Pondo os
pingos nos is
Polêmicas e
interpretações
equivocadas têm
prejudicado o avanço do
movimento espírita.
Recentemente assisti a
uma palestra em
determinado Centro e, em
dado momento, o orador
fez algumas afirmações
no mínimo inquietantes.
No ardor da sua
exposição criticou o
médium Divaldo Pereira
Franco por sua fala
“empolada”. Na sua
opinião, precisamos
simplificar mais. Mas
será, pergunto eu, que
falar bem o idioma
tornou-se um defeito de
oratória ou será que nos
tornamos vítimas da
hipersimplificação?
Há estilos e “estilos”
distintos de abordagem
dos assuntos, havendo
espaço para todos os
gostos, mas não devemos
tomar a nossa
preferência pessoal como
baliza de tudo. O que
não me parece razoável,
é esperar que um
palestrante, articulista
ou escritor corrija
todas as deficiências de
aprendizado da audiência
- aliás, problema
generalizado como
apontam os testes de
nível educacional e
quejandos efetuados no
Brasil -, a começar pela
boa vontade de
simplesmente ler a
literatura e de dominar
a língua pátria nem que
seja parcialmente.
Noutro ponto da sua
alocução falou a
respeito dos jovens e as
suas dificuldades em
abraçar a doutrina
(muitos outros, aliás,
já fizeram semelhantes
observações), e o
desafio de tornar o
Centro “mais próximo”
deles etc. Pode-se
viabilizar certas
medidas, mas,
convenhamos, não vejo
como substituir a
indispensável iniciativa
e persistência
individual. Cumpre
destacar que não devemos
jamais esquecer que o
Espiritismo é uma
doutrina que postula, de
maneira cristalina, a
necessidade do estudo
permanente desde a sua
codificação por Kardec.
Requer-se, assim,
intenso esforço e
dedicação da parte do
simpatizante para
verdadeiramente
compreendê-la.
Recordo-me, aliás, que
fui há algum tempo atrás
interpelado a esse
respeito por uma jovem
amiga (com formação
universitária e em plena
ascensão em sua carreira
profissional). Em sua
visão, os textos
espíritas apresentam uma
linguagem “complexa e de
difícil compreensão para
o público leigo”.
Disse-me ainda que os
termos e expressões
utilizadas fogem “do
nosso idioma
corriqueiro”. Ela queria
saber, enfim, a razão da
linguagem “vedada” da
doutrina...
Creio que as observações
e percepções acima são
semelhantes às de muitas
outras pessoas e, por
isso, merecem algumas
considerações. No caso
em questão,
pacientemente argumentei
que se ela fosse buscar
uma outra religião,
provavelmente ela se
depararia com expressões
e abordagens típicas
dela, o que lhe exigiria
certo esforço de leitura
e estudo. Desse modo, o
mesmo se sucede com o
Espiritismo, que tem o
seu próprio léxico e
cabedal de
conhecimentos.
Na verdade, qualquer
assunto ou tema do saber
humano é moldado por
expressões ou jargão
específico, de modo que
tal crítica ao
Espiritismo é
absolutamente
improcedente. Quanto ao
estilo dos autores –
espirituais ou não –,
cabe destacar que se
trata de escolha
individual, e o leitor
mais interessado
certamente aí também
encontra excelente
oportunidade de ampliar
o seu repertório
linguístico. Nesse
sentido, fico a imaginar
alguns gênios da
literatura do passado
sendo admoestados pela
sua forma de escrever...
ou até mesmo Espíritos
como André Luiz, Joanna
de Ângelis ou Emmanuel
sendo apodados como
incompreensíveis.
Reportando-me um pouco
mais sobre as críticas
proferidas por aquela
moça, e considerando o
seu perfil demográfico,
enviei-lhe uma cópia
digital do meu livro Espiritismo,
Gestão de Empresas e
Carreiras Profissionais:
Algumas Reflexões e
Recomendações, publicado
(gratuitamente) pela
EVOC Editora Virtual, em
2022.
Fiz isso na esperança de
aguçar-lhe a curiosidade
para assuntos pontuais
do trabalho por mim
esmiuçados à luz do
Espiritismo. No
entanto, alguns meses
depois da minha
iniciativa indaguei-a se
tinha conseguido ler
algum capítulo ao que
ela sem rodeios me
respondeu: “Puxa, ainda
não!”
Com efeito, a Doutrina
Espírita não pode
preencher ou corrigir, e
nem a ela cabe,
eventuais deficiências
nossas de aprendizado da
língua ou de qualquer
outra disciplina do
conhecimento humano, e
tampouco a falta de
sincero interesse à
leitura. Apesar disso,
noto que alguns livros
trazem até mesmo
esclarecedoras anotações
dos termos usados, como,
por exemplo, Entrega-te
e Deus, ditado
pelo Espírito Joanna de
Ângelis (psicografia de
Divaldo Pereira Franco).
Por isso, entendo que
devemos subir a própria
barra da autoaplicação e
nos empenhar sincera e
devotadamente em
aprender, sejamos
jovens, adultos ou
velhos.
Nos últimos doze meses
aproximadamente
presenteei três pessoas
muito queridas com o
livro Paulo e Estêvão,
ditado pelo Espírito
Emmanuel (psicografia de
Francisco Cândido
Xavier), que
relata a vida destes
extraordinários
Apóstolos. Aliás,
verdadeiro clássico
doutrinário. Para minha
surpresa não recebi
nenhum comentário delas
a respeito do teor da
obra, o que me levou a
seriamente cogitar que
não leram a sublime obra
tão cheia, a propósito,
de ensinamentos e
aprendizados. Indiquei-o
a uma outra pessoa que
me confessou, em dado
momento, não ter
conseguido chegar até o
fim.
Reitero, portanto, que
há uma parte que só a
nós compete realizar, ou
seja, a de ler
(estudar), meditar e
aplicar. É importante
frisar que a
popularização da
Doutrina Espírita nos
dias atuais é digna de
nota, pois os artigos,
livros, palestras,
podcasts, sites,
programas de rádio e
outras formas de
divulgação estão
disponíveis a todos,
muitas vezes
gratuitamente. Assim
sendo, não é por falta
de opções e alternativas
que se deixa de
aprender.
Voltando ao colega
palestrante acima
aludido, recordo-me
ainda que ele também fez
uma crítica velada ao
livro Memórias de um
Suicida, de autoria
do Espírito Camilo
Cândido e psicografada
por Yvonne A. Pereira,
insinuando-o ser pesado
demais. Admitamos que a
vida humana em si,
normalmente repleta de
altos e baixos, é
altamente complicada.
Reconheçamos que o uso
do livre arbítrio nos
faculta possibilidades
sem conta, mas devemos
por ele responder com
plena responsabilidade.
Convenhamos, se a ideia
central do Espiritismo é
informar à humanidade
sobre a continuidade da
vida, o tema do suicídio
e as suas agruras não
poderiam ser
negligenciados, ainda
mais quando se observa o
crescimento mundial
desse ato extremo.
Calarmos sobre tão
importante assunto seria
faltar com a caridade do
esclarecimento. Aliás,
como humildemente
escreveu o próprio autor
espiritual da obra:
“Não os convidarei a
crer. Não é assunto
que se imponha à crença,
simplesmente, mas ao
raciocínio, ao exame, à
investigação. Se sabem
raciocinar e podem
investigar – que o
façam, e chegarão a
conclusões lógicas que
os colocarão na pista de
verdades assaz
interessantes para toda
a espécie humana! [...].” (ênfase
minha)
Por outro lado, o
Espiritismo continua
sendo mal interpretado
no âmbito acadêmico. Na
Europa, por exemplo, o
“Kardecismo” é visto,
conforme me revelou o
editor de uma destacada
publicação, não como
religião (muito menos
cristã) pelos scholars,
mas como uma espécie de
“tradição esotérica”
típica do continente. Ou
seja, eles parecem
encontrar grandes
dificuldades de aceitar
- mesmo tendo Kardec
declarado como todas as
letras - que Espiritismo
é também religião (ver,
a propósito, o artigo
intitulado “O
Espiritismo é uma
religião?” na Revista
Espírita de dezembro
de 1868).
Os Centros Espíritas no
exterior, por sua vez,
parecem não estar
conseguindo atrair e/ou
compatibilizar o
conteúdo doutrinário
aos outsiders. Um
estudo recentemente
publicado no International
Journal of Latin
American Religions trata
das dificuldades de
integração doutrinária
entre os espíritas
brasileiros e os
alemães. Na verdade, o
interesse maior pela
doutrina, segundo vários
relatos, continua
partindo dos brasileiros
residentes em outros
países e respectivos
filhos.
Em resumo, parece que o
movimento espírita ainda
não conseguiu superar
certos obstáculos à sua
propagação, e as pessoas
não têm feito o esperado
esforço de aprendizado
para assimilá-lo
adequadamente.
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