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por Rogério Coelho

 

Médiuns, mediunidades & conflitos 


As ambições e todas as cobiças dos homens são exploradas jeitosamente pe­los Espíritos perversos. 
Erasto [1]  (Reunião particular. 25 de fevereiro de 1863. - Médium, Sr. d'Ambel)


Há no momento atual uma recrudescência de obsessão, re­sultado da luta que devem, inevitavelmente, sustentar as ideias novas contra seus adversários encarnados e desencarnados. A obsessão, habilmente explorada pelos inimigos do Espiritismo, é uma das provas mais perigosas que se terá que suportar antes de se assentar de maneira estável no espírito das populações, também deve ela ser combatida por todos os meios possíveis, e, sobretudo pela prudência e energia de vossos guias espirituais e terrestres.

De todas as partes surgem médiuns com pretensas missões, como Macbeth, um Espírito para lhes dizer: “Tu também serás rei.” E que não se creia designado a um apostolado todo par­ticular: há poucas reuniões íntimas, e mesmo de grupos de fa­mília que não hajam contado, entre seus médiuns, ou seus sim­ples crentes, uma alma bastante enfatuada de si mesma para se crer indispensável ao sucesso da grande causa, muito presun­çosa para se contentar com modesto papel de obreiro trazendo sua pedra ao edifício. Ai! meus amigos, quantas pessoas de zelo excessivo e inútil!

Quase todos os novos médiuns estão submetidos, em seu início, a essa tentação perigosa; alguns a resistem, mas muitos nela sucumbem, ao menos por um tempo, até que os fracassos sucessivos venham desenganá-los. Por que Deus permite uma prova tão difícil, senão para provar que o bem e o progresso não se estabelecem jamais sem trabalho e sem combate, para dar o triunfo da verdade mais brilhante pelas dificuldades da luta? E que querem certos Espíritos da erraticidade fomentando, en­tre as mediocridades da encarnação essa exaltação do amor-próprio e do orgulho, senão entravar o progresso? Sem o querer, somos instrumentos da prova que colocará em evidência os bons e os maus servidores de Deus. A este, tal Espírito promete o segredo da transmutação dos metais, como a um médium de R...; aquele, como um Espírito revela pretensos acon­tecimentos que vão se cumprir, e fixa as épocas, precisa as datas, nomeia os autores que devem concorrer ao drama anun­ciado; a tal outro, um Espírito mistificador ensina a incubação dos diamantes; a outros são indicadas os tesouros ocultos, a glória, as honras, etc.; em uma palavra, todas as ambições e todas as cobiças dos homens são exploradas jeitosamente pe­los Espíritos perversos. É porque de todos os lados vedes esses pobres obsidiados se prestarem a subir ao Capitólio com uma gravidade e uma importância que entristece o observador im­parcial. Qual é o resultado de todas essas promessas falacio­sas? As decepções, os dissabores, o ridículo, por vezes a ruína, justa punição do orgulho presunçoso que se crê chamado a fa­zer melhor que todo o mundo, desdenhando os conselhos e desprezando os verdadeiros princípios do Espiritismo.

Tanto a modéstia é o apanágio dos médiuns escolhidos pelos bons Espíritos, tanto o orgulho, o amor-próprio e, dizemos, a me­diocridade são os lados distintivos dos médiuns inspirados pe­los Espíritos inferiores; tanto os primeiros dão pouco valor às comu­nicações que recebem quanto estes se afastam da verdade, tanto os segundos mantêm contra todos a superioridade do que lhes é ditado, fosse isso mesmo absurdo. Disso resulta que, se­gundo as palavras pronunciadas na Sociedade de Paris, pelo seu presidente espiritual, São Luís, uma verdadeira Torre de Babel está em vias de se edificar entre vós. De resto, seria necessário ser cego ou enganado para não reconhecer senão à cruzada diri­gida contra o Espiritismo pelos adversários natos de toda dou­trina progressiva e emancipadora, juntando-se uma cruzada es­piritual, dirigida por todos os Espíritos pseudossábios, falsos gran­des homens, falsos religiosos e falsos irmãos da erraticidade, fa­zendo causa comum com os inimigos terrestres por meio dessa multidão de médiuns fanatizados por eles, e aos quais ditam tan­tas elucubrações mentirosas. Mas vede o que resta de todos es­ses amontoados elevados pela ambição, o amor-próprio ou o ciú­me; quantos deles não tendes visto desabar e quantos deles ve­reis desabar ainda! Eu vo-lo digo, todo edifício que não está assentado sobre a única base sólida: a verdade cairá, porque só a verdade pode desafiar o tempo e triunfar de todas as utopias. Espíritas sinceros, não vos assusteis, pois, desse caos momen­tâneo; não está longe o tempo em que a verdade, desembara­çada dos véus com os quais se quer cobri-la, deles sairá mais radiosa do que nunca, e onde a sua claridade, inundando o mundo, fará reentrar na sombra seus obscuros detratores um instante postos em evidência por sua própria confusão.

Assim, pois, meus amigos, tendes a vos defender não só dos ataques e das calúnias de vossos adversários vivos, mas também contra as manobras mais perigosas ainda de vossos adversários da erraticidade. Fortalecei-vos, pois, por santos estudos e, so­bretudo pela prática do amor e da caridade, e retemperai-vos na prece. Deus ilumina sempre aqueles que se consagram à pro­pagação da verdade, quando são de boa fé e desprovidos de toda ambição pessoal.

De resto, Espíritas, que vos importam os médiuns que não são, antes de tudo, senão os instrumentos! O que vos é necessário considerar é o valor e a importância dos ensinos que vos são dados; é a pureza da moral que vos é ensinada; é a limpidez, a precisão das verdades que vos são reveladas; é, enfim, de ver se as instruções que se vos dão respondem às legítimas aspira­ções das almas de elite, e se elas estão conformes às leis ge­rais e imutáveis da lógica e da harmonia universal.

 Espíritos imperfeitos que desempenham um papel de após­tolos junto de seus obsidiados não têm, vós o sabeis, nenhum escrúpulo em se ornamentar dos nomes mais venerados; tam­bém seria mal agradecido, e o que não sou senão um dos úl­timos e dos mais obscuros discípulos do Espírito de Verdade, se me lamentasse do abuso que alguns fizeram de meu modes­to nome; também, vos respeitei sem cessar o que disse ao meu médium há dois anos: “Não julgueis jamais uma comunicação medianímica em razão do nome do qual está assinada, mas somente pelo seu valor intrínseco.”

É urgente vos colocardes em guarda contra todas as publica­ções de origem suspeita que apareçam, ou que vão aparecer, contra todas aquelas que não teriam o modo de proceder franco e limpo, e tende por certo que mais de uma foi elaborada nos campos inimigos do mundo visível ou do mundo invisível, tendo em vista lançar entre vós tochas de discórdia. Cabe a vós não vos deixar nisso prender; tendes todos os elementos neces­sários para apreciá-las. Mas tende igualmente por certo que to­do Espírito que se anuncia a si mesmo como um ser superior, e, sobretudo como de uma infalibilidade a toda a prova não é, ao contrário, senão o contrário do que anuncia tão pomposamente. Depois que o piedoso Espírito de François-Nicolas Madeleine consentiu em me desembaraçar de uma parte de meu fardo es­piritual, pude considerar o conjunto da obra espírita, e fazer a es­tatística moral dos obreiros que trabalham na vinha do Senhor. Ai! se muitos Espíritos imperfeitos se imiscuem na obra que per­seguimos, tenho um muito grande desgosto de constatar que, entre nossas melhores ajudas da Terra, muitos se dobraram sob o peso de sua tarefa, e retomaram pouco a pouco o caminho de suas antigas fraquezas, de tal sorte que às grandes almas etéreas que os aconselhavam, são desde logo substituídas por Espíritos menos puros e menos perfeitos. Ah! sei que a virtude é difícil; mas não queremos nem pedimos o impossível. A boa von­tade nos basta quando ela é acompanhada do desejo de fazer o melhor. Em tudo, meus amigos, o relaxamento é pernicioso; por­que será muito pedido àqueles que, depois de se terem elevado por uma renúncia generosa à sua própria individualidade, reto­marão no culto da matéria, e se deixarão ainda invadir pelo egoís­mo e o amor de si mesmos. No entanto, oremos por eles e não condenemos ninguém; porque devemos sempre ter presente à memória este magnífico ensino do Cristo: “que aquele que estiver sem pecado atire a primeira pedra!”

Hoje, vossas falanges aumentam a olhos vistos, e vossos partidários se contam por milhões. Ora, em razão do número dos adeptos, se insinuam sob falsas máscaras os falsos irmãos, dos quais vosso presidente temporal vos falou recentemente. Não é que venha vos recomendar de não abrir vossas fileiras senão aos cordeiros sem mácula e às vitelas brancas; não, porque, mais do que todos os outros, os pecadores têm o direito de encontrar entre vós um refúgio contra suas próprias imperfeições. Mas aqueles dos quais vos convido a desconfiar são esses hipócritas perigosos aos quais, à primeira vista, se está tentado de conceder toda confian­ça. Com a ajuda de uma linha rígida, sob o olhar observador das multidões, conservam esse ar sério e digno que faz dizer deles: “Que pessoas respeitáveis!” Ao passo que sob essa respeitável aparência, às vezes, dissimulam a perfídia e a imoralidade. São sociáveis, obsequiosas; intrometem-se nos interiores; remexem de bom grado na vida privada; escutam atrás das portas e se fazem surdos para melhor ouvirem; pressentem as inimizades, as ins­tigam e as entretêm; vão nos campos opostos questionando e interrogando sobre cada um. Que faz este? De que vive aquele? Quem é essa pessoa? Conheceis sua família? Vede-os em se­guida irem surdamente destilar na sombra as pequenas maledi­cências que puderam recolher, tendo o cuidado de envenenar por piedosas calúnias. “Esses são os boatos, dizem, aos quais não se crê;”, mas, no entanto, acrescentam: “Não há fumaça sem fogo, etc., etc.”

A esses hipócritas da encarnação reuni os hipócritas da erraticidade, e vereis, meus caros amigos, quanto tenho razão de vos aconselhar agir doravante com uma reserva extrema, e vos guardar de toda imprudência e de todo o entusiasmo irrefletido. Eu vos disse, estais num momento de crise, tornado mais difícil pela malevolência, mas do qual saireis mais fortes com a firme­za e a perseverança.

O número dos médiuns é hoje incalculável, e é deplorável ver que alguns se creem os únicos chamados para distribuir a verdade ao mundo e se extasiarem diante das banalidades que consideram como monumentos. Pobres enganados que se abai­xam passando sob os arcos de triunfo! Como se a verdade tives­se esperado sua vinda para ser anunciada. Nem o forte, nem o fraco, nem o instruído, nem o ignorante, tiveram esse privilégio exclusivo; é por mil vozes desconhecidas que a verdade se di­funde, e é justamente por essa unanimidade que ela tem sabido se fazer reconhecer. Contai essas vozes, contai aqueles que as escutam, contai, sobretudo aqueles que elas tocam o cora­ção, se quereis saber de que lado está a verdade. Ah! se to­dos os médiuns tivessem a fé, eu seria o primeiro a me incli­nar diante deles; mas não têm, a maior parte do tempo, senão fé em si mesmos, tanto o orgulho é grande sobre a Terra! Não, sua fé não é aquela que transporta as montanhas e que faz ca­minhar sobre as águas! É o caso de repetir aqui esta máxima evangélica, que me serviu de tema quando me fiz ouvir no meu início entre vós: muitos chamados e poucos escolhidos.

Em suma, publicações à direita, publicações à esquerda, pu­blicações por toda a parte, pró ou contra, em todos os sentidos, sob todas as formas; críticas exageradas da parte de pessoas que não sabem a primeira palavra; sermões arrebatados de pes­soas que o repelem; em suma, digo, o Espiritismo está na or­dem do dia; abala todos os cérebros, agita todas as consciên­cias, privilégio exclusivo das grandes coisas; cada um pressente que ele leva em si o princípio de uma renovação que uns pedem em seus votos, e os outros temem. Mas, de tudo isto, que restará dessa Torre de Babel, que jorrará? Uma coisa imensa: a divulgação da ideia espírita, e como doutrina, o que será ver­dadeiramente doutrina! Esse conflito é inevitável, porque o ho­mem está maculado de muito orgulho e de egoísmo para aceitar sem oposição uma verdade nova qualquer; digo mesmo que esse conflito é necessário, porque é o choque de ideias que estraga as ideias falsas e faz ressaltar a força daquelas que resistem. No meio dessa avalanche de mediocridades, de impossibilidades e de utopias irrealizáveis, a verdade esplêndida desabrochará em sua grandeza e sua majestade.      


 

[1] - “Spirite Revue - Dezembro de 1863. Instruções dos Espíritos, p. 302.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita