Entrevista

por Orson Peter Carrara

Lições da tragédia climática gaúcha e sua influência no mercado editorial


 
Gerente Editorial da editora da FERGS – Federação Espírita do Rio Grande do Sul, Roseni Siqueira Kohlmann (foto) nasceu e reside em Canoas, no mesmo estado. Formada em Administração – MBA em Book publishing, vincula-se à Sociedade Espírita Cristo e Caridade, que atualmente preside, sendo também vice-presidente da União Municipal Espírita de Canoas.

Entrevistamo-la sobre os desafios decorrentes da tragédia climática que atingiu o estado do Rio Grande do Sul em maio de 2024, no tocante à Editora da FERGS e os prejuízos materiais decorrentes da perda de milhares de livros do estoque. As lições contidas em suas respostas são muito valiosas para nossa análise e reflexão:

 

Com os prejuízos materiais das enchentes no RS, como a editora organizou-se nessa recuperação, exclusivamente na questão dos livros?

A catástrofe climática de maio de 2024 trouxe um impacto severo para as editoras do RS, afetando desde o estoque até a estrutura física de muitos estabelecimentos. Enfrentamos diversos desafios, desde conseguir acesso ao espaço alagado até contabilizar o real prejuízo, sempre contando com o apoio do Movimento Espírita Gaúcho, Nacional e até mesmo Internacional. Após compreendermos a dimensão do desafio, realizamos várias reuniões estratégicas, pautadas na calma, no bom ânimo e na fé. Para os livros da Fergs Editora que foram alagados, decidimos produzir novas tiragens on demand (em pequenas quantidades) para manter todos os títulos disponíveis em estoque. Além disso, intensificamos nossas vendas pelo site e WhatsApp. Assim que possível, retomamos a operação do Clube do Livro da Fergs, com o apoio da gráfica e de amigos da editora.

Quais foram os lançamentos após a lamentável ocorrência? Por favor, relacione os lançamentos 

Harmonizando o Espírito, Doença de Alzheimer, Esperançar, Vida em Abundância, Fascinação, Jovem por que te deténs- juvenil, A Moedinha de César- infantil, Florzinha Amarela- infantil, A Lição do Papel- infantil, Mãe me dá um celular?- infantil, Marina medita- infantil.

Em termos de estoque de livros destruídos pelas enchentes, foi possível fazer um levantamento de quantidade?

Sim, 21.000 livros perdidos.

E como está administrar as reedições e novos lançamentos com os desafios desdobrados dos prejuízos materiais?

Estamos fazendo as reedições em pequenas tiragens, recebemos alguns aportes para algumas edições novas e o nosso Clube do Livro que parou somente no mês de maio, no mês seguinte conseguimos com toda a precariedade continuar a distribuição para todo o RS e Brasil.

E como considera atualmente, após os esforços de recuperação, a administração de estoque, vendas, divulgação?

1- Administração de Estoque: Optamos por manter um volume menor de exemplares físicos dos livros mais antigos, nas novas edições também diminuímos o volume, deixando o necessário para distribuição de 6 meses e estamos investindo em plataformas digitais.

2- Vendas: O cenário pós-enchente impulsionou uma maior atenção ao e-commerce. Isso ajuda a compensar as perdas e também a alcançar um público mais amplo. Vendas diretas em eventos literários e feiras também ganharam importância, funcionando como um meio de divulgar e recuperar o vínculo com o público.

3- Divulgação: Estamos investindo cada vez mais em comunicação e no marketing digital, redes sociais, campanhas com influencers da literatura espírita, sentimos que esta ação humaniza a marca e gera empatia entre os leitores.

Do recente lançamento do Dr. Carlos Durgante, sobre o Alzheimer, um tema muito oportuno, como está sendo a repercussão?

Está sendo um sucesso, logo teremos que fazer uma nova edição, pois este é um assunto de utilidade pública e este livro traz para o leitor uma visão técnica e espiritual da doença, juntando com o depoimento de alguns cuidadores, trazendo a prática e a importância do amor e respeito pelo seu ente querido. 

O que gostaria de falar sobre a recuperação da livraria?

Em meio a perdas materiais e prejuízos incalculáveis, sabemos que podemos renascer de forma mais forte e determinada. Com o apoio de leitores, colegas do setor e comunidades locais que abraçam a reconstrução como um novo capítulo, adaptamos aos desafios e transformando a adversidade em oportunidade. Este momento reafirma a força da cultura e do livro como agentes de resistência, união e esperança. O futuro, ainda incerto, é iluminado pela determinação de continuar espalhando histórias, sonhos e conhecimento.  

Como foi lidar com a sensação de destruição material?

Uma sensação de impotência e tristeza ao verem estoques inteiros e anos de trabalho serem destruídos pela água, ver livros, cada um contendo histórias, ideias, e a dedicação de tantos envolvidos sendo arrastados pela água, foi como perder algo pessoal e inestimável. Para os profissionais que dedicam suas vidas ao mundo editorial, esses livros eram muito mais que simples produtos; eram o coração de suas jornadas e suas conexões com o público. A dor dessa perda trouxe uma sensação de vazio, mas também de responsabilidade e motivação para reconstruir, repensar práticas e se preparar para o inesperado. Esse momento, embora devastador, reacendeu a certeza de que o valor das histórias é eterno e que, com o tempo, a força para preservar o conhecimento e o bom livro sobreviverá.

E como está o planejamento editorial diante da difícil experiência?

Apesar desta difícil experiência que vivemos, conseguimos fechar o ano com os projetos editoriais de 2024 todos realizados. Em 2025 já iremos começar o ano com muitas novidades.  

Que tipo de nova visão foi acrescentada diante dos fatos que nos surpreenderam a todos?

A experiência das enchentes trouxe uma nova visão repleta de consciência e adaptação, percebemos que é essencial não apenas preservar o conteúdo, mas diversificar as formas de acesso e distribuição. A digitalização de acervos, a ampliação do alcance online e o investimento em plataformas de leitura digital ganharam um novo valor, não apenas como estratégias de mercado, mas como formas de proteger e democratizar o acesso ao conhecimento.

Além disso, o setor passou a enxergar a resiliência de maneira mais ampla, compreendendo que ela se constrói em rede. A solidariedade que emergiu entre as editoras, leitores, e até outros setores culturais reforçou a importância de uma atuação coletiva diante de crises. Essa nova visão também fortaleceu o compromisso de preservar a cultura como um bem comum, resgatando a certeza de que, mesmo diante dos imprevistos mais difíceis, que o bom livro são forças indestrutíveis que sempre encontrarão meios de resistir e florescer.

Algo mais que gostaria de acrescentar?

Uma maneira poderosa de apoiar as entidades que sofreram com este desastre climático nessa jornada de recuperação é simples e acessível: comprando livros. Cada livro adquirido representa não só um gesto de solidariedade, mas uma contribuição direta para a continuidade de suas operações e para a preservação do livro

Suas palavras finais.

A lição final é que cada perda fortalece a determinação de não apenas publicar livros, mas de garantir que essas histórias resistam, adaptando-se ao que for preciso para que as próximas gerações possam continuar a desfrutar e a aprender com elas. A resiliência que nasceu dessa experiência dolorosa se tornou uma marca, lembrando que o livro é um bem inestimável, e que a missão de o preservar transcende qualquer dificuldade.

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita