O tempo de Deus
O “Nosso Lar 2” de 2024, foi um dos mais aguardados
lançamentos de filmes espíritas dos últimos anos.
Seguindo o estrondoso sucesso da primeira obra (Nosso
Lar, 2010), é inevitável que haja ansiedade e apreensão,
bem como críticas, comentários e até mesmo fã clube e
tietagem. Apesar da questão do entretenimento, pode-se
dizer que a obra guarda o papel de divulgação da
doutrina Espírita e também, em destaque, a correta
educação das leis espirituais para o público em geral. O
que imprime a necessidade de se manter em retidão
constante com a verdade, mesmo que se sacrifique a tal
liberdade artística. O que parece não ter acontecido em
toda a obra. O objetivo deste artigo não é desmerecer o
filme, mas somente de lançar certos esclarecimentos
sobre a questão. Com isso, pode-se aproveitá-lo de forma
mais ampla e irrestrita.
O presente trabalho analisa um dos diálogos críticos da
obra sobre a influência dos espíritos na nossa vida. No
caso em particular: Pode o desencarnado desligar o
encarnado antes do tempo?
Na trama do filme, André Luiz, Aniceto e Vicente
procuram auxiliar algumas almas afins que estão
encarnadas na Terra, mas que ainda estão em dificuldades
para ter a sua missão cumprida. Um destes amigos é
Fernando, um rico empresário que está com problemas de
saúde. Em determinada cena (em torno do minuto 74´), o
trio de espíritos (André Luiz, Aniceto e Vicente)
assistem na melhora de Fernando. Entretanto, é uma
recuperação provisória, a “melhora da morte” antes do
desencarne de fato. E de noite, quando todos dormem
tranquilamente, acontece este diálogo:
[Vicente] - Todos dormem, senhor.
[Aniceto] - Vamos começar. Em breve teremos visitas. Que
foi, Vicente?
[Vicente] - Não, nada senhor. É que na verdade… eu
nunca… eu não sei como dizer isso, mas eu nunca tirei a
vida de uma pessoa.
[André Luiz] - O que você está falando?
[Vicente] - Desculpa, uma questão de ponto de vista.
[Aniceto] - Você prefere deixá-lo agonizando por horas e
horas até que o fluido vital termine? E depois disso que
ele fique se debatendo até conseguir se desprender? E
que esses verdadeiros vampiros venham até aqui para
sugar o que restou?
[Vicente]- Não, claro que não senhor. É que eu era uma
daquelas pessoas que achava que a vida tem hora para
acabar, entende?
[André Luiz] - Neste caso, o tempo de Deus é eufemismo.
Vamos ajudar.
[Aniceto] - Este é um ato de amor, de caridade. Isadora,
por favor, me ajude aqui nos membros inferiores.
Antônio, por favor, de olho no entorno. Não precisamos
de surpresas. Vocês dois no apoio. Irmãos, não cortem o
que puderem desatar. Lição para vida.
Ou seja, o trio começa a realizar o processo de
desligamento de Fernando antes mesmo do término do
fluido vital, com a justificativa de poupar o amigo das
dores. E eles só não levam a cabo o pretendido, pois
houve a intercessão superior para a plena recuperação da
saúde do convalescente para que ele pudesse mudar de
vida e assim, assumir papéis de liderança do centro
espírita que estava desamparado devido ao recente
desencarne de Isidoro. O suposto “desligamento” seria um
erro grave, pois como nos explica o espírito Patrícia:
“A morte do corpo segue a lei natural. Pode um encarnado
matar outro encarnado. Mas não pode o desencarnado matar
o corpo de um encarnado. Tanto os bons quanto os maus
têm que esperar o corpo físico morrer para desligar o
perispírito”. Ou seja, ninguém parte antes da hora, pois
nem mesmo os bons espíritos podem tirar a vida de
alguém. Apesar da influência dos espíritos sobre os
encarnados, é preciso sempre que se cumpram as Leis da
natureza. De acordo com a resposta inicial da pergunta
526 d’O Livro
dos Espíritos:
“É bem verdade que os Espíritos têm uma ação sobre a
matéria, mas para o cumprimento das Leis da Natureza e
não para derrogar, fazendo surgir no momento oportuno um
acontecimento inesperado e contrário a essas leis”.
Neste caso, a lei natural é esperar tanto o término do
fluido vital, quanto o rompimento do cordão fluídico. Se
por acaso este último se romper de forma não natural
como em um suicídio, haverá prejuízos para a pessoa que
passará a sofrer as dores, mesmo estando no plano
espiritual.
Por outro lado, quando se desgasta o conjunto de órgãos
a ponto de comprometer a reposição do fluido vital ou a
sua eficácia, caminha-se para a morte. Conforme Allan
Kardec: “Mas, quando os elementos essenciais ao
funcionamento dos órgãos estão destruídos ou muito
profundamente alterados, o fluido vital é impotente para
transmitir-lhe o movimento da vida, e o ser morre”.
Portanto, apesar da liberdade artística do filme “Nosso
Lar 2”, é essencial que o público em geral perceba que
não aconteceria esta ação específica dos envolvidos para
acelerar o desencarne de um espírito encarnado. Pelo
contrário. Os bons espíritos estão sempre à disposição
para nos ajudar, em especial nos momentos de
dificuldades e não seria eufemismo o tempo de Deus.
Pois, tudo acontece conforme a oração dominical: “Que
seja feita sempre a vossa vontade!”