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por Marcus De Mario

As minhas reencarnações


O ser humano, no atual estágio evolutivo em que a maioria se encontra, é muito curioso. A curiosidade em si não é má, pois quando utilizada para ampliação do conhecimento, é muito útil. O problema está quando utilizamos a curiosidade para coisas fúteis, mundanas, que não promovem o bem. Os espíritas, infelizmente, não escapam disso, pois que entre os adeptos do Espiritismo, ou pelo menos assim se dizem, também temos pessoas levianas, fofoqueiras, cheias de ideias próprias, e que adoram investigar as existências passadas das pessoas, principalmente se famosas. Na verdade, mais do que investigação, são suposições, e muitos médiuns desavisados também se encontram nessa situação, participando da descoberta das supostas reencarnações deste e daquele.

Todos os que assim agem, o fazem em contraposição à própria Doutrina Espírita, que explica o porquê do esquecimento do passado, necessário para não perturbar a atual encarnação. Sobre esse assunto, temos um amigo que durante muto tempo se gabava de ter sido, segundo ele e revelação feita por um médium de sua confiança, um participante da revolução francesa no final do século dezoito, não perdendo oportunidade para contar sobre essa revelação a quem quer que fosse. Procurando ampliar o conhecimento sobre seu papel na tão famosa revolução, aproveitou a reunião mediúnica da qual participava no centro espírita, para indagar aos Espíritos sobre quem, ao certo, teria sido e qual seu papel determinante na queda da monarquia e inauguração da república francesa. Ouviu, a contragosto, do mentor espiritual do grupo, que ele devia se conformar e atentar para sua existência atual. Insistindo, recebeu a seguinte resposta: “Lembre-se que você pode ter sido um dos que aplaudiram o uso indiscriminado da guilhotina, ceifando milhares de vida, muitas delas inocentes. Mesmo assim, quer saber detalhes de sua vida passada?”. Instado a refletir com mais profundidade, desistiu da ideia e parou de se jactar de ter vivido naquele período.

Que importa saber quem fomos em existências passadas? O que isso vai trazer de útil para nós e para os outros? Doutrinariamente falando, nada acrescenta ao Espiritismo, e nem irá nos tornar melhores, pelo contrário, poderá nos perturbar de tal maneira que atrapalhará o que temos que fazer na atual personalidade.

Outra ponderação a fazer é essa verdadeira mania que muitos têm de acreditar que um personagem bom e famoso da atualidade tenha que ter sido nas suas existências pretéritas, também bom e famoso. O que justifica isso? Por que haveria a pessoa de hoje ter sido filósofo, rei, rainha, religioso, cientista de renome? Ter sido pessoa comum, sem destaque, por acaso o diminui? E não é melhor ter sido alguém não registrado pela história, mas registrado pelos corações dos que agora lhe rendem preitos de gratidão pelo bem que distribuiu?

Muitos personagens famosos, em todas as épocas e em todos as áreas humanas, embora registrados nos livros de história, não foram exemplos de bondade e caridade, pelo contrário, são exemplos de tirania, desonestidade, violência e desrespeito ao próximo, vivendo até mesmo nos extremos do egoísmo, do orgulho e do mundanismo.  É um deles que queremos ter sido? Não, absolutamente, mas então porque indicar que esta ou aquela pessoa tenha sido um desses personagens?

O Espiritismo não se presta para fazer adivinhações e suposições. Aos que assim agem, solicitamos que não se digam espíritas, pois fazem um grande desserviço à doutrina, gerando confusão e banalizando a reencarnação, que é lei divina para nos proporcionar meios de progresso intelectual, moral e espiritual, rumo à perfeição. Lembremos Jesus: “Que te importa a ti? Segue-me tu”. Seguir o Evangelho colocando em prática seus ensinos morais, eis o que importa, e isso independe de quem fomos e do que fizemos em outras existências terrenas.

Isso não invalida as pesquisas sérias sobre casos sugestivos de reencarnação, tais quais feitas pelo cientista e professor Ian Stevenson (1918-2007), autor do famoso livro Vinte Casos Sugestivos de Reencarnação, que realizou trabalho de excelência sobre o tema na Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. Também não invalida a revelação de ordem mediúnica feita espontaneamente, mas que deve sempre ser acolhida com reserva, pois deve trazer elementos que possam ser de algum modo comprovados, pois entre os Espíritos há também os levianos quer pouco se importam com as consequências do que falam. E revelações mediúnicas devem passar pelo Controle Universal do Ensino dos Espíritos, como nos alerta Allan Kardec.

Deixemos nossas vidas passadas no passado. Basta-nos analisar as ideias inatas e as tendências de caráter que trazemos, para termos ideia das necessidades atuais de evolução, de melhoria que precisamos efetivar, focando nesse trabalho, que é individual, intransferível, e do qual teremos que prestar contas depois da desencarnação. Agora, se perdemos tempo precioso investigando nossas vidas passadas e das outras pessoas, descuidando da atual existência, o que teremos para apresentar ao Senhor da Vida?


Marcus De Mario é escritor, educador, palestrante; coordena o Seara de Luz, grupo on-line de estudo espírita; edita o canal Orientação Espírita no YouTube; é editor-chefe da Revista Educação Espírita; produz e apresenta programas espíritas na internet; possui mais de 35 livros publicados.

 

 

     
     

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