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por Paulo Hayashi Jr.

 

O tempo de Deus


O “Nosso Lar 2” de 2024, foi um dos mais aguardados lançamentos de filmes espíritas dos últimos anos. Seguindo o estrondoso sucesso da primeira obra (Nosso Lar, 2010), é inevitável que haja ansiedade e apreensão, bem como críticas, comentários e até mesmo fã clube e tietagem. Apesar da questão do entretenimento, pode-se dizer que a obra guarda o papel de divulgação da doutrina Espírita e também, em destaque, a correta educação das leis espirituais para o público em geral. O que imprime a necessidade de se manter em retidão constante com a verdade, mesmo que se sacrifique a tal liberdade artística. O que parece não ter acontecido em toda a obra. O objetivo deste artigo não é desmerecer o filme, mas somente de lançar certos esclarecimentos sobre a questão. Com isso, pode-se aproveitá-lo de forma mais ampla e irrestrita. 

O presente trabalho analisa um dos diálogos críticos da obra sobre a influência dos espíritos na nossa vida. No caso em particular: Pode o desencarnado desligar o encarnado antes do tempo?

Na trama do filme, André Luiz, Aniceto e Vicente procuram auxiliar algumas almas afins que estão encarnadas na Terra, mas que ainda estão em dificuldades para ter a sua missão cumprida. Um destes amigos é Fernando, um rico empresário que está com problemas de saúde. Em determinada cena (em torno do minuto 74´), o trio de espíritos (André Luiz, Aniceto e Vicente) assistem na melhora de Fernando. Entretanto, é uma recuperação provisória, a “melhora da morte” antes do desencarne de fato. E de noite, quando todos dormem tranquilamente, acontece este diálogo:

 

[Vicente] - Todos dormem, senhor.

[Aniceto] - Vamos começar. Em breve teremos visitas. Que foi, Vicente?

[Vicente] - Não, nada senhor. É que na verdade… eu nunca… eu não sei como dizer isso, mas eu nunca tirei a vida de uma pessoa.

[André Luiz] - O que você está falando?

[Vicente] - Desculpa, uma questão de ponto de vista.

[Aniceto] - Você prefere deixá-lo agonizando por horas e horas até que o fluido vital termine? E depois disso que ele fique se debatendo até conseguir se desprender? E que esses verdadeiros vampiros venham até aqui para sugar o que restou?

[Vicente]- Não, claro que não senhor. É que eu era uma daquelas pessoas que achava que a vida tem hora para acabar, entende?

[André Luiz] - Neste caso, o tempo de Deus é eufemismo. Vamos ajudar.

[Aniceto] - Este é um ato de amor, de caridade. Isadora, por favor, me ajude aqui nos membros inferiores. Antônio, por favor, de olho no entorno. Não precisamos de surpresas. Vocês dois no apoio. Irmãos, não cortem o que puderem desatar. Lição para vida.


Ou seja, o trio começa a realizar o processo de desligamento de Fernando antes mesmo do término do fluido vital, com a justificativa de poupar o amigo das dores. E eles só não levam a cabo o pretendido, pois houve a intercessão superior para a plena recuperação da saúde do convalescente para que ele pudesse mudar de vida e assim, assumir papéis de liderança do centro espírita que estava desamparado devido ao recente desencarne de Isidoro. O suposto “desligamento” seria um erro grave, pois como nos explica o espírito Patrícia[1]: “A morte do corpo segue a lei natural. Pode um encarnado matar outro encarnado. Mas não pode o desencarnado matar o corpo de um encarnado. Tanto os bons quanto os maus têm que esperar o corpo físico morrer para desligar o perispírito”. Ou seja, ninguém parte antes da hora, pois nem mesmo os bons espíritos podem tirar a vida de alguém. Apesar da influência dos espíritos sobre os encarnados, é preciso sempre que se cumpram as Leis da natureza. De acordo com a resposta inicial da pergunta 526 d’O Livro dos Espíritos[2]: “É bem verdade que os Espíritos têm uma ação sobre a matéria, mas para o cumprimento das Leis da Natureza e não para derrogar, fazendo surgir no momento oportuno um acontecimento inesperado e contrário a essas leis”. Neste caso, a lei natural é esperar tanto o término do fluido vital, quanto o rompimento do cordão fluídico. Se por acaso este último se romper de forma não natural como em um suicídio, haverá prejuízos para a pessoa que passará a sofrer as dores, mesmo estando no plano espiritual[3].

Por outro lado, quando se desgasta o conjunto de órgãos a ponto de comprometer a reposição do fluido vital ou a sua eficácia, caminha-se para a morte. Conforme Allan Kardec: “Mas, quando os elementos essenciais ao funcionamento dos órgãos estão destruídos ou muito profundamente alterados, o fluido vital é impotente para transmitir-lhe o movimento da vida, e o ser morre[4]”.

Portanto, apesar da liberdade artística do filme “Nosso Lar 2”, é essencial que o público em geral perceba que não aconteceria esta ação específica dos envolvidos para acelerar o desencarne de um espírito encarnado. Pelo contrário. Os bons espíritos estão sempre à disposição para nos ajudar, em especial nos momentos de dificuldades e não seria eufemismo o tempo de Deus. Pois, tudo acontece conforme a oração dominical: “Que seja feita sempre a vossa vontade!”
 

 


[1] Patrícia. Vivendo no mundo dos espíritos. Catanduva: Petit Editora, 1993, p.100-101.

[2] Kardec, A. O livro dos Espíritos. Araras: IDE, 2021, p.202

[4] Kardec, A. O livro dos Espíritos. Araras: IDE, 2021, p.61, pergunta 70.

 
  
    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita