos do ponto de vista
social, profissional, familiar, material. Tentamos de
todos os modos proporcionar-lhes momentos de bem-estar
material e pensamos, com isso, estar a prepará-los para
a vida e a contribuir para a sua felicidade presente e
futura. Pena é que, a par disso, e acima de tudo isso,
nos esqueçamos de os preparar para a verdadeira Vida,
moral, espiritual, emocional, psicológica. Temo que
estejamos a (des)educar as crianças e os jovens para a
futilidade e o prazer sem rumo, esquecendo-nos das
consequências, quer para a sociedade em que estão e
estarão inseridos, quer para as suas vidas pessoais. E,
ainda mais, se pensarmos, nos propósitos que cada um
deles terá trazido na sua vinda a este mundo terreno.
Aponto o dedo a nós todos, como pais, mães, educadores,
professores, pedagogos, dirigentes religiosos… E deixo a
pergunta, para reflexão: estarão as religiões a
contribuir para um bom acompanhamento das nossas
crianças e jovens? Ou, pelo contrário, serão fonte de
agravamento da situação, ao deixar de esclarecer e
refletir sobre as grandes questões: O que fazemos aqui?
Porque nascemos? De onde viemos? Para onde vamos?
Tive, recentemente, uma experiência que bastante me
afligiu e que contribuiu para estas reflexões de hoje.
Um jovem da minha comunidade, com vinte e poucos anos,
pouco mais do que um adolescente, conduzindo embriagado
(o que fazia com alguma frequência), a alta velocidade,
despistou-se e faleceu no local do acidente. Assistindo
ao funeral, ouvi o padre que presidia à cerimónia
fúnebre, amigo da família e do jovem, enaltecer as suas
qualidades e a alegria com que vivia a vida e, usando-o
como referência e exemplo, para os seus amigos que,
dizia ainda, teriam, a partir daquele momento, mais um
anjo protetor a velar por eles. O anjo protetor, bem
entendido, seria, no dizer do sacerdote, o jovem, pois
estaria desde já nos braços acolhedores de Deus.
Senti-me triste, duplamente triste. Triste por ver uma
vida perdida, em tão tenra idade, uma vida, certamente,
cortada antes do tempo, devido à imprevidência e à
necessidade de ser “aproveitada” com o maior número de
alegrias possíveis, a todo o custo, não sendo capaz de
colocar o objeto da felicidade em valores mais altos.
Triste, mas, apesar de tudo, esperançosa. Esperançosa
que Deus, na sua infinita misericórdia, possa olhar este
jovem, na dificuldade de ter amadurecido o suficiente, e
ter aprendido com o tempo e a experiência, a valorizar
melhor o dom da Vida. Talvez, a sua conduta tivesse
melhorado muito, ao longo do tempo; para isso serviriam
os anos que ainda teria para viver na matéria. Confio
que Deus se apieda de todos nós e a cada um dá de acordo
com o seu grau de conhecimento e amadurecimento
espiritual.
Mas, triste ainda de uma maneira mais veemente, ao ver
como a religião, com seus dogmas e frases feitas e
irracionais, em vez de esclarecer, deturpa a verdade e,
na ânsia de consolar amigos e familiares, “esquece” o
risco de contribuir para a irresponsabilidade e a
futilidade que, contrariamente ao que tantos supõem só
contribui para o aumento da dor e do sofrimento.
Se a religião deste jovem o tivesse alertado para a
responsabilidade de estar vivo e para as consequências
dos atos impensados… se lhe tivessem dito, ao longo da
sua educação, que quem desperdiça os anos da sua vida
retorna à espiritualidade na condição de suicida
involuntário… se lhe tivesse explicado que, quem morre
jovem, nem por isso se transforma num anjo… quem sabe,
talvez tivesse sido evitada a tragédia em que se
envolveu, talvez lhe tivesse sido evitado o sofrimento
em que talvez se tenha submergido e a dor profunda de
que a sua família não conseguirá sair tão cedo. Quem
sabe… e, apontando este jovem, aos seus amigos, como o
exemplo que não deve ser seguido, talvez possam ser
evitadas outras tragédias e dores semelhantes.
É urgente o esclarecimento. Mas isso só será possível se
nós adultos mais experientes e que temos a nosso cargo a
educação e a preparação dos mais jovens investirmos a
sério na sua educação, transmitindo-lhes os verdadeiros
valores que lhes serão necessários ao amadurecimento
espiritual, sem nos preocuparmos exclusivamente em
trabalharmos para o seu bem-estar imediato. Mas isso
também não será possível sem, antes de tudo, nós
próprios amadurecermos em nós a reflexão sobre quais são
os reais valores da Vida e as verdadeiras necessidades
do espírito humano.
E ainda, paremos de pensar em quem parte como alguém que
foi direto aos braços do Pai. Quem parte (ainda mais em
circunstância tão complicadas e dolorosas) é alguém mais
necessitado das nossas preces sinceras do que de
enaltecimentos às suas qualidades (mesmo que as tenha).
Com isso estaremos a ajudá-lo a enfrentar a nova
realidade que doravante é a sua, e à qual não poderá
fugir: a continuação da Vida, mas num plano espiritual,
para o qual não se preparou. É uma realidade com que
todos acabarão, a seu tempo de ser confrontados: a
constatação de que a morte nada mais é do que um
adormecer num plano e acordar noutro. Uma realidade que
apanha muitos desprevenidos, e que dependerá do modo
como conduzirmos a nossa estadia no plano físico. Daí a
grande necessidade de nos socorrermos mutuamente com o
benefício da prece.
Que Deus se apiede do jovem que levou às reflexões de
hoje e que as nossas preces ajudem a amenizar a sua dor,
contribuindo para que seja um bom recetor do amparo com
que a Espiritualidade, em nome de Jesus, tentará
socorrê-lo.
Maria de Lurdes Duarte reside em Arouca,
Portugal.
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