Médiuns, mediunidades & conflitos
As ambições e todas as cobiças dos homens são
exploradas jeitosamente pelos Espíritos
perversos. Erasto (Reunião
particular. 25 de fevereiro de 1863. - Médium,
Sr. d'Ambel)
Há no momento atual uma recrudescência de
obsessão, resultado da luta que devem,
inevitavelmente, sustentar as ideias novas
contra seus adversários encarnados e
desencarnados. A obsessão, habilmente explorada
pelos inimigos do Espiritismo, é uma das provas
mais perigosas que se terá que suportar antes de
se assentar de maneira estável no espírito das
populações, também deve ela ser combatida por
todos os meios possíveis, e, sobretudo pela
prudência e energia de vossos guias espirituais
e terrestres.
De todas as partes surgem médiuns com pretensas
missões, como Macbeth, um Espírito para lhes
dizer: “Tu também serás rei.” E que não
se creia designado a um apostolado todo
particular: há poucas reuniões íntimas, e mesmo
de grupos de família que não hajam contado,
entre seus médiuns, ou seus simples crentes,
uma alma bastante enfatuada de si mesma para se
crer indispensável ao sucesso da grande causa,
muito presunçosa para se contentar com modesto
papel de obreiro trazendo sua pedra ao edifício.
Ai! meus amigos, quantas pessoas de zelo
excessivo e inútil!
Quase todos os novos médiuns estão submetidos,
em seu início, a essa tentação perigosa; alguns
a resistem, mas muitos nela sucumbem, ao menos
por um tempo, até que os fracassos sucessivos
venham desenganá-los. Por que Deus permite uma
prova tão difícil, senão para provar que o bem e
o progresso não se estabelecem jamais sem
trabalho e sem combate, para dar o triunfo da
verdade mais brilhante pelas dificuldades da
luta? E que querem certos Espíritos da
erraticidade fomentando, entre as mediocridades
da encarnação essa exaltação do amor-próprio e
do orgulho, senão entravar o progresso? Sem o
querer, somos instrumentos da prova que colocará
em evidência os bons e os maus servidores de
Deus. A este, tal Espírito promete o segredo da
transmutação dos metais, como a um médium de
R...; aquele, como um Espírito revela pretensos
acontecimentos que vão se cumprir, e fixa as
épocas, precisa as datas, nomeia os autores que
devem concorrer ao drama anunciado; a tal
outro, um Espírito mistificador ensina a
incubação dos diamantes; a outros são indicadas
os tesouros ocultos, a glória, as honras, etc.;
em uma palavra, todas as ambições e todas as
cobiças dos homens são exploradas jeitosamente
pelos Espíritos perversos. É porque de todos os
lados vedes esses pobres obsidiados se prestarem
a subir ao Capitólio com uma gravidade e uma
importância que entristece o observador
imparcial. Qual é o resultado de todas essas
promessas falaciosas? As decepções, os
dissabores, o ridículo, por vezes a ruína, justa
punição do orgulho presunçoso que se crê chamado
a fazer melhor que todo o mundo, desdenhando os
conselhos e desprezando os verdadeiros
princípios do Espiritismo.
Tanto a modéstia é o apanágio dos médiuns
escolhidos pelos bons Espíritos, tanto o
orgulho, o amor-próprio e, dizemos, a
mediocridade são os lados distintivos dos
médiuns inspirados pelos Espíritos inferiores;
tanto os primeiros dão pouco valor às
comunicações que recebem quanto estes se
afastam da verdade, tanto os segundos mantêm
contra todos a superioridade do que lhes é
ditado, fosse isso mesmo absurdo. Disso resulta
que, segundo as palavras pronunciadas na
Sociedade de Paris, pelo seu presidente
espiritual, São Luís, uma verdadeira Torre
de Babel está
em vias de se edificar entre vós. De resto,
seria necessário ser cego ou enganado para não
reconhecer senão à cruzada dirigida contra o
Espiritismo pelos adversários natos de toda
doutrina progressiva e emancipadora,
juntando-se uma cruzada espiritual, dirigida
por todos os Espíritos pseudossábios, falsos
grandes homens, falsos religiosos e falsos
irmãos da erraticidade, fazendo causa comum com
os inimigos terrestres por meio dessa multidão
de médiuns fanatizados por eles, e aos quais
ditam tantas elucubrações mentirosas. Mas vede
o que resta de todos esses amontoados elevados
pela ambição, o amor-próprio ou o ciúme;
quantos deles não tendes visto desabar e quantos
deles vereis desabar ainda! Eu vo-lo digo, todo
edifício que não está assentado sobre a única
base sólida: a verdade cairá, porque só a
verdade pode desafiar o tempo e triunfar de
todas as utopias. Espíritas sinceros, não vos
assusteis, pois, desse caos momentâneo; não
está longe o tempo em que a verdade,
desembaraçada dos véus com os quais se quer
cobri-la, deles sairá mais radiosa do que nunca,
e onde a sua claridade, inundando o mundo, fará
reentrar na sombra seus obscuros detratores um
instante postos em evidência por sua própria
confusão.
Assim, pois, meus amigos, tendes a vos defender
não só dos ataques e das calúnias de vossos
adversários vivos, mas também contra as manobras
mais perigosas ainda de vossos adversários da
erraticidade. Fortalecei-vos, pois, por santos
estudos e, sobretudo pela prática do amor e da
caridade, e retemperai-vos na prece. Deus
ilumina sempre aqueles que se consagram à
propagação da verdade, quando são de boa fé e
desprovidos de toda ambição pessoal.
De resto, Espíritas, que vos importam os médiuns
que não são, antes de tudo, senão os
instrumentos! O que vos é necessário considerar
é o valor e a importância dos ensinos que vos
são dados; é a pureza da moral que vos é
ensinada; é a limpidez, a precisão das verdades
que vos são reveladas; é, enfim, de ver se as
instruções que se vos dão respondem às legítimas
aspirações das almas de elite, e se elas estão
conformes às leis gerais e imutáveis da lógica
e da harmonia universal.
Espíritos imperfeitos que desempenham um papel
de apóstolos junto de seus obsidiados não têm,
vós o sabeis, nenhum escrúpulo em se ornamentar
dos nomes mais venerados; também seria mal
agradecido, e o que não sou senão um dos
últimos e dos mais obscuros discípulos do Espírito
de Verdade, se
me lamentasse do abuso que alguns fizeram de meu
modesto nome; também, vos respeitei sem cessar
o que disse ao meu médium há dois anos: “Não
julgueis jamais uma comunicação medianímica em
razão do nome do qual está assinada, mas somente
pelo seu valor intrínseco.”
É urgente vos colocardes em guarda contra todas
as publicações de origem suspeita que apareçam,
ou que vão aparecer, contra todas aquelas que
não teriam o modo de proceder franco e limpo, e
tende por certo que mais de uma foi elaborada
nos campos inimigos do mundo visível ou do mundo
invisível, tendo em vista lançar entre vós
tochas de discórdia. Cabe a vós não vos deixar
nisso prender; tendes todos os elementos
necessários para apreciá-las. Mas tende
igualmente por certo que todo Espírito que se
anuncia a si mesmo como um ser superior, e,
sobretudo como de uma infalibilidade a toda a
prova não é, ao contrário, senão o contrário do
que anuncia tão pomposamente. Depois que o
piedoso Espírito de François-Nicolas Madeleine
consentiu em me desembaraçar de uma parte de meu
fardo espiritual, pude considerar o conjunto da
obra espírita, e fazer a estatística moral dos
obreiros que trabalham na vinha do Senhor. Ai!
se muitos Espíritos imperfeitos se imiscuem na
obra que perseguimos, tenho um muito grande
desgosto de constatar que, entre nossas melhores
ajudas da Terra, muitos se dobraram sob o peso
de sua tarefa, e retomaram pouco a pouco o
caminho de suas antigas fraquezas, de tal sorte
que às grandes almas etéreas que os
aconselhavam, são desde logo substituídas por
Espíritos menos puros e menos perfeitos. Ah! sei
que a virtude é difícil; mas não queremos nem
pedimos o impossível. A boa vontade nos basta
quando ela é acompanhada do desejo de fazer o
melhor. Em tudo, meus amigos, o relaxamento é
pernicioso; porque será muito pedido àqueles
que, depois de se terem elevado por uma renúncia
generosa à sua própria individualidade,
retomarão no culto da matéria, e se deixarão
ainda invadir pelo egoísmo e o amor de si
mesmos. No entanto, oremos por eles e não
condenemos ninguém; porque devemos sempre ter
presente à memória este magnífico ensino do
Cristo: “que aquele que estiver sem pecado atire
a primeira pedra!”
Hoje, vossas falanges aumentam a olhos vistos, e
vossos partidários se contam por milhões. Ora,
em razão do número dos adeptos, se insinuam sob
falsas máscaras os falsos irmãos, dos quais
vosso presidente temporal vos falou
recentemente. Não é que venha vos recomendar de
não abrir vossas fileiras senão aos cordeiros
sem mácula e às vitelas brancas; não, porque,
mais do que todos os outros, os pecadores têm o
direito de encontrar entre vós um refúgio contra
suas próprias imperfeições. Mas aqueles dos
quais vos convido a desconfiar são esses
hipócritas perigosos aos quais, à primeira
vista, se está tentado de conceder toda
confiança. Com a ajuda de uma linha rígida, sob
o olhar observador das multidões, conservam esse
ar sério e digno que faz dizer deles: “Que
pessoas respeitáveis!” Ao passo que sob essa
respeitável aparência, às vezes, dissimulam a
perfídia e a imoralidade. São sociáveis,
obsequiosas; intrometem-se nos interiores;
remexem de bom grado na vida privada; escutam
atrás das portas e se fazem surdos para melhor
ouvirem; pressentem as inimizades, as instigam
e as entretêm; vão nos campos opostos
questionando e interrogando sobre cada um. Que
faz este? De que vive aquele? Quem é essa
pessoa? Conheceis sua família? Vede-os em
seguida irem surdamente destilar na sombra as
pequenas maledicências que puderam recolher,
tendo o cuidado de envenenar por piedosas
calúnias. “Esses são os boatos, dizem, aos quais
não se crê;”, mas, no entanto, acrescentam: “Não
há fumaça sem fogo, etc., etc.”
A esses hipócritas da encarnação reuni os
hipócritas da erraticidade, e vereis, meus caros
amigos, quanto tenho razão de vos aconselhar
agir doravante com uma reserva extrema, e vos
guardar de toda imprudência e de todo o
entusiasmo irrefletido. Eu vos disse, estais num
momento de crise, tornado mais difícil pela
malevolência, mas do qual saireis mais fortes
com a firmeza e a perseverança.
O
número dos médiuns é hoje incalculável, e é
deplorável ver que alguns se creem os únicos
chamados para distribuir a verdade ao mundo e se
extasiarem diante das banalidades que consideram
como monumentos. Pobres enganados que se
abaixam passando sob os arcos de triunfo! Como
se a verdade tivesse esperado sua vinda para
ser anunciada. Nem o forte, nem o fraco, nem o
instruído, nem o ignorante, tiveram esse
privilégio exclusivo; é por mil vozes
desconhecidas que a verdade se difunde, e é
justamente por essa unanimidade que ela tem
sabido se fazer reconhecer. Contai essas vozes,
contai aqueles que as escutam, contai, sobretudo
aqueles que elas tocam o coração, se quereis
saber de que lado está a verdade. Ah! se todos
os médiuns tivessem a fé, eu seria o primeiro a
me inclinar diante deles; mas não têm, a maior
parte do tempo, senão fé em si mesmos, tanto o
orgulho é grande sobre a Terra! Não, sua fé não
é aquela que transporta as montanhas e que faz
caminhar sobre as águas! É o caso de repetir
aqui esta máxima evangélica, que me serviu de
tema quando me fiz ouvir no meu início entre
vós: muitos
chamados e poucos escolhidos.
Em
suma, publicações à direita, publicações à
esquerda, publicações por toda a parte, pró ou
contra, em todos os sentidos, sob todas as
formas; críticas exageradas da parte de pessoas
que não sabem a primeira palavra; sermões
arrebatados de pessoas que o repelem; em suma,
digo, o Espiritismo está na ordem do dia; abala
todos os cérebros, agita todas as consciências,
privilégio exclusivo das grandes coisas; cada um
pressente que ele leva em si o princípio de uma
renovação que uns pedem em seus votos, e os
outros temem. Mas, de tudo isto, que restará
dessa Torre de Babel, que jorrará? Uma coisa
imensa: a divulgação da ideia espírita, e como
doutrina, o que será verdadeiramente doutrina! Esse
conflito é inevitável, porque o homem está
maculado de muito orgulho e de egoísmo para
aceitar sem oposição uma verdade nova qualquer;
digo mesmo que esse conflito é necessário,
porque é o choque de ideias que estraga as
ideias falsas e faz ressaltar a força daquelas
que resistem. No meio dessa avalanche de
mediocridades, de impossibilidades e de utopias
irrealizáveis, a verdade esplêndida desabrochará
em sua grandeza e sua majestade.