A Igreja Católica e a Intolerância
Religiosa
“Pesai bem os ensinos dados no Evangelho; sabei
distinguir o que está num sentido próprio ou num sentido
figurado, e os erros que vos cegaram durante tantos
séculos, se apagarão pouco a pouco, para darem lugar à
brilhante luz da verdade.” (Espírito
João, Evangelista, Bordéus, 1862.)
Com espírito de
muita boa-fé pensava eu que o fel e o ranço do
preconceito religioso gestados contra o Espiritismo já
houvessem sido destilados completamente do organismo da
vetusta Igreja Católica Apostólica Romana, chegado este
século XXI. Arrimava meu julgamento nas posições
adotadas por seus líderes, mormente pelos três últimos
papas, principais promotores de campanhas em prol da
paz, da concórdia e da tolerância religiosa em todo o
mundo ocidental. Mas vi que estava redondamente
equivocado quando li um artigo publicado na internet,
intitulado O Espiritismo e a Igreja Católica – A
Doutrina sobre a Redenção, de autoria de Everth
Queiroz Oliveira. Para acessá-lo, clique
aqui
Ali, o articulista deixa, claramente, escorrer de sua
mente intolerante um quê de ódio doentio, mormente pela
doutrina codificada por Allan Kardec, pelo fato de o
Espiritismo não concordar com vários dogmas secularmente
ensinados e impostos pelo Catolicismo aos seus adeptos.
Noutras matérias no mesmo website, e do mesmo
autor, destacam-se ataques a outras religiões
indistintamente, para ele todas elas obras do Satanás,
numa inequívoca demonstração de que todas aquelas
investidas só poderão partir de alguém obcecado pelo
espírito de sistema ou pelo fanatismo.
No preâmbulo da matéria aludida tem-se a impressão de
que o ali exposto é uma posição isolada, pessoal, de
quem a escreve, fazendo um deplorável e deliberado
proselitismo a favor da religião Católica e atacando o
Espiritismo. Todavia, avançando-se na leitura, vê-se que
o autor apenas repete o que preceitua a secular e
arcaica política preconceituosa e segregacionista
praticada por esse colosso de vinte e um séculos, em
pleno século XXI; essa mesma Igreja que está sempre à
frente também de movimentos que pregam a igualdade e a
fraternidade entre os homens, mas que, contrariando o
que estimula e ensina, incita à cisão dentro do próprio
Cristianismo ao condenar radicalmente ao “fogo do
inferno” - que ela, para sua conveniência, inventou -
aqueles que seguem outros credos.
Eis um trecho do que o senhor Everth escreve, afora
outras opiniões a meu ver infelizes, que afirma contra o
Espiritismo, sempre falando em nome da Igreja Católica
Apostólica Romana:
“Em 1953 a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
reafirmou a determinação feita pelo Episcopado Nacional
na Pastoral Coletiva de 1915, revista pelos bispos em
1948 nestes termos:
“Os espíritas devem ser tratados, tanto no foro interno
como no foro externo, como verdadeiros hereges e
fautores de heresias, e ‘não podem ser admitidos à
recepção dos sacramentos, sem que antes reparem os
escândalos dados, abjurem o espiritismo e façam a
profissão de fé'”.
Segundo o novo Direito Canônico (de 1983), “chama-se
heresia a negação pertinaz, após a recepção do batismo,
de qualquer verdade que se deve crer com fé divina e
católica, ou a dúvida pertinaz a respeito dela” (cân.
751). E no cânon 1364 § 1, a nova legislação
eclesiástica determina que “o herege incorre
automaticamente em excomunhão”, isto é: deve ser
excluído da recepção dos sacramentos (cân. 1331 § 1),
não pode ser padrinho de batismo (cân. 874), nem da
confirmação (cân. 892) e não lhe será lícito receber o
sacramento do matrimônio sem licença especial do bispo
(cân. 1071) e sem as condições indicadas
pelo cânon 1125. Também não pode ser membro de
associação ou irmandade católica (cân. 316).[“
É lastimável que no Brasil, denominado pelo Espírito
Humberto de Campos, de Coração do Mundo e Pátria do
Evangelho, as atitudes de intolerância contra a Doutrina
Espírita ainda estejam tão vivas quanto aquelas
praticadas nos anos de 1940 da nossa era, quando por
exemplo, uma senhora, presidente de uma casa espírita em
Pernambuco, foi presa a mando da Justiça (em conluio com
a Igreja Católica) pelo simples fato de ela ser adepta
do Espiritismo; ou quando, naqueles mesmos tempos, numa
cidade do Alto Tietê, em São Paulo, era comum as pessoas
mudarem de calçada quando viam que cruzariam com alguém
que era espírita, chegando ao cúmulo de cuspirem à sua
passagem.
Ensina o Espírito Emmanuel que “A maior caridade que se
pode fazer pela Doutrina Espírita é a sua divulgação”,
todavia, entendo que o espírita não deva calar-se, mas
sim defender sua Doutrina dos anátemas que contra ela
são arremessados. Defender um ideal, até mesmo contra
ataques gratuitos, significa também propagá-lo.
Alfim, contrapomos as agressões contra outras religiões
desferidas pela Igreja, que se intitula a detentora da
verdade absoluta e da infalibilidade, com nada menos do
que foi escrito por um grupo de sacerdotes católicos
espanhóis, em 1874, integrantes do Círculo Cristiano
Espiritista de Lérida, no capítulo 5º da obra Roma
e o Evangelho – Estudos Filosófico-Religiosos e
Teórico-Práticos, resumidos e publicados por D. José
Amigó y Pellicer, conforme se segue:
“V - Roma pode errar. - Tem errado. - Pode, portanto,
induzir ao erro
Em nossos estudos, tomamos por ponto de partida a
hipótese de que a Igreja Romana pode errar e, portanto,
induzir a erro os fiéis que seguem os seus ensinos.
Aquele era ponto obrigatório, pois que, admitindo a
infalibilidade de Roma, fica entendido que só ela tem o
direito de estudar e decidir as questões religiosas.
Que Roma pode errar, como duvidar, se está provado, à
evidência, que ela tem errado? E se alguém duvidar,
dê-se ao trabalho de lançar a vista pela história dos
papas, desses deuses sagrados pelo Concílio Ecumênico de
1870, e compare-a com a história dos deuses da antiga
Grécia e da antiga Roma - compare-a com a de todos os
dominadores dos povos - e, vendo como uns e outros
seguem a mesma rotina de misérias - de corrupções - de
fraquezas - de erros - de contradições - de ambições -
de fraudes - de arbitrariedades - e de injustiças,
concluirá por não reconhecer outros deuses e outras
infalibilidades que não sejam o Deus do Céu e da Terra,
e a infalibilidade (1) da Sabedoria Infinita.
Que Roma pode errar e tem errado, dizem Victor I, no
segundo século da igreja - Marcelino, no terceiro século
- Gregório I e Vergílio, no sexto - Bonifácio III e
Honório, no sétimo - Formoso, Estevão XI e Adriano II,
no nono - João XI e João XII, no décimo - Pascoal II, no
undécimo - Eugênio III, no duodécimo e, no décimo
quarto, João XXII - no décimo quinto, Eugênio IV, Pio II
e Alexandre VI - no décimo sexto, Xisto V - no décimo
sétimo e décimo oitavo, Clemente XIV - e no décimo nono,
Pio VII.
Que Roma pode errar e tem errado, dizem-no as heresias
aprovadas por ela num dia e, no outro, condenadas - as
contradições do seu ensino - os progressos da Ciência,
condenados e logo depois aproveitados - as influências
cortesãs dominantes nos palácios dos papas - o
procedimento pouco canônico de uns, para conquistarem a
tiara - e outras mil verdades, ainda desconhecidas da
imensa maioria dos católicos, referentes à história da
falibilidade dos sucessores de S. Pedro, desconhecidas
até hoje, mas que serão amanhã conhecidas e apreciadas
por quantos tenham olhos de ver e ouvidos de ouvir.
Felizmente, as fogueiras da Inquisição foram para sempre
apagadas, não sabemos se a gosto dos infalíveis, ou se
ao irresistível sopro da liberdade por eles proscrita e
condenada.
E, pois, que Roma pode errar e tem errado, pode também
induzir a erros os que das suas doutrinas se alimentam.
Eis por que lhe negamos uma autoridade absoluta e
inapelável nas
decisões religiosas - eis por que lhe negamos o direito
de impor uma fé cega - eis por que reivindicamos o
direito de intervir diretamente nos negócios da nossa
alma.”
(1) “Porque
Deus é veraz e todo o homem falaz.” (São Paulo aos
Romanos, cap. III, v. 4)
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