Quem mais sofre é quem tem mais tempo
para si
Um reumatologista amigo, às voltas com dores crônicas na
coluna e nos joelhos, me disse, brincando:
- Quando um paciente começa a se queixar de dores, eu
lhe pergunto: “Suas dores são maiores que as minhas?
Porque, se não forem maiores, vamos deixar para lá”.
A dor é uma sensação tão íntima e subjetiva que ninguém
pode avaliar a dor do outro. Mas, são condições
inerentes à própria vida. Ninguém passa pela existência
física imune a aflições, desencantos, dores físicas e
morais.
Existem sofrimentos que são evitáveis, outros não. São
evitáveis os sofrimentos que decorrem de ações
equivocadas, de escolhas erradas, ou de comportamentos
indesejáveis. A pressa, a imprudência, os excessos, os
descuidos, a desinformação, a má fé, a ingenuidade ou a
prática desonesta respondem por muitas vicissitudes
humanas que poderiam ser evitadas.
Outros sofrimentos não podem ser evitados, pois estão no
DNA da existência física: nascer, crescer, deparar-se
com as angústias da adolescência, gestar e parir um
filho, sepultar os pais, ou envelhecer são condições
geradoras de sofrimentos, e quase ninguém pode se furtar
a elas.
A forma de lidarmos com as dores vai definir o impacto
delas em nossa vida.
Chico Xavier dizia que quem
mais sofre no mundo é quem tem mais tempo para si mesmo.
Quando o sofrimento alheio nos incomoda, o nosso não nos
incomoda tanto... a gente tem a mania de dramatizar em
excesso a própria dor.
Deparei-me, nestes quarenta anos de prática médica, com
pessoas que me davam a impressão de se terem rendido ao
sofrimento. Algumas foram perseguidas por uma série de
situações tão dolorosas, que tiveram minadas todas as
forças que lhes permitiam prosseguir. Precisavam mesmo
de acolhimento, amparo e cuidado.
Outras, no entanto, eram felizes na infelicidade,
porque, de alguma forma, se beneficiavam do infortúnio.
Mantinham o marido ou a esposa, o filho ou a filha, ou
os pais vinculados a elas em virtude da infelicidade.
Ou, ainda, levavam a vida sem assumir as próprias
responsabilidades, vivendo à custa de um forçado
auxílio-doença previdenciário. Em relação a estes
últimos, muitos de nós, por imaturidade, os víamos como
coitadinhos. Isso em nada ajuda, podendo, até mesmo,
agravar a situação. Afinal, defunto que encontra quem
carrega, se balança.