Especial

por Americo Domingos Nunes Filho

Nascimento de espíritos na erraticidade

Os estudiosos da codificação kardeciana deparam-se, algumas vezes, com exposições que se intitulam espíritas, contendo informações falsas e revelações destituídas de apoio doutrinário. Sabemos ser possível que um novato, um profitente não afeito ao estudo e um mero simpatizante possam ser ludibriados e, como inocentes úteis, passem a propagar conteúdos equivocados. Portanto, utilizando o raciocínio e a lógica tão bem exemplificados por Allan Kardec, é imperioso que as publicações e as mensagens mediúnicas devam ser sempre analisadas, e descartadas as que estejam eivadas de representações falaciosas.
Deve o espírita comprometido com os seus ideais de progresso espiritual escrutar, com persistência e denodo, todo o arsenal deixado pelos espíritos superiores ao brioso missionário Allan Kardec e sempre estar vigilante contra o assédio inferior que tenta acesso à fonte luminosa da “terceira revelação divina à humanidade” com o intuito de menoscabá-la.
Por conseguinte, algumas preposições deletérias surgem e devem ser submetidas ao crivo da análise lógico-racional, bem amparado no que está bem fundamentado nas obras básicas, exatamente um exame prudente que foi muito bem realizado e ensinado pelo sagaz codificador do Espiritismo.
Uma das infelizes apresentações consiste na declaração de que há prática sexual na erraticidade; inclusive, com a probabilidade até do processo da fecundação ocorrer, acarretando, por conseguinte, o nascimento de espíritos. É deveras equivocada essa afirmação, assaz antidoutrinária, desde que a codificação espírita não lhe dá sustento. Devemos, aliás, ressaltar sempre que as obras básicas espíritas constituem pujante alicerce, sólida estrutura, e as declarações que se apresentam com características inovadoras devem sempre ajustar-se à fonte ou estar amparadas por comprovados trabalhos científicos ou mesmo emanadas de comunicações espontâneas, ditadas por médiuns diferentes em lugares diversos, e nunca a sombria tentativa de abalar o consistente arcabouço espírita.
Deve-se repelir qualquer manifestação sem fundamento que contrarie sobremaneira o que o magnânimo Allan Kardec deixou patente, propondo uma fé racional e inabalável, podendo, inclusive, encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade (1).
Se o domicílio doutrinário estiver aberto, com as portas e as janelas escancaradas, permitindo a entrada de apresentações abjetas, certamente, com muita brevidade, o Espiritismo, a “Terceira Revelação Divina à Humanidade”, o “Consolador prometido por Jesus” que “não nos deixaria órfãos” (2), tornar-se-á uma seita alicerçada em um conjunto confuso de ideias diferentes, revelando miscelânea de conceitos, constituindo uma desprezível colcha de retalhos, uma mixórdia composta por uma série de contas de cunho dogmático.
Kardec, com muita propriedade, afirmou que “a característica essencial de qualquer revelação tem que ser a verdade. Revelar um segredo é tornar conhecido um fato; se é falso, já não é um fato e, por consequência, não existe revelação” (3).
Respondendo objetivamente à questão “Os Espíritos têm sexo?”, os Instrutores da espiritualidade são taxativos: “Não como o entendeis, porque os sexos dependem da constituição orgânica. Há entre eles amor e simpatia, mas baseados na afinidade de sentimentos” (4), isto é, a sexualidade, na dimensão da imortalidade, consiste em uma troca energética entre os seres do mais puro sentimento amoroso e união sincera. Em verdade, o Espiritismo ressalta que “os sexos só existem na dimensão física” (5).
Sabemos que espíritos não esclarecidos, necessitados de realização sexual, mas impossibilitados de a saciar, agem como verdadeiros vampiros, frequentando os locais físicos, onde o sexo é praticado de forma imoral, indecente, vergonhosa, locupletando-se da energia bem densa exteriorizada nesses ambientes degradantes. Como não podem exercer a sexualidade na carne, sustentada pelos pilares do amor e vivenciada em vibração energética superior, necessitam estar juntos dos encarnados sintonizados em faixas menos elevadas, de baixa frequência, absorvendo as emanações psíquicas liberadas durante o promíscuo ato.
Esses irmãos carecem muito de ajuda espiritual e o amor em ação, em nome do Cristo, precisa ser praticado, com insistência e proficiência, desde que são seres espirituais presos ainda às sensações mais rudes e intentam, sem qualquer possibilidade, vivenciar o sexo de modo idêntico aos encarnados, não logrando conseguir êxito, devido à inércia do sexo de periferia e escravizados ao contato grosseiro com a matéria física pela qual estão ainda subjugados. Infelizmente, compartilham suas vibrações deletérias com os encarnados afinizados na prática do sexo destoante.
Kardec esclarece que a densidade bem grosseira do perispírito nas entidades de baixa categoria proporciona sua aproximação da matéria, determinando a persistência das ilusões da vida terrena, pensando e agindo como se ainda estivessem na vida física (6)
Portanto, qualquer obra, mediúnica ou não, que se intitule espírita e afirme haver relação sexual entre os espíritos, seguindo o critério da razão e do bom senso tão bem exemplificados pelo codificador, precisa ser rejeitada como opinião pessoal da fonte geradora, sem qualquer vínculo com o ensinamento kardeciano.
Ainda por cima, extremamente vergonhosa se apresenta, igualmente, a mensagem desagregadora e antidoutrinária de haver reprodução no meio extrafísico. Em verdade, implica existir, na dimensão espiritual, as especialidades médicas da obstetrícia e da neonatologia, o que demonstra ser um absurdo, algo que não tem sentido algum, contrariando a racionalidade tão bem alicerçada na doutrina codificada por Kardec.
Aliás, mediante o que propaga essa pseudorrevelação, a capacidade de concepção dos espíritos por Deus foi posta por terra, porquanto se há fecundação de seres extrafísicos, através do ato sexual praticado pelos habitantes da erraticidade, o Nosso Amado Pai foi deixado de lado e eliminado desse glorioso poder de gerar a vida espiritual. Nada obstante, seguindo esse raciocínio incorreto, podemos, então, desprezar a revelação dos benfeitores do além, respondendo à imediata questão elaborada pelo codificador: “A criação dos espíritos é permanente, ou só se deu na origem dos tempos? De pronto, afirmaram: “É permanente. Quer dizer: Deus jamais deixou de criar” (7).
Inclusive, a perspicácia revelada pelo genial Kardec, na elaboração das questões divulgadas na obra básica “O Livro dos Espíritos”, é inquestionável, já que, logo após, interroga à espiritualidade superior se é possível haver reprodução na erraticidade, por meio da união sexual dos seres que lá se encontram. A resposta, pronta e objetiva, se fez presente, negando essa deletéria afirmação e ratificando a criação dos seres extrafísicos somente pela vontade de Deus. Logo, “os espíritos não se formam espontaneamente, nem procedem uns dos outros” (8), todos criados por Deus, sancionando a afirmativa de Jesus, dizendo que o Pai está em ação continuamente (9)
O Sr. Sanson que foi membro da Sociedade Espírita de Paris, desencarnado em abril de 1862, em carta dirigida a Kardec, exatamente em agosto de 1860, prevendo sua morte precoce, se prontificou a ajudar, no além, o processo da codificação em curso, autorizando o codificador a evocá-lo, “o mais imediatamente possível e tantas vezes quanto julgar conveniente” (10).
Então, surgindo a ocasião tão aguardada, Kardec questiona o espírito de Sanson: ─ Os espíritos não têm sexo. Entretanto, como há poucos dias éreis homem, no vosso estado tendes antes a natureza masculina que a feminina? Dá-se o mesmo com um espírito que deixou o corpo há muito tempo? A resposta, pronta e objetiva: ─ “Não nos vinculamos à natureza masculina ou feminina. Os espíritos não se reproduzem. Deus os criou à sua vontade e se, na sua maravilhosa sabedoria, quis que os espíritos se reencarnassem na Terra, teve que estabelecer a reprodução das espécies pelo macho e a fêmea. Mas compreendeis, sem necessidade de explicação, que os espíritos não podem ter sexo” (11)
O ilustre espírito de Sanson destrói a argumentação favorável de fecundação no além, dialogando com Kardec, dizendo: “Não nos vinculamos à natureza masculina ou feminina. Os espíritos não se reproduzem. Deus os criou à sua vontade e se, na sua maravilhosa sabedoria, quis que os espíritos se reencarnassem na Terra, teve que estabelecer a reprodução das espécies pelo macho e a fêmea. Mas compreendeis, sem necessidade de explicação, que os espíritos não podem ter sexo” (12)
A seguir, o insigne codificador observa: “Sempre foi dito que os espíritos não têm sexo. Os sexos só são necessários para a reprodução dos corpos. Como os espíritos não se reproduzem, o sexo lhes seria inútil. Nossa pergunta não visava constatar o fato, mas, em vista da morte recente do Sr. Sanson, queríamos saber se perdurava a impressão de seu estado terreno (...) Entre os inferiores, não desmaterializados, muitos ainda se consideram como eram na Terra e conservam as mesmas paixões e os mesmos desejos. Estes ainda se creem homens ou mulheres, e por isto alguns disseram que os Espíritos têm sexo. É assim que certas contradições provêm do estado mais ou menos adiantado dos Espíritos que se comunicam. O erro não é dos Espíritos, mas daqueles que os interrogam e não se dão ao trabalho de aprofundar-se no assunto” (13)
O inolvidável Kardec, alguns anos após, manteve a chama acesa do esclarecimento acerca do tema em tela, reafirmando a posição da doutrina: “As almas ou espíritos não têm sexo. As afeições que os unem nada têm de carnal e, por isto mesmo, são mais duráveis, porque são fundadas numa simpatia real e não são subordinadas às vicissitudes da matéria”. Depois, continua: “Os órgãos sexuais só existem no organismo. Eles são necessários à reprodução dos seres materiais. Mas os espíritos, sendo criação de Deus, não se reproduzem uns pelos outros, razão pela qual os órgãos sexuais seriam inúteis no mundo espiritual (14)
Na resposta dos instrutores do além a Kardec, na questão 972 de “O Livro dos Espíritos”, é ensinado que as paixões materiais não existem na dimensão extrafísica e são sentimentos originados dos pensamentos dos seres espirituais atrasados. Então, o codificador redarguiu: - Mas, de que servem essas paixões, se já não têm objeto real? Os mestres do além responderam: - “Nisso precisamente é que lhes está o suplício: o avarento vê ouro que lhe não é dado possuir; o devasso, orgias em que não pode tomar parte; o orgulhoso, honras que lhe causam inveja e de que não pode gozar (15)
É fundamental o estudo acentuado das obras básicas do Espiritismo para angariar subsídios e repelir quaisquer achismos que queiram introduzir no formoso tesouro consolidado por um mestre conhecido pelo pseudônimo de Allan Kardec, responsável por trazer a lume a Doutrina Consoladora de Jesus.
Verdadeiramente, a afirmativa errônea e desprezível de que há nascimento de seres espirituais no além-túmulo manifesta menosprezo ao trabalho gigantesco do notável codificador e à excelsa doutrina que foi revelada por ele junto com os valorosos mensageiros do Cristo.

 

Bibliografia:

01- Kardec. Allan, “O Evangelho segundo o Espiritismo”, Capítulo XIX:7;
02- “O Evangelho Segundo João XIV:18;
03- Kardec. Allan, “A Gênese”, cap. I, item 3;
04- Idem, “O Livro dos Espíritos’, questão 200;
05- Idem, questão 822-(a);
06- Idem, “O Livro dos Médiuns”, Parte 2, capítulo IV:74;
07- Idem, “O Livro dos Espíritos”, questão 87;
O8- Idem, questão 81;
09- “O Evangelho de João”, V:17;
10- Kardec, Allan, “Revista Espírita”, maio de 1862 Exéquias do Sr. Sanson;
11- Kardec, Allan, ““O Livro dos Espíritos”, questão 972(a).
12- Kardec Allan, “Revista Espírita”, junho, 1862, 3ª Palestra:11;
13- Idem;
14- Idem, janeiro, 1866, “As mulheres têm alma?”;
15- Kardec, Allan, ““O Livro dos Espíritos”, questão 972(a).
 
Americo Domingos Nunes Filho é presidente da Associação Médico-Espírita do Estado do Rio de Janeiro.

    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita