Entrevista

por Orson Peter Carrara

Livro mostra os diversos ângulos da Doença de Alzheimer


 
Natural de Santa Maria e residente em Porto Alegre, ambos municípios do estado do Rio Grande do Sul, Carlos Eduardo Accioly Durgante (foto) é médico geriatra, professor do curso de pós-graduação em Saúde e Espiritualidade na Universidade de Caxias do Sul, no mesmo estado (UCS). Também diretor do Departamento Estadual da Associação Médico-Espírita do Brasil (AME-Brasil), secretário da mesma associação no estado onde reside (AMERGS), membro do Conselho Editorial da FERGS – Federação Espírita do Estado do Rio Grande do Sul e trabalhador da Soc. Beneficente Espírita Bezerra de Menezes. É autor de nove livros e igualmente organizador de outros nove livros. Concedeu-nos entrevista sobre seu recente lançamento, o livro Doença de Alzheimer – Um olhar biopsicossocial e espiritual (publicado pela editora da FERGS). 

 

Seu recente livro, editado pela FERGS, é de temática muito oportuna e atual. Por que esse aumento significativo da Doença de Alzheimer (DA)? O fator longevidade é expressivo para isso?

A resposta se encontra na própria pergunta. Sim, é devido, principalmente, a esse fator denominado de longevidade humana. Podemos dizer que longevidade seria um processo de envelhecer por mais tempo. Essa moeda tem, claro, dois lados. Um dos principais ônus desse fenômeno populacional, é o aumento significativo de casos de demência senil, especialmente a Doença de Alzheimer, nos países desenvolvidos ou em desenvolvimento como o nosso. A distribuição etária da população brasileira está alterando o formato da nossa pirâmide etária, pois o segmento da população que mais cresce é o de 40-44 anos, ou seja, o início da meia idade. Os cuidados com a saúde a partir da meia idade são determinantes para uma boa saúde geral na velhice. Estima-se que no mundo 82 milhões de pessoas terão essa doença até 2030. Ao longo do século XX, a expectativa de vida ao nascer aumentou em cerca de 30% nas nações de alta renda.

Do ponto de vista biológico, qual a principal causa? Simplesmente mortes neuronais ou outros fatores se juntam? Quais os mais considerados?

Desde os primeiros estudos científicos – que já ultrapassaram um século – acredita-se que duas a três décadas antes de surgirem os primeiros sinais ou sintomas da demência, silenciosa e microscopicamente, aparecem alterações caracterizadas por excessivos depósitos fibrilares da proteína beta-amiloide, normalmente existente no cérebro humano. Essas alterações começam a acontecer na “vizinhança” mais próxima de cada neurônio de determinadas áreas cerebrais. Esses depósitos vão formando placas que Alois Alzheimer chamou de placas senis. Na evolução histopatológica da DA, um outro mecanismo começa a acontecer alguns anos após essa primeira fase: as células nervosas são afetadas pela proteína Tau. Essas seriam as principais causas das mortes neuronais e suas conexões. Como vimos, a doença permanece em um estágio subclínico, mas não oculta, por vários anos até suas primeiras manifestações clínicas.

Espiritualmente considerando, pela sua experiência médica e doutrinária espírita, seriam mais expiações ou provas?

Tanto as provas quanto as expiações, na visão espírita, se configuram como maneiras que a Espiritualidade Maior proporciona ao Espírito a oportunidade de evoluir em seu caráter e moral. Acredito que a DA se manifeste mais frequentemente na forma de uma prova deliberadamente aceita pelo Espírito reencarnante, como uma necessidade urgente de reeducação nesse período de renovação planetária.

As emoções têm grande peso nesse processo?

Sim, cada vez mais consideramos os sentimentos/emoções como possíveis causas do adoecimento humano. Há dois mil anos, São Lucas Evangelista, que era médico, afirmou que: “Sabe-se que a doença de um homem não pode ser separada daquilo que ele é e de seu ambiente”.  Isso nada mais é que os fundamentos da Epigenética, ou seja, a dinâmica que determina a expressão dos genes. Sabe-se na atualidade que os fatores envolvidos na ativação dos Genes, vão além deles próprios, e inclui, entre outros, o poder da Mente (sentimentos e emoções). Como as emoções são as representações físicas dos sentimentos, é de se esperar uma ação física ou biológica em nós.  Esses sentimentos estão em uma esfera transcendente e organizados funcionalmente em um corpo sutil que denominamos Corpo Vital e entendemos que o movimento da Energia Vital é quem cria uma representação física – as moléculas da emoção – para justamente traduzir a informação, do movimento sutil da energia vital, para o corpo físico. O cultivo de bons sentimentos, o pensamento positivo, o otimismo em relação a vida pode ativar nossos genes, estimulando o cérebro e o corpo a produzir hormônios benéficos.

O alienamento gradativo da convivência e mesmo da comunicação é uma questão genética ou espiritual? Até que ponto o emocional influi nisso?

Na evolução da doença, várias alterações de comportamento vão aparecendo, sendo que uma delas é esse desligamento gradativo do ambiente ao seu redor. Há uma redução da comunicação verbal, principalmente devido ao comprometimento de áreas cerebrais ligadas à linguagem e a outras formas de memórias. Bem, pela fisiopatologia dessa demência, é perfeitamente possível que a degeneração cerebral acarrete esses comportamentos. Um outro fator muito frequente é a depressão que ocorre na evolução dessa enfermidade, levando o paciente a apresentar um desinteresse, uma falta de vontade e prazer pela vida e pode acarretar nesse alienamento. Do ponto de vista espiritual, acredito que esteja inserido na programação reencarnatória desse Espírito, porque como eu afirmei, essa moléstia tem a peculiaridade de ir apagando as lembranças, comprometendo o estado de consciência e lucidez. Após o desencarne, ao Espírito caberá o exercício das virtudes do Cristo, bem como o entendimento das suas necessidades evolutivas por intermédio dessa doença e suas implicações nas relações familiares.

E os casos do paciente que só fica deitado o dia todo?

Bem, há várias razões para que isso possa ocorrer, desde um processo de não aceitação ou mesmo de negação da Doença de Alzheimer, acarretando um quadro depressivo, até pela própria evolução da enfermidade que vai comprometendo a cognição, ou seja, funções cerebrais como memória, linguagem, planejamento, pensamento abstrato, entre outras. Na evolução da doença, algumas comorbidades vão aparecendo, e podem comprometer a funcionalidade do doente.

E a agressividade é comum sempre? O que dizer sobre ela?

Ela é uma das alterações de comportamento mais frequentes. Imaginemos um sistema elétrico em uma casa ou em um estabelecimento comercial muito antigo e sem manutenção, onde algumas luzes não acendem mais, outras ficam piscando ou tomadas dão choques elétricos, fica uma bagunça. Assim são as conexões em um cérebro afetado pela DA. A variedade de comportamentos anormais para aquela pessoa, são diversas. Tanto a apatia como a agressividade podem ocorrer. Chega um momento em que há necessidade de medicalizar o paciente para corrigir ou atenuar esse transtorno.

Tem algum caso marcante para contar?

Lembro-me de uma paciente de que fiz o diagnóstico no início da doença. Ela foi medicada e, por um tempo, levou uma vida quase normal, sendo supervisionada por seus familiares. Após uns 4-5 anos, os sintomas e as limitações acarretadas pela DA foram se acentuando e a mesma necessitou de cuidados mais intensos, tanto por seus familiares, quanto por cuidadores profissionais. Ela não ia mais ao meu consultório e então passei a fazer visitas domiciliares mensais. O tempo foi passando e a paciente foi ficando cada vez mais dependente e necessitando de alimentação por sonda, uso de fraldas descartáveis e demais cuidados de enfermagem. Essa paciente passou por todas as fases da enfermidade, viveu aproximadamente 17 anos após o diagnóstico.

Isso ocorreu há muitos anos, e na época eu tinha um entendimento espírita das moléstias humanas ainda muito limitado. Talvez por isso é que eu me questionava dos porquês de alguém viver tanto tempo sem vida de relação normal, restrita a uma cama, sendo cuidada por terceiros. Alguns anos após o seu desencarne, consegui compreender o planejamento reencarnatório para esse Espírito e toda a sua numerosa família. Essa senhora era viúva e ficara com uma boa pensão do esposo, além de outras duas fontes de renda de seu próprio trabalho. Nesses longos 17 ou mais anos, cuidada amorosamente por seus familiares, proporcionou que alguns de seus netos concluíssem suas faculdades que foram custeadas, total ou parcialmente, por sua renda. Sem falar de diversas outras situações intrafamiliares que ocorreram durante a doença, e que sua longa enfermidade permitiu reaproximações, reajustes e reparações! Poucos meses após seu último neto concluir os estudos universitários, ela desencarnou.

Suas palavras finais.

Tenho plena convicção de que se, entre os diversos compromissos morais que nos comprometemos a realizar nessa vida, estiver a convivência com a Doença de Alzheimer em família, então que essa oportunidade de reparações, reajustes e, acima de tudo, de reeducação dos nossos sentimentos, nos encontre despertos para o exercício desse nobre dever.

Muito obrigado, luz e paz a todos!


Nota do entrevistador:

Interessados na aquisição do livro, poderão utilizar-se:

a) Do WhatsApp da editora: (51) 98400-3219

b) No site da livraria da FERGS:  CLIQUE AQUI

c) Na Amazon – no formato E-book

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita