Natural de Pirapora (MG) e atualmente residente
em Pouso Alegre (MG), Hugo Torres Dumont (foto) é
bacharel em Direito e pós-graduado em Gestão
Operacional de Segurança Pública, atuando no
serviço público. Nas lides espíritas, atua no
Centro Espírita Vinhas do Senhor (CEVS), na
cidade onde reside, exercendo ali a função de
Coordenador de Estudos e Palestras da
instituição.
De onde o interesse de estudos sobre os
primeiros cristãos?
Desde a mocidade às margens do Rio São Francisco
em Pirapora/MG, nosso âmbito familiar materno
sempre foi ligado às religiões cristãs
tradicionais. Minha avó materna trazia consigo
grande apreço pelos cultos exteriores do
cristianismo e nos levava ao encontro dos padres
e das cerimônias religiosas desde cedo,
abrindo-nos o interesse pelos textos canônicos e
sua significação.
Anos mais tarde, já em meio à adolescência, por
meio das mãos de um grande amigo veio O Livro
dos Espíritos. Como Estêvão à beira do
Tiberíades, nos interessamos prontamente pela
revelação universal dos espíritos e dissemos:
“Sempre fomos espíritas!”. Era a chave faltante
para sanar os enigmas das religiões; agora os
ritos, as passagens evangélicas e as
manifestações espirituais às margens do rio
estavam explicadas.
A questão dos primeiros cristãos veio à tona
justamente por ser um elemento pouco explorado
entre os estudiosos do Espiritismo cristão.
Percebemos que a Bíblia, ao que parece, foi
esquecida em meio aos estudos religiosos das
casas espíritas. Eis aí o maior repositório de
elementos mediúnicos e manifestações espirituais
jamais vistas. Como isso poderia ficar de fora?
As três revelações conversam mutuamente entre si
e uma não pode desprezar o conhecimento da
outra.
O que mais chama atenção nesse estudo?
Os cristãos primitivos eram pessoas simples,
assim como nós. Cheios de dificuldades e
anátemas próprias de espíritos que ainda estão a
caminho de conhecer a si mesmo e superar as
próprias sombras. Estudar o cristianismo
primitivo é como largar o presente para
mergulhar num passado que repete o futuro,
mostrando que as dificuldades do ontem – do
ponto de vista moral – são as mesmas do hoje.
O que dizer daqueles sacrifícios iniciais,
vividos pelos cristãos, comparados aos dias de
hoje?
Quando Nosso Senhor Jesus Cristo se aproximou da
Terra, o Século de Augusto - como ficou
conhecido entre os anais da história – registrou
grandes avanços do ponto de vista das leis, nas
grandes construções e sobretudo na paz que
reinou entre os povos. Foi o século da Boa-Nova
e marcava um grande avanço e modificação moral
no mundo.
Os cristãos primitivos eram diferentes de tudo o
que jamais se havia registrado. Eles se negavam
a ajoelhar-se aos Césares, não os reconheciam
como representantes de Deus na Terra, nem mesmo
juravam fidelidade aos deuses de pedra romanos.
Do mesmo modo, os “homens do caminho” – como
eram chamados os primeiros cristãos – eram
vistos de forma incômoda pelos judeus da época,
visto que seus preceitos diferiam, em alguns
pontos, da revelação mosaica. Em uma palavra: os
cristãos primitivos eram intrépidos.
Tudo isso incomodava o patriciado romano, as
autoridades e o Sinédrio em Jerusalém, o que
causou as primeiras perseguições. Eles eram
lançados aos açoites, às prisões e às feras nos
grandes coliseus. O que intrigava a todos era a
capacidade de entrega e confiança na providência
divina que esses cristãos demonstravam. Não
temiam a morte, negavam-se a retificar a sua fé
e mantinham confiança plena no futuro
espiritual.
É isso que nos falta hoje: confiar, saber
entregar-se ao serviço cristão e saber que na
vida terrestre encontraremos dificuldades, mas
sempre contaremos com o apoio do nosso Mestre
Jesus e dos Espíritos que nos afiançaram, por
amor, as encarnações retificadoras.
Como considera a pedagogia de Jesus na conquista
desses trabalhadores iniciais para expansão do
Evangelho?
Jesus é intrigante em seu modo de ensinamento:
ele sabia penetrar as dificuldades, anseios e
limitações da criatura em lutas no torvelinho
das encarnações probatórias. Mais que isso, ele
nos via – e ainda vê – como espíritos imortais
carreando consigo limitações de ordem expiatória
e possibilidades de futuro evolutivo. Não
desprezava a ninguém.
No chamado dos quatro primeiros discípulos
(Pedro, André, Tiago e João) ele nos dá um
ensinamento profundo: o evangelho deve
iniciar-se em família. A base de toda a
iniciação do homem moral do futuro deve se dar
dentro do seio familiar. É o local em que se
misturam os sentimentos mais altivos do coração,
a exemplificação do bem e os conceitos morais
que podem dirigir, decisivamente, uma fieira de
encarnações.
A pedagogia do Cristo sempre foi de ordem
disciplinar com os trabalhadores iniciais, mas
sempre carreada de afeto e cuidado no trato com
o próximo. Jesus mostrou aos primeiros cristãos
que não devemos renunciar ao cuidado com nossas
limitações interiores, usando do trabalho como
instrumento de amor nos grandes celeiros do
mundo. Assim também devemos proceder no dia a
dia.
Qual o maior exemplo ou legado marcante deixado
por aqueles pioneiros?
Os Homens do Caminho tinham um ideal comum: a
vida espiritual e a certeza de um futuro melhor
no plano vindouro. Eis o espólio dos cristãos
primitivos. O homem moderno se esqueceu desses
princípios e abraçou o materialismo, agora
traduzido nas redes sociais, nas facilidades
sexuais e nos relacionamentos menos dignos.
Além disso, esses homens e mulheres estavam em
comunhão perene com a espiritualidade desde o
nascer do sol até o crepúsculo. Não possuíam
prata ou ouro, mas detinham em seus corações o
patrimônio imorredouro de que o Cristo falava: a
fé no futuro e em Deus nosso Pai. Daí os grandes
prodígios realizados por Pedro e João (Atos
3:1-9), dentre muitos outros que se operaram
após a grande Diáspora em 70 d.C.
Algum vulto em especial gostaria de destacar,
dentre tantos?
Existem duas figuras dramáticas das obras do
“quinto evangelista” Emmanuel que gostaríamos de
destacar: Quinto Varro (do livro Ave Cristo)
e Célia (do livro 50 anos depois). Essas
duas personagens nos mostram que a escalada para
o Evangelho e a “salvação” são realizadas por
meio de atos ordinários na vida. Sempre
imaginamos que os espíritos superiores
realizaram atos hercúleos diuturnamente ao longo
de suas existências para alcançar os orbes
perfeitos, mas não é bem assim. A elevação moral
se dá em atos simples e corriqueiros na
existência, tendo fé, tendo esperança e, acima
de tudo, caridade e esforço de compreensão para
com todos, principalmente os que nos são mais
próximos.
Por óbvio que esses atos demandam um elemento
primordial para o sucesso espiritual, muito bem
intitulado na pergunta 909 de O Livro dos
Espíritos (vontade). A porta estreita está
em verdade dentro de nós; somos imperfeitos
porque decidimos caminhar fora dos limites
traçados pelo grande arquiteto do universo.
No entanto, Quinto Varro e Célia souberam
retirar as sombras de seus corações por meio do
espírito de serviço, perdão, não agressão e
submissão às determinações de Deus, o que lhes
garantiu uma felicidade enorme em face das
benesses passageiras e carcomidas do mundo em
que vivemos. Eis o que devemos fazer: seguir o
exemplo desses espíritos simples e intrépidos...
e assim seremos muito felizes.
Nesse processo de expansão do Evangelho, além
dos próprios textos anotados pelos chamados
evangelistas, o que dizer de forma geral do
conteúdo das famosas Cartas de Paulo?
Muitos estudiosos da obra Paulina dizem que se
não fosse o esforço do Apóstolo dos Gentios, o
evangelho não teria chegado até nós. Outros
narram que o conteúdo das Cartas de Paulo é um
tratado teológico, porém não é bem assim. Paulo
não escreveu evangelhos, mas sim cartas
instrutivas aos povos gentios.
Paulo, além de todas as suas qualidades de
espírito, era um organizador nato. Suas cartas
serviram para estabelecer um alinhamento geral
para as comunidades cristãs primitivas e recém
estabelecidas em Roma, áreas da Grécia, Anatólia
(atual Turquia) e outros locais.
Assim como temos dissensões nas casas espíritas
de hoje, desalinhamentos doutrinários e outros
mais, na época de Paulo também existiam esses
problemas. Falsos Profetas tentavam ludibriar os
recém-chegados ao Caminho incutindo conceitos de
outras religiões e ensinando materiais das
Religiões Flamínias (Romanas).
O esforço das cartas paulinas é justamente nesse
sentido: organizar o cristianismo primitivo e
estabelecer bases sólidas para que não se
desfizesse em meio ao século da Boa Nova,
perdendo-se na escuridão que já se aproximava.
O que mais o sensibiliza em tudo isso?
Estudar o Cristianismo Primitivo é como retornar
no tempo e sentar-se com Jesus à mesa,
repartindo o pão da vida e bebendo o cálice de
seus conhecimentos. Abandonam-se as tribulações
do mundo moderno para mergulhar nos ensinamentos
puros do Cristo, que estão há muito tempo
esquecidos pelo homem e praticados apenas no
vocábulo vazio dos púlpitos modernos.
É necessário retirar o Cristo das cruzes, dos
folhetos nas carteiras e dos pingentes
dependurados em correntes de ouro. Jesus é um
mestre vivo de luz e carinho. Por meio dele
podemos alcançar a verdadeira felicidade, que em
nada se compara com os deleites passageiros da
nossa estranha Terra. Os cristãos primitivos
sabiam disso e não cultuavam um Jesus em
sofrimento.
Viver o exemplo do Cristo no dia a dia, com a
intrepidez de Paulo e dos primeiros cristãos é
uma necessidade urgente, porém sem pressa. Cada
espírito deve tratar de entender a si mesmo e
trilhar os caminhos do evangelho no momento que
mais lhe aprouver, como nas palavras de Jesus a Publio
Lentulus: “pode me seguir hoje, ou daqui a
mil anos”.
Nessa trajetória de milênios, considera que
avançamos mais em que direção, após tantos
exemplos e ensinos?
Se retirássemos do mundo hodierno as leis, por
apenas alguns dias, retornaríamos à barbárie de
tempos anteriores. O homem avançou muito em
questões científicas, criou aviões e meios de
transporte coletivo, manejou os interesses da
economia e câmbio global, possibilitou a
aproximação dos sentimentos por meio da internet
e as redes sociais, mas realizou tacanho
progresso moral nesses tempos.
Moralmente ainda continuamos fora das leis
traçadas por Deus e ensinadas por Jesus Cristo,
e não soubemos – ao menos a maioria da
humanidade – internalizar a Justiça, Amor e a
Caridade em nossos comportamentos sociais. De
fato, existem muitas personalidades que
conseguiram destacar-se nos campos morais, a
exemplo de Bezerra de Menezes, Francisco Cândido
Xavier, Irmã Dulce, Madre Teresa de Calcutá,
Mahatma Gandhi, Jerônimo Mendonça, entre outros.
Mas ainda são poucos os trabalhadores que se
desvencilharam das sombras do próprio coração.
Todavia, são chegados os tempos em que, após
longas provações e expiações, os que se
esforçarem moralmente poderão descansar e
recuperar-se das grandes provas num mundo
regenerado.
Fique claro que esses acontecimentos não ocorrem
devido a punição, tampouco de flagelos enviados
por Deus aos espíritos da Terra, mas são, sim,
consequências da obstinação no mal de muitas
entidades, mesmo após tantos exemplos e ensinos
de três revelações ao longo de 3.500 (três mil e
quinhentos) anos.
Deus permita que estejamos entre os merecedores
do orbe terreno, com as vestes adequadas e o
coração regenerado sob os ensinamentos do
Espiritismo cristão.
Palavras finais.
Queridos irmãos, Deus nos conceda paz.
Estamos em um tempo de mudanças espirituais e
podemos atestar esse fato pelos momentos
difíceis da Terra: estamos assistindo à passagem
de atividades belicosas, a um número crescente
de suicídios, ao esvaziamento da moralidade, à
ingratidão e, por fim, ao materialismo que se
alastra como verdadeira epidemia.
Jesus, no entanto, continua aguardando-nos em
seu Reino de Luz. Ele está no leme da grande
barcaça terrestre, como a nos dizer: “homens
de boa fé, não percam as esperanças... eu venci
o mundo”. Ao seu dispor encontram-se
espíritos bondosos e diretores das organizações
espirituais, qual grande exército que pulsa sob
suas ordens magnânimas. Portanto, nós não
estamos desamparados.
Necessário renovarmos hoje nossos compromissos
com o bem e, como assume afetuosamente
recomendou Paulo a Timóteo: “a tua parte de
sofrimento como o bom soldado de Cristo Jesus”.
Afinal, ninguém pode receber os louros da
vitória espiritual ou troféus divinos sem antes
engajar-se na grande luta contra suas
imperfeições.
Vivamos santamente, bondosamente,
misericordiosamente, no espírito de serviço aos
nossos irmãos, seguindo as palavras e a conduta
do nosso Mestre Jesus entre os nossos próximos,
mais próximos.
Ave Cristo! Que Jesus nos abençoe a jornada.
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