Os estudiosos da
codificação kardeciana deparam-se, algumas vezes, com
exposições que se intitulam espíritas, contendo
informações falsas e revelações destituídas de apoio
doutrinário. Sabemos ser possível que um novato, um
profitente não afeito ao estudo e um mero simpatizante
possam ser ludibriados e, como inocentes úteis, passem a
propagar conteúdos equivocados. Portanto, utilizando o
raciocínio e a lógica tão bem exemplificados por Allan
Kardec, é imperioso que as publicações e as mensagens
mediúnicas devam ser sempre analisadas, e descartadas as
que estejam eivadas de representações falaciosas.
Deve o espírita
comprometido com os seus ideais de progresso espiritual
escrutar, com persistência e denodo, todo o arsenal
deixado pelos espíritos superiores ao brioso missionário
Allan Kardec e sempre estar vigilante contra o assédio
inferior que tenta acesso à fonte luminosa da “terceira
revelação divina à humanidade” com o intuito de
menoscabá-la.
Por conseguinte, algumas
preposições deletérias surgem e devem ser submetidas ao
crivo da análise lógico-racional, bem amparado no que
está bem fundamentado nas obras básicas, exatamente um
exame prudente que foi muito bem realizado e ensinado
pelo sagaz codificador do Espiritismo.
Uma das infelizes
apresentações consiste na declaração de que há prática
sexual na erraticidade; inclusive, com a probabilidade
até do processo da fecundação ocorrer, acarretando, por
conseguinte, o nascimento de espíritos. É deveras
equivocada essa afirmação, assaz antidoutrinária, desde
que a codificação espírita não lhe dá sustento. Devemos,
aliás, ressaltar sempre que as obras básicas espíritas
constituem pujante alicerce, sólida estrutura, e as
declarações que se apresentam com características
inovadoras devem sempre ajustar-se à fonte ou estar
amparadas por comprovados trabalhos científicos ou mesmo
emanadas de comunicações espontâneas, ditadas por
médiuns diferentes em lugares diversos, e nunca a
sombria tentativa de abalar o consistente arcabouço
espírita.
Deve-se repelir qualquer
manifestação sem fundamento que contrarie sobremaneira o
que o magnânimo Allan Kardec deixou patente, propondo
uma fé racional e inabalável, podendo, inclusive,
encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da
Humanidade (1).
Se o domicílio doutrinário
estiver aberto, com as portas e as janelas escancaradas,
permitindo a entrada de apresentações abjetas,
certamente, com muita brevidade, o Espiritismo, a
“Terceira Revelação Divina à Humanidade”, o “Consolador
prometido por Jesus” que “não nos deixaria órfãos” (2),
tornar-se-á uma seita alicerçada em um conjunto confuso
de ideias diferentes, revelando miscelânea de conceitos,
constituindo uma desprezível colcha de retalhos, uma
mixórdia composta por uma série de contas de cunho
dogmático.
Kardec, com muita
propriedade, afirmou que “a característica essencial de
qualquer revelação tem que ser a verdade. Revelar um
segredo é tornar conhecido um fato; se é falso, já não é
um fato e, por consequência, não existe revelação” (3).
Respondendo objetivamente
à questão “Os Espíritos têm sexo?”, os Instrutores da
espiritualidade são taxativos: “Não como o entendeis,
porque os sexos dependem da constituição orgânica. Há
entre eles amor e simpatia, mas baseados na afinidade de
sentimentos” (4), isto é, a sexualidade, na dimensão da
imortalidade, consiste em uma troca energética entre os
seres do mais puro sentimento amoroso e união sincera.
Em verdade, o Espiritismo ressalta que “os sexos só
existem na dimensão física” (5).
Sabemos que espíritos não
esclarecidos, necessitados de realização sexual, mas
impossibilitados de a saciar, agem como verdadeiros
vampiros, frequentando os locais físicos, onde o sexo é
praticado de forma imoral, indecente, vergonhosa,
locupletando-se da energia bem densa exteriorizada
nesses ambientes degradantes. Como não podem exercer a
sexualidade na carne, sustentada pelos pilares do amor e
vivenciada em vibração energética superior, necessitam
estar juntos dos encarnados sintonizados em faixas menos
elevadas, de baixa frequência, absorvendo as emanações
psíquicas liberadas durante o promíscuo ato.
Esses irmãos carecem muito
de ajuda espiritual e o amor em ação, em nome do Cristo,
precisa ser praticado, com insistência e proficiência,
desde que são seres espirituais presos ainda às
sensações mais rudes e intentam, sem qualquer
possibilidade, vivenciar o sexo de modo idêntico aos
encarnados, não logrando conseguir êxito, devido à
inércia do sexo de periferia e escravizados ao contato
grosseiro com a matéria física pela qual estão ainda
subjugados. Infelizmente, compartilham suas vibrações
deletérias com os encarnados afinizados na prática do
sexo destoante.
Kardec esclarece que a
densidade bem grosseira do perispírito nas entidades de
baixa categoria proporciona sua aproximação da matéria,
determinando a persistência das ilusões da vida terrena,
pensando e agindo como se ainda estivessem na vida
física (6)
Portanto, qualquer obra,
mediúnica ou não, que se intitule espírita e afirme
haver relação sexual entre os espíritos, seguindo o
critério da razão e do bom senso tão bem exemplificados
pelo codificador, precisa ser rejeitada como opinião
pessoal da fonte geradora, sem qualquer vínculo com o
ensinamento kardeciano.
Ainda por cima,
extremamente vergonhosa se apresenta, igualmente, a
mensagem desagregadora e antidoutrinária de haver
reprodução no meio extrafísico. Em verdade, implica
existir, na dimensão espiritual, as especialidades
médicas da obstetrícia e da neonatologia, o que
demonstra ser um absurdo, algo que não tem sentido
algum, contrariando a racionalidade tão bem alicerçada
na doutrina codificada por Kardec.
Aliás, mediante o que
propaga essa pseudorrevelação, a capacidade de concepção
dos espíritos por Deus foi posta por terra, porquanto se
há fecundação de seres extrafísicos, através do ato
sexual praticado pelos habitantes da erraticidade, o
Nosso Amado Pai foi deixado de lado e eliminado desse
glorioso poder de gerar a vida espiritual. Nada
obstante, seguindo esse raciocínio incorreto, podemos,
então, desprezar a revelação dos benfeitores do além,
respondendo à imediata questão elaborada pelo
codificador: “A criação dos espíritos é permanente, ou
só se deu na origem dos tempos? De pronto, afirmaram: “É
permanente. Quer dizer: Deus jamais deixou de criar”
(7).
Inclusive, a perspicácia
revelada pelo genial Kardec, na elaboração das questões
divulgadas na obra básica “O Livro dos Espíritos”, é
inquestionável, já que, logo após, interroga à
espiritualidade superior se é possível haver reprodução
na erraticidade, por meio da união sexual dos seres que
lá se encontram. A resposta, pronta e objetiva, se fez
presente, negando essa deletéria afirmação e ratificando
a criação dos seres extrafísicos somente pela vontade de
Deus. Logo, “os espíritos não se formam espontaneamente,
nem procedem uns dos outros” (8), todos criados por
Deus, sancionando a afirmativa de Jesus, dizendo que o
Pai está em ação continuamente (9)
O Sr. Sanson que foi
membro da Sociedade Espírita de Paris, desencarnado em
abril de 1862, em carta dirigida a Kardec, exatamente em
agosto de 1860, prevendo sua morte precoce, se
prontificou a ajudar, no além, o processo da codificação
em curso, autorizando o codificador a evocá-lo, “o mais
imediatamente possível e tantas vezes quanto julgar
conveniente” (10).
Então, surgindo a ocasião
tão aguardada, Kardec questiona o espírito de Sanson: ─
Os espíritos não têm sexo. Entretanto, como há poucos
dias éreis homem, no vosso estado tendes antes a
natureza masculina que a feminina? Dá-se o mesmo com um
espírito que deixou o corpo há muito tempo? A resposta,
pronta e objetiva: ─ “Não nos vinculamos à natureza
masculina ou feminina. Os espíritos não se reproduzem.
Deus os criou à sua vontade e se, na sua maravilhosa
sabedoria, quis que os espíritos se reencarnassem na
Terra, teve que estabelecer a reprodução das espécies
pelo macho e a fêmea. Mas compreendeis, sem necessidade
de explicação, que os espíritos não podem ter sexo” (11)
O ilustre espírito de
Sanson destrói a argumentação favorável de fecundação no
além, dialogando com Kardec, dizendo: “Não nos
vinculamos à natureza masculina ou feminina. Os
espíritos não se reproduzem. Deus os criou à sua vontade
e se, na sua maravilhosa sabedoria, quis que os
espíritos se reencarnassem na Terra, teve que
estabelecer a reprodução das espécies pelo macho e a
fêmea. Mas compreendeis, sem necessidade de explicação,
que os espíritos não podem ter sexo” (12)
A seguir, o insigne
codificador observa: “Sempre foi dito que os espíritos
não têm sexo. Os sexos só são necessários para a
reprodução dos corpos. Como os espíritos não se
reproduzem, o sexo lhes seria inútil. Nossa pergunta não
visava constatar o fato, mas, em vista da morte recente
do Sr. Sanson, queríamos saber se perdurava a impressão
de seu estado terreno (...) Entre os inferiores, não
desmaterializados, muitos ainda se consideram como eram
na Terra e conservam as mesmas paixões e os mesmos
desejos. Estes ainda se creem homens ou mulheres, e por
isto alguns disseram que os Espíritos têm sexo. É assim
que certas contradições provêm do estado mais ou menos
adiantado dos Espíritos que se comunicam. O erro não é
dos Espíritos, mas daqueles que os interrogam e não se
dão ao trabalho de aprofundar-se no assunto” (13)
O inolvidável Kardec,
alguns anos após, manteve a chama acesa do
esclarecimento acerca do tema em tela, reafirmando a
posição da doutrina: “As almas ou espíritos não têm
sexo. As afeições que os unem nada têm de carnal e, por
isto mesmo, são mais duráveis, porque são fundadas numa
simpatia real e não são subordinadas às vicissitudes da
matéria”. Depois, continua: “Os órgãos sexuais só
existem no organismo. Eles são necessários à reprodução
dos seres materiais. Mas os espíritos, sendo criação de
Deus, não se reproduzem uns pelos outros, razão pela
qual os órgãos sexuais seriam inúteis no mundo
espiritual (14)
Na resposta dos
instrutores do além a Kardec, na questão 972 de “O Livro
dos Espíritos”, é ensinado que as paixões materiais não
existem na dimensão extrafísica e são sentimentos
originados dos pensamentos dos seres espirituais
atrasados. Então, o codificador redarguiu: - Mas, de que
servem essas paixões, se já não têm objeto real? Os
mestres do além responderam: - “Nisso precisamente é que
lhes está o suplício: o avarento vê ouro que lhe não é
dado possuir; o devasso, orgias em que não pode tomar
parte; o orgulhoso, honras que lhe causam inveja e de
que não pode gozar (15)
É fundamental o estudo
acentuado das obras básicas do Espiritismo para angariar
subsídios e repelir quaisquer achismos que queiram
introduzir no formoso tesouro consolidado por um mestre
conhecido pelo pseudônimo de Allan Kardec, responsável
por trazer a lume a Doutrina Consoladora de Jesus.
Verdadeiramente, a
afirmativa errônea e desprezível de que há nascimento de
seres espirituais no além-túmulo manifesta menosprezo ao
trabalho gigantesco do notável codificador e à excelsa
doutrina que foi revelada por ele junto com os valorosos
mensageiros do Cristo.
Bibliografia:
01- Kardec. Allan, “O
Evangelho segundo o Espiritismo”, Capítulo XIX:7;
02- “O Evangelho Segundo
João XIV:18;
03- Kardec. Allan, “A
Gênese”, cap. I, item 3;
04- Idem, “O Livro dos
Espíritos’, questão 200;
05- Idem, questão 822-(a);
06- Idem, “O Livro dos
Médiuns”, Parte 2, capítulo IV:74;
07- Idem, “O Livro dos
Espíritos”, questão 87;
O8- Idem, questão 81;
09- “O Evangelho de João”,
V:17;
10- Kardec, Allan,
“Revista Espírita”, maio de 1862 Exéquias do Sr. Sanson;
11- Kardec, Allan, ““O
Livro dos Espíritos”, questão 972(a).
12- Kardec Allan, “Revista
Espírita”, junho, 1862, 3ª Palestra:11;
13- Idem;
14- Idem, janeiro, 1866,
“As mulheres têm alma?”;
15- Kardec, Allan, ““O
Livro dos Espíritos”, questão 972(a).
Americo Domingos Nunes
Filho é presidente da Associação Médico-Espírita do
Estado do Rio de Janeiro.