As minhas reencarnações
O ser humano, no atual estágio evolutivo em que a
maioria se encontra, é muito curioso. A curiosidade em
si não é má, pois quando utilizada para ampliação do
conhecimento, é muito útil. O problema está quando
utilizamos a curiosidade para coisas fúteis, mundanas,
que não promovem o bem. Os espíritas, infelizmente, não
escapam disso, pois que entre os adeptos do Espiritismo,
ou pelo menos assim se dizem, também temos pessoas
levianas, fofoqueiras, cheias de ideias próprias, e que
adoram investigar as existências passadas das pessoas,
principalmente se famosas. Na verdade, mais do que
investigação, são suposições, e muitos médiuns
desavisados também se encontram nessa situação,
participando da descoberta das supostas reencarnações
deste e daquele.
Todos os que assim agem, o fazem em contraposição à
própria Doutrina Espírita, que explica o porquê do
esquecimento do passado, necessário para não perturbar a
atual encarnação. Sobre esse assunto, temos um amigo que
durante muto tempo se gabava de ter sido, segundo ele e
revelação feita por um médium de sua confiança, um
participante da revolução francesa no final do século
dezoito, não perdendo oportunidade para contar sobre
essa revelação a quem quer que fosse. Procurando ampliar
o conhecimento sobre seu papel na tão famosa revolução,
aproveitou a reunião mediúnica da qual participava no
centro espírita, para indagar aos Espíritos sobre quem,
ao certo, teria sido e qual seu papel determinante na
queda da monarquia e inauguração da república francesa.
Ouviu, a contragosto, do mentor espiritual do grupo, que
ele devia se conformar e atentar para sua existência
atual. Insistindo, recebeu a seguinte resposta:
“Lembre-se que você pode ter sido um dos que aplaudiram
o uso indiscriminado da guilhotina, ceifando milhares de
vida, muitas delas inocentes. Mesmo assim, quer saber
detalhes de sua vida passada?”. Instado a refletir com
mais profundidade, desistiu da ideia e parou de se
jactar de ter vivido naquele período.
Que importa saber quem fomos em existências passadas? O
que isso vai trazer de útil para nós e para os outros?
Doutrinariamente falando, nada acrescenta ao
Espiritismo, e nem irá nos tornar melhores, pelo
contrário, poderá nos perturbar de tal maneira que
atrapalhará o que temos que fazer na atual
personalidade.
Outra ponderação a fazer é essa verdadeira mania que
muitos têm de acreditar que um personagem bom e famoso
da atualidade tenha que ter sido nas suas existências
pretéritas, também bom e famoso. O que justifica isso?
Por que haveria a pessoa de hoje ter sido filósofo, rei,
rainha, religioso, cientista de renome? Ter sido pessoa
comum, sem destaque, por acaso o diminui? E não é melhor
ter sido alguém não registrado pela história, mas
registrado pelos corações dos que agora lhe rendem
preitos de gratidão pelo bem que distribuiu?
Muitos personagens famosos, em todas as épocas e em
todos as áreas humanas, embora registrados nos livros de
história, não foram exemplos de bondade e caridade, pelo
contrário, são exemplos de tirania, desonestidade,
violência e desrespeito ao próximo, vivendo até mesmo
nos extremos do egoísmo, do orgulho e do mundanismo. É
um deles que queremos ter sido? Não, absolutamente, mas
então porque indicar que esta ou aquela pessoa tenha
sido um desses personagens?
O Espiritismo não se presta para fazer adivinhações e
suposições. Aos que assim agem, solicitamos que não se
digam espíritas, pois fazem um grande desserviço à
doutrina, gerando confusão e banalizando a reencarnação,
que é lei divina para nos proporcionar meios de
progresso intelectual, moral e espiritual, rumo à
perfeição. Lembremos Jesus: “Que te importa a ti?
Segue-me tu”. Seguir o Evangelho colocando em prática
seus ensinos morais, eis o que importa, e isso independe
de quem fomos e do que fizemos em outras existências
terrenas.
Isso não invalida as pesquisas sérias sobre casos
sugestivos de reencarnação, tais quais feitas pelo
cientista e professor Ian Stevenson (1918-2007), autor
do famoso livro Vinte Casos Sugestivos de
Reencarnação, que realizou trabalho de excelência
sobre o tema na Universidade da Virgínia, nos Estados
Unidos. Também não invalida a revelação de ordem
mediúnica feita espontaneamente, mas que deve sempre ser
acolhida com reserva, pois deve trazer elementos que
possam ser de algum modo comprovados, pois entre os
Espíritos há também os levianos quer pouco se importam
com as consequências do que falam. E revelações
mediúnicas devem passar pelo Controle Universal do
Ensino dos Espíritos, como nos alerta Allan Kardec.
Deixemos nossas vidas passadas no passado. Basta-nos
analisar as ideias inatas e as tendências de caráter que
trazemos, para termos ideia das necessidades atuais de
evolução, de melhoria que precisamos efetivar, focando
nesse trabalho, que é individual, intransferível, e do
qual teremos que prestar contas depois da desencarnação.
Agora, se perdemos tempo precioso investigando nossas
vidas passadas e das outras pessoas, descuidando da
atual existência, o que teremos para apresentar ao
Senhor da Vida?
Marcus De Mario é escritor,
educador, palestrante; coordena o Seara de Luz, grupo
on-line de estudo espírita; edita o canal Orientação
Espírita no YouTube; é editor-chefe da Revista Educação
Espírita; produz e apresenta programas espíritas na
internet; possui mais de 35 livros publicados.
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